A Relação simbiótica entre uma lebre e uma pantera negra - Capítulo 85
Mesmo tendo passado um tempo, minha vergonha não diminuía.
<Argh!>
Enquanto rolava sobre a mesa, acabei trombando com uma garrafa de tinta. No mesmo momento, senti a tinta negra, que tinha transbordado devido ao choque, voando para fora. Percebi que meu pelo deveria ter ficado parecendo um tabuleiro de xadrez, preto e branco. Ahin olhou o que tinha acontecido.
“…Quer virar um coelho malhado?”
<É claro que não!>
No entanto, como a culpa era minha, me fingi de morta, deitada na frente da garrafa.
“Então sabe que fez algo de errado?”
Ele estava claramente rindo da minha cara. Ahin, batendo na mesa levemente com o dedo, sussurrou.
“Se estiver viva, levante a pata traseira.”
Suspirei e levantei levemente o pé.
“Alguém tem que lavar o seu corpo.”
Ahin estirou a mão para pegar o sino que era usado para chamar os criados, mas parou no meio do caminho. Depois de olhar alternadamente para o sino e a porta, ele se levantou, sem chamar ninguém.
“…Espere um minuto.”
Ele então entrou no banheiro que ficava dentro do escritório. Escutei o som de água corrente e logo Ahin voltou com um pano molhado.
“Eu te limparei.”
<….!!>
De jeito nenhum! Essa besta selvagem queria limpar meu corpo!? Pensei em saltar, mas a mesa era alta demais. Corri para o outro extremo do móvel.
“Você não quer?”
<Claro que não!>
Minha pata dianteira cortou o ar enquanto eu batia na mesa. Depois de ver o olhar intenso de Ahin, engoli em seco.
“Meu servo, Yuan, já se retirou por hoje. A questão do pelo de Vivi só pode ser resolvida por mim, e mais ninguém.”
<Do que está falando?>
Ahin parecia extremamente confiante, apesar de suas palavras não fazerem o menor sentido.
“Você não vai querer acordar Meimi só por isso, verdade?”
Eram apenas desculpas, o plano de um predador. Meu coração disparou enquanto tentava pensar em uma maneira de escapar. Ahin começou a me arrastar pelas patas traseiras.
“Pode deixar comigo.”
Ele falou com a seriedade de um médico para um paciente antes de uma cirurgia. Resignada, me deixei ser arrastada. Satisfeito, ele riu baixinho.
Ahin começou passando o tecido molhado em minhas preciosas patas dianteiras. Era estranho ver aquelas mãos enormes esfregando minhas patinhas. Ele agia como se fossem de vidro, com tanta delicadeza que fiquei constrangida.
“Hoje…”
Ahin começou a falar, preenchendo o silêncio.
“Você estava lendo um livro que se chamava ‘Como domar bestas carnívoras’?”
O toque cuidadoso continuou, e me senti envergonhada. Uma coelha que nem mesmo organiza os próprios livros após usar a biblioteca…
“Admiro seu esforço, mas pode jogar o livro fora.”
<Por quê?>
Ahin agora estava esfregando gentilmente minhas bochechas com o pano úmido. Era um toque desajeitado que me fazia erguer as sobrancelhas.
“É errado escreverem uma obra que incita os outros a criarem rebeliões. Se quem ler não souber fazer direito, pode acabar morrendo.”
Que história é essa? Sentindo que estava sendo enganada, mexi os bigodes.
“Você viu que o autor é um homem-besta bode?”
Tendo limpado todo o meu rosto, a mão de Ahin passou para as minhas costas, mas minha cabeça estava quase explodindo ao ter todo meu corpo esfregado. Enquanto eu me petrificava, Ahin murmurou como se estivesse curioso.
“Qual será a definição de rebelião para um coelho?”
<A definição de rebelião…>
Apontei para Ahin, o que era uma resposta clara. A existência dele em si era uma rebelião. Ele piscou para minha pata estendida.
