Não é seu filho - Capítulo 58
Allen o olhou com a testa franzida.
Ele não conseguia entender porque Sheyman estava tão hostil com ele.
Sheyman sorriu e recostou-se relaxadamente.
Por dentro, seu coração havia se rasgado em milhares, não, em centenas de milhares de pedacinhos e seu nervosismo aumentava a cada segundo que passava, mas não mostrou nenhum sinal externo de seu estado emocional interno. Seus olhos dourados olhavam inabaláveis o oponente, como um rei arrogante. O jeito como seus olhos dourados brilhavam na escuridão sombria e triste era grotesco e lindo.
Mas o engraçado é que, com o passar do tempo, o outro lado parecia mais nervoso que ele. Os dois estavam ansiosos e impacientes e não conseguiam esconder seu nervosismo. Especialmente o homem de cabelo preto que se apresentou como Allen.
“…Ele parecia muito meigo. Se eu tocá-la, ela quebrará. Se ela cair, se machucará. Os olhos dele diziam praticamente isso, enquanto ele segurava a mão dela, como se segurasse algo muito precioso. Eles eram um casal bonito.”
Era, definitivamente, este cara.
O homem de cabelo preto.
O mesmo que segurou a mão da Kalia carinhosamente.
“Quem raios é você? Se fosse conhecido da Kalia antes, então eu não saberia.”
Sheyman encarou a mão de Allen, semicerrando os olhos e cerrando o punho.
Um calafrio permaneceu em seus olhos estreitos.
Com uma única palavra, poderia remover aquela mão. Não, ele nem precisaria de uma encantação. Se Sheyman estivesse determinado, ele poderia fazer a mão desaparecer como se nunca tivesse existido. Na verdade, além da mão, ele poderia fazer a pessoa toda desaparecer sem deixar rastros. O desejo de fazê-lo queimava feito louco, mas ele se esforçou para suprimi-lo. Se era uma pessoa envolvida ou relacionada a Kalia, não podia matá-la.
Afinal…
Era uma horrível suposição, mas se ele for quem ela ama, Sheyman não poderia fazer nada com ele agora.
“Estou com medo que Kalia fique triste?”
Sheyman zombou de si mesmo.
Não era assim.
Era porque não há necessidade de matá-lo nesta situação em que é óbvio que ele o fez. Se houver uma situação em que precise se livrar dele, ele seria eliminado de forma organizada e eficaz, sem que ninguém conseguisse conectar isso à Sheyman. De modo que o sumiço dele da vida de Kalia ocorreria bem naturalmente…
Mas tudo ainda está incerto, então Sheyman suprimiu sua fervente inveja com desesperada paciência. A Kalia que conhecia não era de se apaixonar facilmente. Mesmo que se apaixonasse, ela não era capaz de abandonar o Príncipe Herdeiro ou sua posição e fugir. Então deve haver uma reação para Kalia vir para tão distante e ficar com esse homem.
Aham… Deve haver um motivo.
Foi então.
Hemming, que estava silenciosamente imersa em seus pensamentos, abriu a boca:
— Tenho algo que quero lhe perguntar.
A voz de Hemming estava tremendo, mas o medo em seus olhos sumiram ao olhar para ele.
Sheyman respondeu em uma voz relaxada:
— Pergunte.
Mordendo com força seus lábios ressecados, Hemming limpou a garganta para estabilizar sua voz trêmula.
— Ouvi que a Senhorita lhe escreveu uma carta, dizendo que definitivamente voltaria para você. Então… por que procura tanto pela Senhorita?
Sheyman deu um olhar para Hemming, como se perguntasse porque ela estava perguntando isso a ele. Mas esta era uma questão muito importante para ela.
Continuando a viagem na linha de memória da Hemming de antes, seu desejo por vingança daquele tempo se dissipou com a morte do lorde e a ruína da família dele. O que ficou no lugar foi a deslumbrante costas de uma certa “cavaleira plebeia” que viu. Essa imagem ficou marcada em sua mente. Ela não foi abalada pelo nobre arrogante, e sua firmeza e confiança que permaneceram imperturbáveis apesar da fofoca que a diminuía e tentava enfraquecê-la. Seu senso de justiça que salvou as pessoas que foram roubadas e extorquidas. Até mesmo sua força em ser capaz de facilmente suportar o ódio, ressentimento, inveja e raiva dirigidos à ela… Tudo isso fascina Hemming.
Naquele dia, Hemming arrumou todas as suas posses retornadas, foi para a Capital e imediatamente fez a aplicação para a admissão na Academia Militar.
Hemming tinha apenas 15 anos na época. Na verdade, aquela idade já era meio tarde para entrar na Academia, mas não importava. Afinal, não havia para onde Hemming recuar. Do contrário, como ela perdeu a família e toda sua esperança, ela precisava de algo a que se apegar.
Para sorte dela, as academias militares eram mais tolerantes da classe social do que as academias de magia e administrativa. Isso permitiu que a admissão de Hemming na academia fosse relativamente fácil.
