A Relação simbiótica entre uma lebre e uma pantera negra - Capítulo 129
Os ajudantes caminhando em fila indiana para dentro do escritório começaram a se mover em perfeita sincronia. Eles colocaram uma almofada macia em cima da mesa de Ahin e abriram uma janela, diluindo o cheiro pesado de papel e tinta.
Rayman olhou abismado aquelas pessoas, que estavam fazendo mais pompa do que fizeram quando ele próprio foi recebido.
Logo a porta se abriu, e duas panteras negras entraram. Uma bolinha de algodão estava pendurada na cabeça de uma fêmea. Rayman, presenciando animais dentro da mansão, arregalou os olhos.
Ahin, que se levantou e foi pessoalmente buscar Vivi, encarou Ash. Ele sabia que ela tinha colocado toda sua sinceridade em esperar na frente do portão todo esse tempo, e por isso obviamente recebeu um olhar assassino quando tomou a lebre dela.
‘Ela é minha.’
Ahin colocou a língua para fora e voltou para sua mesa.
“Mas, o que é isso?”
Com o dedo esticado, ele tocou o tutu de bailarina que Vivi estava vestindo. Com um tapa, Vivi afastou o dedo profano e se sentou na almofada.
‘É uma mulher-besta lebre…?’
Rayman alternava o olhar entre Ahin, Evelyn e a lebre, com os olhos trêmulos.
“Está voltando depois de passar um tempo com a senhora?”
“Ah, minha mãe deve ter chamado o pintor outra vez.”
A coelha começou a massagear as têmporas com as patas dianteiras, como se estivesse estressada. Rayman não podia acreditar nesse gesto.
A história do jovem mestre estar apaixonado por uma coelha não era falsa. Não apenas a atmosfera fria de Ahin tinha se suavizado, mas ele também estava inclinando todo o corpo, de modo a ficar na altura dos olhos dela e fazer contato visual.
“Vivi, veio aqui para me ver?”
Ahin falou, com uma voz alegre. Vivi ficou aliviada por ter decidido não se humanizar antes de vir, graças ao olhar dele. Se não, todos perceberiam que ela estaria corando como louca em segundos.
Tossindo para disfarçar, a lebre fez uma mímica com as patas dianteiras, fingindo carregar uma mochila nas costas.
“Ah, veio me dizer que vai voltar para a Academia, agora que já falou com minha mãe?”
Assim que acabou de interpretar corretamente, Ahin franziu a testa.
“Você não pode ficar aqui até o começo das férias? Iriam ser poucos dias…”
Tap.
Vivi chutou a boca dele com a pata traseira. Sem palavras, Ahin tentou prosseguir.
“Uma ou outra falta não importa-”
Tap.
“Então eu vou junt-”
Tap. Tap.
Vivi usou sua arma secreta para impedir essas ideias absurdas. Sua pata dianteira apontou com firmeza para a pilha de documentos que estava sobre a mesa. A mensagem era clara – cada um tinha os seus afazeres.
“…Sua coelha maldosa.”
Ahin, se levantando, mostrou seu descontentamento abertamente.
“Então depois que você obteve o que queria de mim, não tem mais interesse…”
Era uma frase que podia ser interpretada de maneiras escandalosas. Vivi girou, em pânico, para ver os rostos dos secretários e do visitante, Rayman. Ela moveu as patas dianteiras, explicando com mímicas.
<O que ele quis dizer é que tem menos de um mês antes das férias de verão, mas ainda assim está choramingando que não quer que eu me vá.>
“Evelyn, diga para o chef que tem um coelho gordo pronto para o abate.”
<Evelyn, diga a ele que está sendo ridículo.>
Os olhares afiados de Vivi e Ahin estavam cravados em Evelyn. Com as mãos nas costas, ele olhava tranquilamente para a janela ensolarada. A briga entre a coelha e o pantera negra era intensa, e ele precisava escolher um lado. Ele contemplou a situação por um tempo.
“Evelyn, nada é mais importante do que saber a que mestre seguir.”
De acordo com a mãe dele, a maneira de sobrevivência de Evelyn era compreender e aprender a se utilizar das estruturas de poder, isto é, seguir quem estivesse por cima. Além disso, os feromônios de dominação de Ahin podiam matar pessoas, enquanto que os feromônios curativos as salvavam. Alguém que poderia salvá-lo numa emergência… ele fechou os olhos e falou devagar.
“Lorde Ahin. Já sabe que a ideia de se matricular na Academia é absurda. E Senhorita Coelha, pode ficar tranquila que este competente Evelyn irá auxiliá-la a retornar para a Academia.”
Evelyn caminhou rapidamente até a almofada e carregou a lebre com ambas as mãos.
“Não pude preparar um presente para comemorar sua matrícula, nem um uniforme… Mas vou compensar encaminhando-os mais tarde por correio.”
Evelyn saiu do escritório, carregando Vivi e tagarelando. Ash olhou para Ahin com um olhar satisfeito e fez um “pffft”, saindo em seguida para seguir Vivi.