“Eu sou a definição de rebelião?”
Essa pergunta eu não queria responder duas vezes. Quando fiquei quieta, Ahin se focou em limpar minha nuca. O toque dele na parte de trás do meu pescoço foi especialmente macio e persistente. Após terminar, ele abaixou o lenço enegrecido.
<A tinta saiu toda?>
Me girei, mas pensei que só conseguiria saber olhando em um espelho.
“Está bem, você está limpa.”
Ahin apagou a lamparina em sua mesa. A escuridão caiu. Ele dobrou os braços sob a mesa e deitou a cabeça neles, olhando para mim.
“Eu sou uma besta carnívora, também.”
<Isso não é novidade.>
Havia necessidade de enfatizar? As presas que apareciam entre os lábios de Ahin deixavam claro que ele era uma pantera negra a cada segundo. Então, para que dizer o óbvio? Sentada na mesa, olhei para Ahin com os olhos estreitados. Ele apertou meu nariz como se estivesse frustrado pela minha reação.
“Eu sou uma besta também.”
<E daí?>
“Você pode me domar, então não tenha mais encontros secretos com o leão.”
Estremeci perante essa frase inesperada. Como pensei, Quinn não conseguiu ficar de boca fechada. Sem saber para onde olhar, preguei os olhos no chão. Toda vez que Ahin falava de Rune, ele demonstrava emoções fortes em seus olhos. A expressão que ele fez quando revelou que sabia quase todos os meus segredos foi muito parecida. Um olhar frio que não me dava muitas expectativas.
<Isso…>
Eu nem sou próxima de Rune, em primeiro lugar. Além disso, sabendo que ele tinha sentimentos por mim, seria difícil para mim encará-lo de novo.
<Não vou me encontrar com ele.>
Por que ele estava tão sensível? À medida que os dias passavam, estava ficando cada vez mais difícil tratar Ahin naturalmente. Me aproximei do rosto dele e alisei de leve a sua bochecha. Era uma maneira de responder que eu não faria aquilo.
Em algum momento, parei de escutar minha própria respiração. Não sabia se ela tinha parado ou era Ahin que não estava mais respirando. De repente, ele girou a cabeça para o outro lado e a desabou, do nada. Tendo perdido o meu ponto de apoio, cambaleei.
<Eu tive que juntar toda a minha coragem para isso!>
Não podia desistir no meio do caminho agora. Enrolei as mangas e corri para o outro lado da cabeça. No entanto, após checar o rosto dele, não consegui cumprir minha determinação original de chutá-lo com a pata traseira dessa vez.
Porque Ahin, com as orelhas avermelhadas, estava sorrindo de uma maneira muito pura. Meus pelos se arrepiaram ao ver isso. Eu juro, essa besta nunca poderá ser domada por mim. Porque, antes disso, vou acabar morrendo do coração.
***
O vento estava esfriando cada vez mais. A Mansão Coelho, que tinha o teto aberto, foi removida do jardim e agora ficava no escritório da Senhora Valence. Dentro da Mansão, me sentei em uma xícara aquecida e olhei para cima. Talvez a Senhora Valence seja uma grande inventora. Uma xícara aquecida para que eu pudesse ficar confortável… era um presente dela, para se desculpar pela “confusão com a troca das cartas”.
<De que carta ela está falando?>
Talvez tenha algo a ver com o dia no qual deixei a mansão Grace para seguir Ahin. Pensando que não importava muito, relaxei dentro da xícara quentinha.
“Bebê.”
Através do teto aberto apareceu o lindo rosto de Valence.
“Você tem umas manchas novas no pelo.”
Ela estava apontando para os pontos pretos de tinta em meu corpo. Mais uma vez, fiquei brava. Ahin, que tinha alegado que era muito bom limpando, tinha deixado uma confusão. Meimi disse que iria eliminá-las, mas já tinham passado alguns dias e nada. Talvez passasse um bom tempo até que eu voltasse a ser toda branca…
“Você está uma graça sujinha assim.”
