Não é seu filho - Capítulo 76
Kalia usou sua língua para umedecer seus lábios secos.
Os olhos dourados que a encaravam moveram-se.
O olhar alcançou seu lábio inferior, que estava molhado de saliva e brilhava.
— Ah, isso é um sentimento perverso.
Kalia encolheu seus dedos do pé, sentindo-se em apuros.
Sua mão ainda estava sendo segurada por Sheyman.
Ela deveria conseguir soltá-la sem esforço, mas era estranho que ela não conseguia puxar sua mão de modo algum.
O que a salvou desta situação difícil…
Ding Ding Ding Ding
Era o som de um pássaro puro que não combinava com o local.
Os olhos de Sheyman e Kalia se voltaram para o espaço vazio em frente ao terraço, ao mesmo tempo.
Naquele momento, um portal mágico se abriu com uma luz deslumbrante no ar.
***
— …Você voltou rápido. Bem que disse que voltaria e ainda trouxe uma animada companhia.
— Eles ousaram me seguir.
Kalia olhou as três fadas atrás dele, um pouco cansada.
Eles eram altos e tinham um ar único.
Suas orelhas eram pontudas, e eram tão neutras que não podia-se dizer se eram homens ou mulheres.
Olhando a energia emitida era incomum, pareciam ser fadas maiores.
Mas as três fadas olhavam a Kalia com uma expressão estranha. Para ser específica, aquele com a expressão estranha era o que tinha cabelo branco e preto. Talvez ele era naturalmente expressivo, mas não conseguia tirar os olhos de Kalia e ficou boquiaberto.
— Não, não mesmo… Isso é estranho.
Ela não conseguia entender o que ele estava murmurando para si mesmo.
“Por que está fazendo isso?”
Kalia o encarou e fez contato visual com a fada que a olhava, a fada mais alta e com o olhar mais calmo ao seu lado.
Não, as palavras “olhar mais calmo” devem ser corrigidas.
Ele a estava olhando com um olhar mais assustador.
Seus olhos estreitos pareciam hostis, se ela não enxergou errado.
“O que há de errado com ele?”
Kalia olhou Shasha nos olhos com ele em seus braços.
Então, os olhos verde-escuro da fada de cabelo preto estremeceram.
Seus lábios mexeram como se quisesse dizer algo.
Foi Sheyman que interrompeu o momento.
— Não é que eu não acredite no rei, mas eu gostaria que você me apresentasse às pessoas atrás de você, com os olhos expressivos.
Sheyman se adiantou, como se para ficar na frente de Kalia e Shasha.
Kalekshia, que ergueu sua sobrancelha levemente para Sheyman, sorriu em silêncio.
Ele é arrogante, mas fofo. Ele parece ridículo, mas bem confiável.
Kalekshia trouxe seus três filhos, que estavam impressionados e não diziam nada.
— Anciãos e guardiã que protegem a floresta. E crianças conectadas ao meu sangue.
Eles eram filhos do Rei das Fadas.
Para os humanos, as quatros fadas aqui eram da realeza. Por qual motivo, essas fadas nobres vem aqui todo dia?
Kalia concordou, incapaz de pensar em uma razão.
E ela não encontrou a pessoa que deveria ver a muito tempo.
— Mas a Gaia…
Quando Kalia falou o nome de Gaia, as três fadas pareciam surpresas.
Kalekshia falou com um sorriso amargo:
— Gaia está em estado dormente. Naquele dia, em que você deu a luz para este bebê, ela lhe deu muita força.
— Dormente… Não acredito que ela me deu toda a sua energia e adormeceu!
Kalia estava um pouco surpresa e perguntou em seguida:
— Você está em condições ruins? Você definitivamente me ajudou aquele dia. Então, a Gaia não deveria estar bem?
— A criança não é uma alma completa, então, mesmo que ela se esforce um pouquinho, os pedaços coletados se dispersarão. Parece que o que permaneceu, foi forçado de volta, para dentro do bracelete que está usando.
Kalia levantou o bracelete que estava em seu pulso.
Os três irmãos estreitaram seus olhos e soltaram um grunhido.
— O bracelete do espírito ancestral Amuntia.
Kalekshia esteve procurando por anos para encontrá-lo.
Mas aquela coisa preciosa estava no pulso dela.
Mesmo quando os três irmãos ouviram que o espírito de Gaia estava ali, seus olhares ficaram sombrios.
— Se ela se recuperar, Gaia provavelmente se tornará o espírito que habita o bracelete. Mas isso tem suas vantagens. Ela pode ir livremente para onde o bracelete for.
Gaia tinha pouca substância pois era uma alma fragmentada.
Não seria ruim ser o espírito do bracelete.
Pelo menos até ele ser destruído, ela terá liberdade baseada em restrições.
— Gaia voltará dando o devido tempo. Bem, mais importante do que isso… Não deveríamos ganhar um presente?
— Não.
Quando ele tocou em sua mão, o portal mágico se abriu como quando os trouxe.
Um grande carrinho de flores passou pela entrada de luz.
Tinha algo incomum empilhado no carrinho.
O quarto do bebê, nem pequeno nem grande, ficou cheio de carrinhos e fadas.