Barra foi atrás rapidamente, após lançar um olhar de pena para Ahin, que estava sendo tratado de modo similar ao que ele próprio conhecia muito bem. A porta se fechou com a saída dos animais.
Um silêncio pesado caiu sobre o escritório, onde apenas Ahin, Rayman e os ajudantes permaneceram. O secretário do conselho de anciões instintivamente percebeu que não era boa ideia ficar por ali. Ele abriu a boca para romper o silêncio.
“…Então, já transmiti a palavra do conselho. Com isso, me reti…”
“Calado.”
A única palavra dita fez com que um suor frio escorresse pelas costas de Rayman. Os olhos vermelhos que o encaravam eram completamente diferentes dos que olharam para a lebre. Ahin sorriu para Rayman, que, por reflexo, prendeu a respiração.
“Conseguiu ver como a coelha finalmente abriu o seu coração para mim?”
Rayman, que não conseguia compreender em absoluto, murmurou palavras sem sentido. Na realidade, seria mais correto dizer que o coração dela estava totalmente fechado, só após observar a briga. Ele e os ajudantes ficaram sem reação enquanto Ahin, que parecia um louco, acariciava os próprios caninos.
“Antes, ela relutava em chutar minha boca. Mas agora, o fez como se não importasse.”
“…”
“…Queria que tivesse me chutado mais.”
Louco, louco. Rayman engoliu os palavrões que surgiram em sua cabeça.
“Em resumo, diga a essa cova de velhos que é bom que calem a boca sobre o casamento por enquanto.”
“Isso… eu não…!”
“Ainda é cedo para falar de casamento. Se por culpa de vocês a coelha se sentir pressionada e fugir, fique sabendo que não existirá conselho de anciões nenhum para contar a história, pois matarei a todos.”
“…”
“Se manda.”
Rayman, que deixou o escritório como se tivesse sido chutado para fora, esfregou o rosto com as mãos. Ele não tinha ideia do que iria relatar para o conselho de anciões.
Que o próximo líder era um lunático? Que ele gostava de apanhar? Que ele achava que a lebre era uma deusa?
Seja o que ele dissesse, era óbvio que isso traria uma grande tempestade para o conselho de anciões.
***
Em uma sala de conferências com uma mesa oval, os membros do conselho de anciãos se reuniram, desanimados.
Após escutar o relato do novo secretário, Rayman, eles só podiam chegar a uma conclusão. O artigo de fofocas que tinha saído há quase dois anos, o qual alegava que Ahin Grace estava apaixonado por uma coelha, era verdade.
“…Então foi por isso que me chamaram aqui? Para confirmar se a fofoca era verdadeira?”
Rune com o queixo apoiado na mão, bocejou pesadamente.
“Agradecemos muito por ter vindo aqui, Lorde Manionz. Imploramos que nos conte tudo que sabe. Afinal, o Lorde é o embaixador da aliança com o clã das panteras negras.”
Um dos cavaleiros idosos alisou a barba e abriu um jornal sobre a mesa. Era o mesmo artigo que Rune tinha visto dois anos atrás.
[A coelha, o pantera negra e o leão.]
Um sorriso se formou na boca dele ao ver essa nostálgica manchete. Os olhos de todos na sala ficaram grudados nos dedos de Rune, que dobrava o jornal após ter lido todo o artigo.
“Metade do que está aqui é verdade.”
Rune olhou para os idosos, que cobriam a boca com as mãos, em total choque.
“Então, o que querem saber? É sobre a mulher-besta lebre?”
Eles nem ao menos conseguiram responder, apenas assentindo com a cabeça, ignorando seus modos. Um som de pessoas engolindo em seco ressoou pela sala.
Rune pensou naqueles longos cabelos brancos pela primeira vez em muito tempo.
“Ela é bonita.”
Os olhos lilás claro, uma cor que não existe dentro dos clãs de predadores.
“É corajosa.”
Ela tinha um temperamento forte, o que ele percebia toda vez que a encontrava.
“Também é engraçada.”
As expressões faciais dela ficavam sempre mudando.
“Sem mencionar forte.”
Os feromônios de cura eram uma habilidade que não podia se encontrar com facilidade, ainda que se buscasse todo o continente.
Os membros do conselho, pensando que essa resposta não os ajudava em nada, lançaram olhares impacientes para Rayman.
Sentindo a pergunta implícita de “isso é verdade ou não?”, ele, que só tinha visto uma lebre felpuda, deu de ombros e buscou a melhor resposta.
“O Lord Grace parece gostar muito da coelha.”
Rune, se levantando da cadeira, se dirigiu à porta da sala de conferências.
“Já disse tudo o que sei. Espero que não me chamem novamente.”
Nos olhos dourados preguiçosos, uma energia intensa surgiu. Não importa o quão velhos eles fossem, os membros do conselho sentiram a ameaça velada.
“Ah, e sobre o Lorde Grace… ele é louco, mas não se preocupem. Ficará tudo bem.”
Rune, que estava na porta do salão de conferências, acrescentou antes de sair. O local ficou em total silêncio, como se os membros tivessem recebido um balde de água fria, até que o som dos passos se afastando sumiu por completo.
