A Relação simbiótica entre uma lebre e uma pantera negra - Capítulo 128
Pareciam gatinhos, mas eram definitivamente bebês predadores.
<Será homens-besta que ainda não tem idade para se humanizar pela primeira vez?>
No entanto, os gestos e a postura deles eram habilidosos demais para serem de uma criança que tinha menos de três anos de idade.
<São panteras negras normais.>
Enquanto eu pensava sozinha, os dois começaram a se aproximar cada vez mais, e logo estavam bem na minha frente.
<Vão embora!>
“Miau-”
A tentativa de rugido desse filhote não era nada perto do que eu já tinha visto Ash e Barra fazerem. Dei de ombros, escondendo minha pata dianteira trêmula.
<Querem problemas?>
A tensão continuou. Felizmente, uma delas perdeu o interesse em mim e começou a rolar no chão. Mas o outro continuou rosnando e mostrando os dentinhos.
Apesar de eles serem bebês, se me mordessem de verdade, eu morreria. Ainda era pequena comparada às outras lebres adultas. Então, rolei para evitar ser mordida. Quando um dos panteras negras avançou para mim, o chutei com a pata traseira e corri para um lado.
O filhote não pareceu se importar com ter sido atirado no chão e voltou a atacar. Ele parecia pensar que era um jogo. Mas infelizmente, se eu perdesse, a punição era ir parar no estômago dele.
<Esse pirralho…!>
Tap. tap.
Contra-ataquei com tapas e chutes, até que uma sombra enorme surgiu atrás de nós. O filhote se paralisou, olhando por trás de minhas costas.
Pensei que um salvador tinha aparecido, mas meu instinto me alertou que podia ser outro inimigo. Dei a volta, me preparando para o pior, e…
<…Barra?>
Franzi a testa ao ver o enorme pantera negra com uma cicatriz no olho. Ele olhou para mim sem nenhuma intenção agressiva, como se tivesse visto algo bom. Então, percebi com quem o filhote que me atacava se parecia.
<Espera, não me diga que…!>
Encarei a filhote relaxada, que ainda rolava sozinha no chão. Ela era a cara de Ash. A maneira como parecia poderosa, mas estava mais interessada em relaxar era a cara dela.
Finalmente, os “pequenos problemas” que Ahin havia dito que Ash tinha fizeram sentido. Tapei a boca com as patas.
<Barra, seu… Ladrão!!>
Senti o mesmo que uma irmã que tinha escutado da outra que ia sair de casa para se casar. Meus pés, que estavam tremendo para chutar Barra, se acalmaram quando pensei…
<Fui eu quem deixei ela para trás…>
Não podia perder tempo. Minha prioridade era encontrar Ash. Ainda assim, estava surpresa que o amor não-correspondido de Barra finalmente tinha se realizado, e ele parecia feliz.
<Mas, e Ash?>
Como se tivesse me entendido, Barra empurrou a porta do quarto e olhou para trás. Assim que comecei a segui-lo, rapidamente, ouvi mais passos vindo atrás de mim. As bolinhas de pêlo negras estavam nos seguindo.
<Está tudo bem eles irem conosco?>
Barra começou a correr como se não tivesse nada a ver com a história.
***
“Shu, Bion, não corram na mansão… Senhorita Coelha…?!”
“Shu! Bion! Isso é perigoso… Quê?! A Senhorita Coelha?”
“Shu, Bion, vamos acabar pisando em vocês e… Senhorita Coelha!!”
Cada criado que saltava para o lado enquanto corríamos em fila tinha a exata mesma reação.
Correndo pela mansão, os ignorando, Barra foi na direção do portão principal. Isso significava que Ash estava do lado de fora ou algo assim?
Cogitei me humanizar, mas pensei que nessa forma seria mais fácil me movimentar pela mansão. De longe, pude ver uma criatura de pelos negros sentada na frente do portão.
Eu fui gradualmente parando de correr, até ficar totalmente imóvel. Quando viram que eu tinha parado, Barra e os filhotes também se detiveram e me olharam, inclinando a cabeça.
Fiquei me lembrando da história de vida que a Senhora Valence tinha me contado. Ash era, desde bebê, uma pantera muito saudável, mas muito teimosa.
Ela era obediente, mas quando cometia um erro, o negava até o final. Se eu não prestava atenção suficiente nela, ela sujava os lençóis de propósito. No dia em que Ahin determinou que ela passasse a dormir no quarto de Evelyn, ela tinha implorado e chorado.
Quando eu tive um resfriado, ela insistiu para ficar comigo durante a noite, a qualquer custo. Como eu estava tão mal que não conseguia comer, ela trouxe muitos punhados de grama do jardim, que havia colhido com a boca, e os empilhou na minha frente no quarto. Como eu sempre comia feno, ela deve ter pensado que a grama serviria também.
