A Relação simbiótica entre uma lebre e uma pantera negra - Capítulo 104
Eu mordi os lábios, sem responder nada. Infelizmente, eu já havia retrocedido no sofá tanto como era possível, e não podia me afastar mais.
Em geral, tinha observado que os predadores eram mais belos e tinham físicos mais desenvolvidos que os herbívoros. Quando era jovem, escutei uma das criadas dizer que a razão disso era porque eles usavam sua beleza cativante para atrair as presas. Será verdade?
Me controlei e lamentei não ser possível cavar um túnel por entre as almofadas, em minha forma atual. Olhei para Ahin com olhos trêmulos, pensando que um de meus maiores medos estaria prestes a virar realidade.
Era estranho. Ahin, que ficou tão preocupado com pequenos arranhões nas minhas patas, tinha deixado uma cicatriz enorme em meu pescoço e ainda por cima, queria renová-la…
“Não deixe que o Velho Lillian veja essa marca.”
Na hora, eu não tinha entendido porque o líder do clã das lebres tinha dito aquilo. Mas agora, já que eu sabia que era uma declaração de posse…
Dentro da minha cabeça, uma coelha covarde e uma coelha ousada lutavam uma contra a outra.
“Vivi, sabia que está me lançando um olhar traiçoeiro?”
A vencedora tinha sido a coelha ousada, pelo que parecia.
“Minha cara vai quebrar, se continuar assim.”
Ele cobriu o rosto com as mãos e fingiu estremecer.
Ahin se sentou no sofá, de frente para mim. Sem dizer nada, eu segurei o ombro dele. O peso do olhar que sustentamos era maior do que a tensão do dia em que nos beijamos. O braço firme que ele passou por minha cintura foi um lembrete de que eu não podia fugir.
Por causa do contato, a seda da camisola parecia gelada sob minha pele, mas, estranhamente, minhas extremidades estavam quentes.
“Não desmaie.”
Senti um toque não familiar no pescoço. Os cabelos prateados, que caíram sobre ele, faziam cócegas. Os lábios que ele roçou na região estavam secos e senti como se me queimassem.
Sem fazer nenhum som, apertei o ombro de Ahin com mais força. Meu estômago se revirava com o hálito quente e as presas roçando sobre minha pele, enquanto ele a lambia.
A expectativa de não saber em que momento ele cravaria os dentes em minha pele me deixou sem respirar. Talvez porque a nuca era a parte do corpo com maior concentração de feromônios, a fixação de Ahin com meu pescoço estava deixando minha vista turva.
“Ahin…”
“Sim?”
“…Quando você vai morder…?”
A pergunta que fiz fez com que ele parasse abruptamente de lamber e beijar meu pescoço. Os olhos vermelhos se voltaram para mim. Ahin estava com o rosto vermelho.
“Você realmente achou que eu ia cravar os dentes em você?”
“….Mas você não falou que ia marcar território?”
“Só animais fazem isso. Até mesmo os predadores não mordem a não ser que seja uma situação urgente.”
Agora ele estava falando da cultura dos predadores… Sem nada a responder, apenas olhei para ele, aturdida. Ahin, me olhando de volta, falou.
“Então você estava assim, tão nervosa, porque achou que eu ia te morder… Por acaso pensa que te vejo como comida?”
Quem é que todos os dias trazia livros de receitas e me perguntava que tipo de prato de coelho deveria comer?
Percebendo a loucura de Ahin, sem saber se eu era um território ou uma comida, apenas fiquei ali, com os olhos arregalados. Ele voltou a enterrar o rosto em minha nuca outra vez.
“…Você, realmente…”
Senti a respiração dele em minha pele enquanto ria baixinho. Ahin, esfregando o rosto ali, como um gato, levou os lábios de volta à minha nuca. Ele parou sobre a cicatriz.
“Eu não vou te morder.”