“…Mesmo que a noiva seja de um clã diferente, no mínimo, deveria ser uma predadora, não acham?”
Os outros anciãos assentiram para a declaração que um deles conseguiu expressar. Clã das lebres e clã das panteras negras. Pensar nisso fazia as cabeças deles latejarem cada vez mais.
Claro, só porque os clãs eram diferentes, isso não causaria nenhum defeito físico ou problemas nos filhos. Mas a razão pela qual o conselho de anciões estava tão dedicado a esse casamento era porque a criança que nascesse dali seria o líder do território das panteras negras no futuro.
Se essa criança fosse descendente de uma mulher-besta lebre… Além da cor dos olhos, única do clã, eles não tinham a menor ideia nem mesmo se a forma original da criança seria de lebre ou pantera.
E se nascesse uma pantera negra com olhos lilás? O líder do clã deles, com a cor dos olhos do clã das lebres… Mas isso ainda seria aceitável.
No entanto, e se a forma original dessa criança fosse uma lebre de olhos vermelhos? Seria impossível designá-la como sucessor.
A chance de nascer uma pantera negra com olhos vermelhos era muito baixa. E ainda havia o problema dos feromônios do clã das lebres, que era notório por ser muito fraco.
Em segredo, os membros do conselho de anciões tinham um preconceito contra herbívoros. O sucessor do clã das panteras negras devia ser mais forte que qualquer outro. Não poderiam aceitar que ele tivesse feromônios de um homem-besta lebre.
Além disso, parecia impossível convencê-los a tomar uma segunda esposa, que pudesse gerar o herdeiro. A própria Valence nunca tinha voltado a se casar, e havia rumores de que Ahin odiava a traição mais do que qualquer outra coisa.
O líder do conselho, fechando os olhos e os abrindo devagar, levantou da cadeira.
“Vamos pedir uma reunião oficial com a líder Valence.”
***
A carruagem dos Manionz, retornando do território das panteras negras, tinha acabado de cruzar a fronteira, entrando no território das lebres. Logo, ela deu uma sacudida e parou por completo.
“O que aconteceu?”
Restin, saltando, perguntou ao cocheiro.
“Sinto muito, mas a roda se soltou de repente. Creio que foi porque passamos por muitas pedras no caminho…”
“Quanto tempo vai levar para que a conserte?”
“Mais ou menos uma hora… irei o mais rápido que puder.”
Rune, assistindo a conversa de dentro da carruagem, saltou para fora.
“Lorde Rune, aonde vai?”
“Ele disse que ia levar uma hora. Vou cochilar em alguma árvore por aqui.”
O clima estava ensolarado, com uma brisa agradável. Quando estava caminhando para a direção das árvores, Rune escutou um grito por trás de si.
“Gyaaaa!”
“O que são esses coelhos? Lorde Rune, Lorde Rune!!”
Restin saltou para dentro da carruagem, assustado.
“Vão embora…! Por favor!”
O ignorando, um bando de coelhos brancos cercaram a carruagem, curiosos. Era a floresta fronteiriça do lado do território das lebres, então era natural que houvesse muitos coelhos. Rindo dele, Rune ignorou tudo e seguiu caminhando para a floresta. Seu cabelo cor-de-rosa voava com a brisa. Seus olhos preguiçosos de repente se tornaram mais vivos. Mesmo depois de tanto tempo, a memória dele ainda estava clara.
Teria Vivi mudado muito? Rune se lembrou de Ahin, que derrotou batalhões inteiros sozinhos durante a disputa com o território dos lobos, e esfregou o pescoço, desconfortável.
Como ela lidaria com esse pantera negra, que agora estava num nível além, uma vez que seus feromônios tinham sido controlados? Além disso, vendo como o conselho de anciões estava investigando-a, parecia que Vivi passaria por mais um outro problema.
Logo, ele voltou a caminhar, sacudindo a cabeça e pensando que não adiantaria se preocupar. Rune seguiu procurando uma árvore boa para dormir, mas de repente parou de caminhar outra vez.
“…Por quanto tempo pretende me seguir?”
Ele olhou para o coelho em seus calcanhares, que tinha o seguido desde a carruagem. Logo, o animalzinho sentou em seu sapato, aquecendo o seu traseiro com o rabinho de algodão no couro no calçado.
Rune se ajoelhou e tocou o queixo do coelho, que não fez nenhuma menção de escapar.
“Você é parecido com ela…”
Logo, o coelho estapeou o dedo de Rune com a pata dianteira e se acomodou na ponta do sapato, começando a cochilar. Rune, nem cogitando afastar o coelho que se parecia com Vivi, ficou ali parado, olhando para o seu sapato.
“Lorde Rune!”
O descanso do coelho branco foi interrompido por Restin, que gritava por Rune.
“Onde o senhor está?!”
Rune alternou o olhar entre o coelho quase adormecido e a direção da carruagem.
“Quer vir comigo? Vou te levar para um lugar mais quentinho.”
Ele carregou o coelho nas mãos, sorrindo.
Tradução: Nopa.
Revisão: Holic.
Lucien
Quer ver q é a vivi de novo kkkkk