Ash recebeu muitas broncas de Meimi por isso. Os jardineiros ficaram em lágrimas pelo jardim arruinado. Esse evento me fez perceber, mais uma vez, que Ash era teimosa como um burro. E essa teimosia também se aplicaria em face de uma espera interminável.
<…Essa tonta…>
Só por vê-la agora, parada na frente do portão principal, pude visualizar o seu um ano e meio de espera, naquele exato local. A indiferença dos guardas que protegiam o portão era outra prova.
Talvez Ash tenha sido quem mais tenha me esperado. Ela não entendia o que estava acontecendo, e não podia se comunicar. Ela não sabia de nada.
Para Ash, era como se alguém que sempre esteve ali tivesse sumido em um instante. Por isso, ela devia não ter aceitado esse fato e teria ficado esperando por mim todos os dias, até que eu retornasse.
Esfregando as lágrimas com as patas dianteiras, comecei a caminhar pesadamente.
Tap. Tap.
Cada vez que a distância diminuía, eu enxergava melhor as costas de Ash, sentada em alerta. Como eu poderia pagar sua sinceridade? Não sabia se deveria pedir desculpas ou dizer obrigado primeiro.
Talvez se eu me prostrar e implorar… Mas Ash não entenderia. A barreira entre humanos e animais impedia que eu explicasse tudo o que aconteceu para ela.
As costas negras estavam muito próximas. A cauda dela estava abaixada. De leve, toquei no traseiro de Ash com minha pata dianteira.
Surpreendida pela aparição repentina, ela girou a cabeça e olhou ao redor. Mas não havia nada atrás dela. Quando ela voltou a olhar para frente, ali estava eu.
<Oi!>
Levantei a pata dianteira em sinal de “sentido!”, fingindo ser uma pantera negra amestrada.
Ash, parada, me encarando, parecia petrificada. Depois de um longo tempo, ela esfregou seu nariz em mim, em vez da testa.
Esse era um sinal de afeição usado entre coelhos. Mas porque uma pantera negra faria isso, se não era uma coelha? Ela pensava que era uma lebre, depois de passar tanto tempo comigo? Esfreguei a testa nela, chorando e rindo ao mesmo tempo.
<Queria poder me comunicar com você.>
Um ano e meio deve ter parecido uma década para uma pantera negra, que tinha uma expectativa de vida menor que a de um homem-besta.
Lágrimas brotaram no segundo em que pensei que Ash partiria antes de mim. Era meu papel viver esperando por ela em meu coração depois disso.
<Eu nunca mais vou desaparecer sem dizer nada. Ficarei do seu lado.>
Abracei Ash por um longo tempo, transmitindo meus sentimentos sinceros.
***
O conselho de anciões.
Se tratava de um grupo de nobres que tinha algum laço de parentesco com a família Grace. A maioria deles já tinha se aposentado de seus deveres políticos.
Ahin os chamava de “a cova dos velhos”, mas na verdade o grupo era muito respeitado na comunidade aristocrática e na sociedade dentro do clã das panteras negras. O impacto de suas opiniões era considerável.
Valence, como atual líder do clã, também tinha que passar pela aprovação – ainda que não oficial – do conselho de anciões toda vez que fazia uma decisão importante sobre o território.
E, no momento, a maior preocupação dos membros do conselho era a sucessão da família Grace. Eles estavam frustrados com o futuro líder do clã, que havia se tornado notório devido a rumores ridículos envolvendo uma coelha.
À medida que os anos se passavam e o momento da sucessão se aproximava, a ansiedade deles crescia. Os membros da família Grace, devido a necessidade de estabelecer um herdeiro, sempre se casavam muito jovens.
Mas, por quê? Ahin já tinha passado por sua segunda cerimônia de maioridade há mais de dois anos e não se ouvia sequer notícias sobre um noivado, que dirá um casamento.
No entanto, eles não ousavam chacoalhar os ombros de Ahin e lhe perguntar o que ele estava esperando. Tudo que podiam fazer era implorar para Valence através de cartas insistentes.
[Meu filho tem um parafuso a menos. Quando a hora chegar, ele vai cuidar disso.]
A resposta, escrita na caligrafia elegante da líder, fez com que os membros do conselho de anciões tivessem um aumento coletivo nas suas pressões sanguíneas.
Em outras palavras, a mãe não estava colocando nenhuma pressão sobre ele em relação ao matrimônio. Por isso, não lhes restou outra opção além de ir falar com ele diretamente.
Rayman, o novo secretário do conselho de anciões que foi escolhido para ir até a mansão Grace desempenhar esse papel, se sentou timidamente no sofá do escritório de Ahin.