Valence, falando algo que eu não sabia se era um elogio ou um insulto, tocou as manchas de tinta. Então, segurando a asa da xícara, me ergueu no ar.
“Quero te fazer uma proposta.”
Com um sorriso largo, a Senhora Valence se sentou no sofá, com a xícara na mão.
“Estou pensando em arrumar um tutor para você no futuro.”
<Um tutor?>
“Para te ensinar a controlar seus feromônios e outras habilidades básicas. Não quero que obtenha informações de pessoas aleatórias, como da última vez. Bem, seu período como trabalhadora de estábulo não foi nada mal, também.”
Ficando em pé na xícara, fiquei de queixo caído. Considerando que a Senhora Valence era mais poderosa que Ahin, não achei estranho que ela soubesse que eu era uma mulher-besta. Mas queria me apresentar melhor perante ela na forma humana. Ela pareceu ter me visto usando as roupas de Lile, de alguma maneira.
<Ah…>
A Senhora Valance, tão forte e gentil, sempre foi alguém que eu admirei. Fiquei muito chateada em saber que a minha primeira impressão na forma humana foi quando eu estava toda descabelada e com botas de estábulo. Meus sentimentos foram expressados por minhas orelhas, que decaíram.
“Oh, céus, o que eu fiz para te deixar triste!?”
Com um olhar preocupado, ela rapidamente me retirou da xícara.
“Se não quer um tutor, eu cancelo a ideia! Era só uma sugestão, se não gostou, não precisa…”
A voz gentil dela estava bem próxima. Eu não queria me negar, então me endireitei e sacudi a pata.
“Ah, eu não te entendo… Queria ter um tradutor de linguagem dos coelhos de prontidão…”
“…Perdão por interromper, mas acredito que a Senhorita Coelha está desapontada porque queria que a Senhora a visse apenas quando estivesse em sua melhor aparência.”
Meimi, que estava na entrada, falou calmamente. Eu e Valence giramos a cabeça na direção dela no mesmo momento.
“O que Meimi falou é verdade?”
<Ela acertou cada vírgula.>
Surpresa, assenti. No início, ficava frustrada quando ela não entendia meus gestos, mas agora, ela era profissional. Mais uma vez me espantei com o quão capaz era a criada que Ahin tinha designado para mim.
“Oh, céus, estava preocupada com isso!? Bebê, não me importa a sua aparência.”
Senti um hálito suave sobre minha cabeça enquanto Valence me segurava.
“Você é a minha companheira que sempre está comigo nos meus chás da tarde solitários.”
Ela afagou meu queixo, com um olhar carinhoso.
“Queria chamar como tutor alguém que você vá gostar. Pessoalmente, recomendaria a Senhora Leila, uma mulher-besta girafa, mas… Hmm…”
Valence, me colocando se volta na xícara, hesitou.
“O meu sogro, Lillian, escutou as notícias e disse que, enquanto estiver na mansão, quer ser o seu tutor ele próprio.”
<O vovô…?>
Meus olhos começaram a tremer com a visão dos olhos afiados e a barba longa.
“Ele é o diretor da Academia Belhelm, então é muito capaz. Mas pode ser difícil para você aceitá-lo. Por isso, falei para ele esperar. O que você acha?”
Na verdade, Lillian Grace podia ser a pessoa mais difícil com quem lidei até agora em minha vida. Conflitada, encostei o queixo na borda da xícara.
“Acho que meu neto precisa ficar perto de você o tempo todo.”
“Vá perguntar ao velho Lillian. Provavelmente te dará uma resposta melhor do que eu jamais poderia.”
Eu não tinha opção. O medo era grande, mas talvez ele pudesse me ensinar o que eu mais queria saber. Tomei minha decisão rapidamente.
Tradução: Nopa.
Revisão: Holic.