A Relação simbiótica entre uma lebre e uma pantera negra - Capítulo 100
No meio de todas as confusões recentes, eles tinham esquecido de dar essa informação a Lillian.
“…Mas estará tudo bem.”
Evelyn, despertando do transe, negou com a cabeça.
Os criados da mansão Grace tinham ordens de nunca utilizar seus feromônios, não importavam as circunstâncias. E não havia razões para que Lillian utilizasse os dele, também. Assim, mesmo que ele não soubesse que absorver feromônios alheios poderia desencadear a humanização de Vivi, estaria tudo bem.
Ahin, Evelyn e Quinn se entreolharam. Não seria perigoso caso Lillian estivesse sozinho.
Mas o problema é que nesta festa do chá havia outro convidado, o Lorde Ezran.
Depois de alguns segundos de silêncio, Evelyn falou, sem nenhuma expressão.
“Essa não.”
Ahin saltou da cadeira, apressado.
“Quinn, mostre o caminho.”
“Lorde Ahin, por favor, use a porta e não a janela…”
Ahin, parando ao ouvir a voz de Evelyn, caminhou até a janela. Quinn alçou voo e saiu por ela.
“Espere, meu Lorde.”
“Não tenho tempo a perder.”
Evelyn rasgou um grande pedaço da cortina vermelha e entregou a Ahin.
“Melhor levar isso, para garantir.”
O resto da cortina ficou em farrapos enquanto Ahin segurava o tecido. Então, ele saltou pela janela e desapareceu em um instante.
Evelyn calmamente voltou para o interior do escritório. Agora que a crise tinha passado, o silêncio caiu sobre o aposento.
Os três ajudantes começaram a escrever um memorando sobre comprar uma nova cortina o quanto antes. O vento, entrando pela janela aberta, espalhou vários documentos pelo chão.
***
Depois do jantar, Meimi colocou uma fita vermelha em mim, explicando que o vovô tinha me convidado para tomar chá.
Após me colocar em cima da mesa da sala de estar, ela levou Ash e Barra e ficou de guarda do lado de fora da porta da sala.
Assim que entrei, o vovô me apresentou o Lorde Ezran, o avô materno de Rune, que tinha vindo para o banquete de aniversário junto com seu neto. Segundo o vovô, ele queria me conhecer e estava pedindo tanto por isso que ficou insuportável.
“Ezran, não esqueça do que nós combinamos.”
“Quantas vezes vai me dizer isso? Eu já sei!”
“Estou repetindo porque seu cérebro está tão cheio de músculos que tenho certeza que vai se esquecer.”
Fiquei parada observando. Sentado na minha frente, o Lorde Ezran parecia um general experiente.
Seus músculos saltavam toda vez que se movia, e suas mãos bronzeadas eram tão grandes e ásperas que a xícara de chá que ele segurava parecia ser de brinquedo.
Durante a conversa, ele não parava de olhar para mim. Não sabia os detalhes, mas imaginei que ele estaria curioso por causa das fofocas. Podia mais ou menos prever o que ele queria saber.
No entanto, tendo sido banido de me fazer perguntas por Lillian, Ezran apenas engoliu uma xícara de chá atrás da outra.
“Meu Rune é um pouco preguiçoso, mas ele é bom em tudo que faz.”
A maioria dos tópicos da conversa dos dois foram sobre o território dos leões e Rune. Sem poder responder, eu passei a aplaudir toda vez que ele se gabava, para interagir.
“Não precisa aplaudí-lo. Quando ele acabar de se gabar do neto, provavelmente vai começar a se gabar dos seus músculos inúteis ou de sua força.”
O vovô, inclinado no sofá, respondeu de modo áspero. Como resultado, o rosto do Lorde Ezran ficou distorcido de raiva.
“Seu velho, como pode dizer isso…!”
“Se acalme. Quantas coisas quebrou da última vez que visitou? E não ouse levantar a voz na frente da coelha.”
O Lorde Ezran, tossindo para disfarçar, abaixou os ombros tensionados.
“Ugh, não posso nem mesmo falar uma palavra…”
O vovô ficou dizendo que Ezran era um leão ignorante que só sabia usar a força, mas ele não me pareceu uma má pessoa. Olhando sua figura enorme, apenas tomei cuidado para não ficar no caminho do prato de chá dele.
O Lorde Ezran, que estava me olhando, de repente se voltou para a janela.
“Tem alguém do lado de fora.”
Os olhos dourados mostravam indignação. O vovô deu uma olhada.
“A segurança daqui não é tão desleixada assim.”