Mexendo na xícara de chá, ele olhou ao redor, nervosamente. Ao contrário da fama de lunático que tinha, o local de trabalho de Ahin era organizado e limpo.
O olhar silencioso pousou no jovem Lorde, que estava sentado em sua mesa. A primeira e última vez que Rayman tinha o visto foi no banquete de aniversário, quando ele estava olhando para o bolo no formato de coelho. Olhando mais de perto, Ahin era diferente do que ele tinha imaginado.
As roupas estavam perfeitamente arrumadas, sem uma ruga sequer. Ele estava escrevendo algo com uma expressão de total concentração. Devia ser um documento vital para a sobrevivência do território.
Os olhos vermelhos, frios, se focavam no papel enquanto Rayman os vislumbrava. Como esse homem podia ter os apelidos de “louco”, “fanático por coelhos” e “lorde com um parafuso a menos”?
Enquanto Rayman o encarava, ele sentiu uma presença atrás de si de repente, e se girou apressadamente.
“Você veio em nome do conselho de anciões?”
“Ahhh!!”
Rayman gritou ao perceber o rosto de Evelyn a centímetros do seu.
“Por favor, faça silêncio. O Lorde está trabalhando em um documento muito importante no momento.”
Evelyn deixou Rayman, que pressionava o peito por onde o qual seu coração queria escapar de susto, e se aproximou de Ahin. Só se ouvia o som da caneta percorrendo o papel.
Evelyn espiou o documento. Era um formulário de inscrição para novos alunos da Academia Belhelm.
“…Vou escrever no meu diário que irei junto com meu Lorde.”
“Devo escrever um nome falso?”
“Se não mudar seu rosto, todos saberão quem é o Lorde, de todos os modos. Deixe-me ir no seu lugar, em vez disso.”
“Cala a boca.”
“Sim, meu Lorde.”
Rayman assistiu a conversa entre os dois, que sussurravam algo. Ele ouviu algo sobre manipular identidades. Parecia algo extraordinário. Evelyn continuou sussurrando.
“Não vai me recompensar, meu Lorde?”
“Pelo quê?”
“Pelo sequestro bem sucedido.”
Evelyn sinalizou com as mãos, fingindo carregar uma mochila.
Rayman, que tinha sido certinho a vida inteira, arregalou os olhos vermelhos. Parecia que o secretário estava indicando ter sequestrado uma pessoa. Ahin, sorrindo com o canto da boca, balançou a caneta.
“Vou dobrar seu salário esse ano.”
Rayman estremeceu quando o sorriso refrescante começou a parecer sinistro para ele. Ahin, entregando o formulário preenchido para Evelyn, virou o olhar para Rayman, que parecia estupefato.
“Então, o que quer comigo?”
Percebendo que as palavras eram dirigidas a ele, Rayman saltou do sofá, pondo-se de pé.
“S-sim! Vim discutir o seu casamento, meu Lorde…!”
Ele tapou a própria boca, percebendo que, pelo nervosismo, tinha usado sinceridade demais. O conselho de anciões tinha pedido que ele fosse ali para persuadir o futuro líder a dar uma resposta sobre a questão, mas ele tinha ido direto ao ponto.
“Perdão, mas o Lorde Ahin não tem tempo para discutir assuntos triviais como casamento.”
Evelyn interveio, enquanto Rayman piscava sem entender, pensando no salário dobrado que o secretário tinha acabado de receber. Ele cerrou os punhos, determinado a completar a missão.
“Compreendo que estão atarefados resolvendo as questões pendentes da guerra com o território dos lobos, e sei que os negócios políticos usuais o mantém ocupado. Mas, para o nosso conselho de anciões, o casamento é um assunto que não pode ser adiado. Se insistir nisso, meu Lorde, não teremos opção a não ser marcar uma reunião formal-”
“Perdão outra vez, mas estamos lidando com algo muito mais importante que isso: a Senhorita Coelha.”
“P-perdão… coelha?”
“A coelha que o Lorde recolheu na floresta fronteiriça.”
“…”
Por que eles estavam falando de animais de estimação? Rayman sem entender nada, apertou os lábios. Evelyn balançou o formulário de inscrição que segurava, e falou calmamente.
“O Lorde Ahin estará ocupado perseguindo a Senhorita Coelha.”
Como ele ousava humilhar assim o futuro líder do clã?! Rayman, perante essa traição óbvia, olhou para Ahin, que estava corado e coçando o queixo.
“…Eu sentiria falta de ficar aos pés dela.”
Pela primeira vez em sua vida, Rayman falou um palavrão. Ele sentia que ia desmaiar. Antes que ele tivesse tempo de recuperar os sentidos, uma batida na porta e a voz do cavaleiro do lado de fora anunciaram.
“A Senhorita Coelha está aqui de visita.”
Tradução: Nopa.
Revisão: Holic.