Por sorte, Hemming e a babá foram mandadas para fora, mas se elas estivessem ali, não teriam lugar nem para sentar.
Kalia olhou com admiração o carrinho que ocupava o centro do quarto.
O seu tamanho era imenso, mas a energia heterogênea sentida nele era incomum.
— O que é tudo isso?
— Eu te disse. É um presente.
— Não, eu quero dizer… Isso tudo é um presente? Que presente?
— É para você e o bebê.
Os olhos de Kalia ficaram confusos.
Ela apertou seu abraço em Shasha e olhou para o Rei das Fadas.
— Eu não sei porque eu e este bebê deveríamos receber presentes de você.
— Verdade? Você realmente não sabe?
Ela olhou para o rei com olhos trêmulos que não respondiam.
Ele sorriu em silêncio e aproximou-se de Kalia.
O toque áspero do rei tocou as bochechas da mãe e do filho, que o olhavam como se não soubessem de nada.
Como se reagisse a isso, seus pequenos lábios fizeram um adorável bico.
— Você realmente não sabe que seu bebê pode aceitar meu sangue?
Foi um feitiço para parentes de sangue.
Somente aqueles que herdam o mesmo sangue podiam aceitar tal feitiço.
— Você realmente não sabe por que Gaia, que tinha a memória incompleta, tentou desesperadamente te proteger?
Kalia respirou fundo.
O rei estava perguntando justo sobre aquilo que ela não queria pensar.
O interior de seu coração estava quente, mas, estranhamente, seu corpo tremia como se estivesse com frio.
Conforme seus dedos foram ficando gélidos, Kalia não teve escolha a não ser agarrar com mais força a manta envolvendo Shasha.
— Na primeira vez que te vi, fiquei bem surpreso.
Kalekshia falou, olhando carinhosamente para o rosto de Kalia.
— A teimosia em fechar a boca, as fofas olheiras de urso que se dobram ao sorrir, e a sua silhueta que se parecem tanto com a minha filha mais nova.
À princípio, a profunda tristeza se derreteu misturada à afeição em sua voz.
— Não, não nos parecemos de jeito algum.
Kalia negou com a cabeça veemente, pensando em Gaia.
Apesar de a cor do cabelo e dos olhos serem parecidos, a aparência de Gaia e Kalia eram diferentes uma da outra para servir como prova.
Kalia tinha lábios grossos e nariz fino, mas Gaia tinha uma aparência mais arredondada, tipo um filhotinho.
Mas o rei sorriu levemente e olhou para seus filhos.
— O que acham?
Todos os irmãos não conseguiam dizer nada. As palavras “similar” ou “parecida” eram diferentes.
Um olhou para o chão, outro, para Kalia, com olhos fixos, e o último, olhou para o canto de seu punho.
Apesar de não haver nada a dizer, Kalia ficou com vergonha de suas reações.
— Podem negar. É bem provável. Não, como você disse, nós não nos parecemos. Talvez eu esteja imaginando as coisas.
Seu coração batia com ansiedade.
Um alto rugido estava começando em seu coração.
Ele sorriu carinhosamente e olhou Kalia nos olhos.
Era um olhar firme, sem dúvidas.
— Eu sou um pai patético que nem sequer reconhece sua falecida filha. Mas se eu perder os traços da criança na minha frente agora, eu acho que serei um pai tolo que não conseguiria mais erguer sua cabeça. Por isso…
Ele parou por um momento para recuperar o fôlego.
— …Que não posso te perder.
O sussurro carinhoso do rei fez Kalia chorar.
— Você é um resquício da Gaia.
Resquício…? É isso?
É o único resquício que sobrou daquela criança.
O rei, que colocou o polegar entre suas sobrancelhas franzidas, falou de novo:
— É o único legado da criança que se foi. Não, um tesouro.
— …É um tesouro.
— Que eu quero proteger mesmo que ela tenha falecido.
Kalia mordeu seu lábio inferior com força.
O ar frio subiu por sua medula e logo alcançou seus lábios.
Ela tentou parar o tremor com força, mas não era fácil.
O calor da mão do Rei das Fadas tocou os olhos de Kalia.
Sua mão esfregou seus olhos.
Só haveria um arrependimento.
Kalia olhou para Shasha, que segurava em seus braços.
Se Kalia morresse desse jeito, Shasha seria seu único arrependimento e não conseguiria morrer em paz.
— É neste ponto que sou igual a Gaia…
Gaia falou que não sabia porque se separou de Kalia.
Porém, ela só insistiu nisso.
Mesmo que não lembrasse, a sua alma deve ter reconhecido a Kalia.
É a vida pela qual derramou seu sangue e dividiu sua alma…
As famílias das fadas mostravam grande obsessão e afeição por seus consanguíneos, eram mais sensíveis.
— Me perdoe por dizer isso só agora, mas… Você cresceu excepcionalmente.
A luz do sol perfurou seus olhos.
Kalia os fechou com força.
“A filha da minha filha, minha neta.”
Ondas atacavam seu coração, em seu peito.
Lágrimas quentes escorriam, enquanto ela esfregava seus olhos avermelhados.
Tradução: Kaon.
Revisão: Michi.