Enquanto eu me estremecia, ele começou a chupar a região, como que para deixar marcas. Ele persistiu, alternando entre beijar o outro lado do pescoço, ir para as costas e voltar para a nuca.
Ele não parou até que minha pele estivesse toda vermelha e ardendo. Depois de fugir para o quarto de vestir, analisei o desastre no espelho de corpo inteiro.
Pela primeira vez, me arrependi de ter resistido e não ter desmaiado. Acho que enlouqueci de vez.
***
No fim das contas, Ahin decidiu que ia pensar na possibilidade de me levar junto ao território dos ursos, deixando a questão suspensa até o fim do banquete de aniversário.
Pensando positivamente, já que ao menos havia uma possibilidade agora, cobri o pescoço vermelho e marcado com meu cabelo.
Como se nada tivesse acontecido, Ahin estava totalmente enrolado no cobertor e enterrado em seu lado da cama. No meio dela, havia “o travesseiro”.
Era a divisão da fronteira. O símbolo de que eu estava proibida de tocá-lo, até mesmo segurar a sua mão. O travesseiro branco, que aparecia toda vez que eu me humanizava, significava uma desconexão. Segundo Ahin, era a defesa dele contra meus hábitos de dormir pervertidos.
“Venha para a cama, Vivi.”
Ahin, ainda de olhos fechados, falou. Saltei para a cama, irritada, e perguntei, numa voz impaciente.
“Qual é o seu problema?”
Os olhos violeta claro brilhavam. Me movendo, rápida como um coelho, agarrei “o travesseiro” e o joguei no chão. E assim, a bola de algodão que tinha nos separado por meses foi derrotada.
A fronteira protetora de Ahin tinha desaparecido em um instante. Ele me olhou, sem expressão. Aproveitando a brecha, enfiei a mão por debaixo do casulo de cobertas, encontrando uma mão calejada pelo uso da espada.
Segurei o dedo polegar dele, me deitando no meu lado da cama sem falar nada e encarando o teto.
Ahin, se mantendo em silêncio, girou o rosto para o outro lado e enterrou a cara no travesseiro que ele estava usando. Julgando pelos ombros trêmulos, ele parecia estar rindo. Era uma reação irritante, mas eu tinha alcançado meu objetivo. Quando Ahin parou de rir, ele girou outra vez e me encarou. A mão que segurava o polegar foi completamente coberta pela mão áspera de Ahin.
“Está satisfeita agora?”
A voz rouca fez cócegas em meu coração. Me virei de lado, para ficar deitada de frente para Ahin. Depois de ter completado o feito, estava um pouco envergonhada, então apenas sorri como resposta. Obtendo a reação contrária, o rosto de Ahin se franziu.
Eu mexi a mão que ele segurava.
“Ahin.”
“Sim?”
“Eu vou curar os seus ataques de feromônios. Confie em mim.”
“Ainda não decidi se você vai para o território dos ursos.”
Ahin sorriu inocentemente, curvando os olhos como meias-luas.
“Quando você me olha assim, tenho vontade de destroçar seu pescoço de novo. Que curioso, não?”
Ele é maluco. Tentei puxar minha mão de volta, mas sob a força que ele exercia, não consegui movê-la nem um centímetro.
Ahin puxou o cobertor, cobrindo nós dois completamente, inclusive a cabeça, ainda sem mostrar sinais de que me soltaria. Pisquei quando me vi debaixo do cobertor com ele.
“O que foi, de repente?”
“Os Labians. Saiu uma determinação da família Amon revogando o seu status como nobres.”
“…”
“Eles investigaram e o líder do clã ficou chocado com a quantidade de crimes que eles tinham cometido. Ah, mas você nunca foi registrada como parte da família, então não será afetada pelas sanções. Ele também me prometeu que vai fingir que não sabe de nada sobre você.”
Eu não senti necessidade de responder. No entanto, sentia algo complicado, que não podia ser dito casualmente. Um silêncio caiu, apesar de não ser particularmente constrangedor. Enquanto eu ainda pensava, Ahin explicou.