Como resultado de seu esforço através de três anos, ela foi capaz de sempre manter as melhores notas do ano, com exceção do seu primeiro ano. Graças a isso, ela se qualificou para aplicar para ser um escudeiro de cavalheiro e, um dia, um milagre aconteceu.
— Parabéns pela sua nomeação como escudeira da General Kalia.
Todo ano, somente os 10 melhores estudantes tinham o direito de serem escolhidos como escudeiros, através de sorteio. Mas logo antes dele, ela conseguiu um bilhete do sorteio só porque o estudante na posição superior a ela saiu da academia.
“Ai meu Deus.”
Hemming berrou a noite inteira. Ela não sabia o porquê, mas, naquele dia, ela chorou pela primeira vez em três anos.
Talvez aquele dia tenha sido o destino… (Para evitar que os candidatos a escudeiros se acumulem em um cavaleiro específico, a seleção de escudeiros era feita sorteando os nomes.)
Ela acreditava que sua família estava a ajudando dos céus. Lembrando de sua mãe, pai e irmãos que esquecera, ela chorou seu coração naquela noite e foi cumprimentar Kalia pela primeira vez no dia seguinte com olhos inchados.
Sim, a praga pode ser atribuída a um destino cruel. Mas foi o lorde e seu filho que levaram a sua família à morte e roubaram Hemming de toda esperança e felicidade. Definitivamente, foi Kalia que a salvou naquele dia. Então, para Hemming, Kalia era sua graça salvadora.
Se ela não tivesse passado por ali naquele dia, não, se ela tivesse ignorado os horrores que aconteciam, Hemming teria caído em uma maior miséria e depravação. Ela tinha certeza que continuaria limpando o castelo do nobre que matou sua família, só para sobreviver.
“Mas esse futuro não se realizou. Se não fosse por você, eu não estaria onde estou hoje.”
Kalia era, obviamente, uma pessoa forte, mas ela também era uma pessoa cheia de deficiências.
“Então, está certo eu viver pela Senhorita agora. Tenho que ser sua força.”
Crescendo em pobreza, foi apenas depois que a tragédia aconteceu e ela entrou na academia que ela empunhou a espada pela primeira vez.
“Não… Definitivamente serei sua força.”
Por exemplo, coisas naturais como ser amada por alguém ou estar apaixonada ou coisas óbvias como a importância do carinho de uma mãe e de um pai com seu filho. Claro, se o pai for um lixo, então seu carinho era melhor que o dele.
Neste caso, Hemming tomou sua decisão tempos atrás. Ela não seria as mãos e os pés de Kalia. Kalia era uma pessoa ativa de qualquer forma, então ela não precisa de ninguém agindo como as suas mãos e pés. Então, depois de pensar um pouco, Hemming decidiu que seria melhor ser uma parte que Kalia não tinha. Ser flexível de acordo com a situação ou… tendo culhões! Hemming encarou resolvida o Sheyman em sua frente, seus olhos brilhando com determinação.
Um homem que poderia ser o pai de Shasha.
Isso, por si só, era de grande importância, mas tinha algo ainda mais importante que isso.
“Sheyman era alguém que estimava a Senhorita, mesmo depois que ela virar mãe, mais que qualquer um no mundo?”
Ela queria saber se ele era um homem que amaria a Senhorita não importasse o quê.
E parecia que ela estava prestes a descobrir.
Hemming sabia o quão assustadora a pessoa era, encarando ela como se ele fosse devorá-la. O homem conseguiria ouvir a resposta que procurava de várias maneiras, sem ter que esperar que Hemming abra a boca, se ele quisesse. Não tem como alguém, com o título de Arquimago não saberia magia de manipulação mental. O fato de que ele não a usa era ele tentando respeitar Hemming.
Agora, até Allen o encarava como se ele fosse um inimigo mortal.
Por que ele, o Duque de Mado, estava sendo tão respeitoso com eles?
Só poderia haver um motivo…
Ele tinha alta consciência da Kalia.
E ele estava tentando não machucar as pessoas que estavam claramente envolvidas com ela.
Essa era a única resposta.
Seuuu. Huu.
Hemming respirou curto e profundo e levantou sua cabeça, rigidamente.
“Talvez isto seja algo que não possa decidir por conta própria. Mas… a resposta estava bem na frente dela e não era certo recuar agora.”
Os olhos dourados de Sheyman eram ferozes, parecendo que ele iria cavar um buraco em seu coração, mas ela não tinha medo. Porque não tinha porque ter medo.
— Hemming.
Allen sussurrou seu nome com preocupação.
No entanto, o confronto de contato visual entre Hemming e Sheyman não quebrou. Nenhum dos dois recuou nem um centímetro sequer. Paralisados, eles se encararam assim por alguns segundos.
Com um sorriso suave, Sheyman perguntou enquanto coçava o queixo com uma mão:
— Por que estou procurando ela?
Sua voz era suave e calma. Uma sombra de Kalia tremeluziu em seus olhos dourados e eles se desbotaram, com um olhar distante, como se sua mente tivesse divagando.
— …Porque eu sinto como se fosse morrer sem ela.
Sua voz suave se tornou abatida.
Tradução: Kaon.
Revisão: Michi.