“Se esconder debaixo de um cobertor faz a dor ir embora.”
“…Quê?”
“Meu pai me ensinou isso quando eu era jovem.”
Ainda sem conseguir responder, tentei ver a expressão de Ahin. No entanto, com ambas nossas cabeças debaixo do cobertor, estava escuro demais para discernir.
“Só por hoje, vou te emprestar meu esconderijo.”
Até então, mesmo tendo ouvido a notícia sobre os Labians, eu estava bem, mas ao escutar isso, fiquei com vontade de chorar. Mordi os lábios.
Ahin sempre dormia enrolado no cobertor, mas agora eu tinha descoberto que não era porque ele era sensível ao frio. Era um hábito que ele tinha desenvolvido desde a infância.
Desde que o pai dele tinha morrido, quantas vezes Ahin devia ter ficado escondido debaixo das cobertas, especialmente depois dos 15 anos, quando começaram os seus ataques de feromônios?
Fechei meus olhos sem dizer nada, quando, de repente, percebi qual presente de aniversário eu queria dar para ele.
Era difícil respirar debaixo do cobertor, mas a grande mão que apertava a minha me reconfortava.
***
No dia do banquete de aniversário, como era de se esperar, Ahin começou a ser preparado por servos e criados desde de manhã cedo. Mal tinha amanhecido e Evelyn havia dito que estavam sem tempo e desaparecido com ele.
Meimi franziu a testa quando viu as marcas em meu pescoço. Sem dizer nada, ela colocou ataduras e preparou uma capa para que eu o cobrisse, enquanto eu rolava na cama de vergonha. Logo depois, escutei o frio comentário de que não deveria rolar como fazia como coelha, estando na forma humana.
Mal tendo conseguido erguer a cara de vergonha, o dia passou rapidamente e chegou a hora do banquete.
Saí do quarto escondida para preparar o presente de Ahin. Não era mais um problema lidar com feromônios alheios, mas eu não queria correr o risco de encontrar com outros predadores. Por isso, esperei até um horário no qual julguei que todos deveriam estar no salão de banquetes.
Me grudando na parede, caminhei por corredores desertos de propósito. Ash, que estava me imitando, andava grudada na parede também.
Prendendo a respiração, coloquei a cabeça por uma esquina devagar, para checar se a barra estava limpa. Meimi, Ash e Barra, escondidos atrás da esquina, me imitaram, colocando as cabeças para fora também.
“O que é aquilo?”
O lugar onde estávamos era longe do salão de banquetes, e não deveria ter ninguém ali. Mas, no meio do chão, tinha uma trouxa cor de laranja. Apontei para a raposa deitada no meio do corredor.
“Meimi, aquilo é uma mulher-besta, verdade?”
Meimi, sem acrescentar nada, assentiu. Afinal, seria estranho uma raposa selvagem estar no meio da mansão. Seria mais plausível que fosse um dos convidados do banquete.
“Não podemos deixar essa pessoa assim…”
“Deixe comigo, Senhorita.”
“Quê?”
“Se essa pessoa é uma convidada, como criada da casa Grace, tenho o dever de cuidar dela e levá-la à enfermaria.”
Meimi caminhou na direção do animal, com determinação. Eu já tinha o bastante para lidar com panteras negras, e dessa vez se tratava de uma raposa… não a segui porque essa espécie era o inimigo natural dos coelhos.
Sentindo calafrios apesar da minha capa e chapéu, observei Meimi, com medo de que ela estivesse em perigo. Caminhando rapidamente, ela parou a 3 passos da raposa.
‘Como será que ela vai verificar a condição dessa pessoa?’
Enquanto eu pensava em quão confiável era minha criada, ela falou, em um tom de voz sério.
“Com licença, senhora?”
Tradução: Nopa.
Revisão: Holic.
Lucien
Eitaaaa q esse cap foi quente 🔥🔥