“Algum homem-besta deve ter se infiltrado, aproveitando os preparativos para o banquete de aniversário. Como esses ratos ousam tentar invadir quando este Ezran está aqui!?”
O vovô segurou minha pata dianteira com seu dedo indicador, constrangido.
“Venha para perto de mim, pode ser perigoso.”
Não poderia ter um intruso de verdade… Certo? Mas como o Lorde Ezran tinha dito, existiam homens-besta cujas formas animais eram muito pequenas, então, não importa o quão estrita fosse a segurança, sempre haveria um perigo.
Sentindo o clima pesado, corri e entrei na mão do vovô. Nesse mesmo momento, a janela foi estraçalhada.
“O que esse louco está fazendo?! Quebrou nossa janela!”
Vovô, com os olhos arregalados, gritou para o Lorde Ezran.
“A melhor defesa é o ataque.”
“Seu ignorante! Não aja sem pensar!”
“Ele está certo, estimado avô. Eu podia ter me ferido com esses cacos de vidro.”
Uma voz familiar saiu da janela quebrada. Então, Rune, que estava pendurado do lado de fora, saltou e entrou na sala de estar, aterrisando graciosamente no chão.
“Estava me perguntando quem era… então era você?”
O Lorde Ezran, relaxando em um instante, fez “tsk” com a língua.
“Escutei que estavam se reunindo aqui, então vim participar.”
“Mas, por que tentou entrar pela janela? O que tem de errado com a porta?”
“Eu tentei, mas essas duas panteras negras que fazem a segurança me impediram de entrar.”
Ele devia estar falando de Ash e Barra, que estavam do lado de fora da porta.
“Especialmente a pantera chamada Ash…. creio que ela me odeia.”
Enquanto eu observava a cena, sentada na mão do vovô, ainda atordoada, de repente tampei o nariz. Mas era tarde demais.
Feromônios desconhecidos estavam circulando no ar da sala de estar e despertaram meus sentidos. O Lorde Ezran deve ter usado seus feromônios para quebrar a janela. Ele tinha se gabado por ter feromônios de impacto…
“Ezran, estou esperando a indenização pela janela quebrada.”
“Como você é mesquinho! Já sei, já sei. Algum dia deixei de pagar por algo que quebrei?!”
Não conseguia mais me concentrar na conversa. Uma sensação de crise que eu não sentia há muito tempo me fez ficar paralisada.
<Preciso sair daqui.>
Imaginando a dor terrível que logo iria surgir e a transformação subsequente, me forcei a me mover.
<Ahin.>
Aparentemente, aquela manhã era a data na qual o Ferenium deveria ter sido entregue, então talvez eu pudesse escapar da dor se chegasse ao escritório dele. Se não conseguisse, ao menos teria que chegar a um quarto vazio.
“O que aconteceu com você, de repente?”
O vovô me viu correr em círculos pela mesa, desesperada.
“…Vivi?”
Rune se aproximou pela quina da mesa.
<Vou saltar. Preciso saltar. Por favor, me segure.>
Quando sinalizei, apontando para minha pata traseira, Rune franziu a testa.
“Vivi, vai pular da mesa?”
<Aqui vou eu!>
Quando me lancei ao ar, meu foco eram os olhos dourados, que, por sua vez, estavam totalmente sem foco. Rune me segurou em ambas as mãos, mas perdeu o equilíbrio e caiu sentado. Senti pena por seu traseiro, mas estava sem tempo.
Depois de unir as patas dianteiras para simbolizar gratidão, saltei para o chão da sala de estar. Rune, se levantando apressadamente, voltou a me segurar. Ele abriu a porta da sala e sussurrou, de modo que somente eu pudesse ouvir.
“…Você está prestes a se transformar?”
Ele tinha percebido rápido, apesar de só ter presenciado isso poucas vezes. Quando eu ia responder, escutei um grito.
Ash abocanhou a barra da calça de Rune. Acho que ela pensou que ele estava me sequestrando. Até Meimi havia sacado a adaga do bolso do avental, e estava encarando-o com cautela.
Sacudi a pata dianteira para acalmá-las e dei um tapinha na mão de Rune, que me segurava.
<Me ponha no chão.>
“Para onde vai? Vou arrumar um lugar vazio para você se esconder.”
<Eu preciso do Ferenium!!>
Chutei com as patas traseiras como se estivesse nadando no ar, sem tempo para explicar. Então, uma pergunta ressoou, numa voz grave.
“…Está tentando ir para Ahin Grace?”
Minhas orelhas se ergueram e olhei para Rune. Os olhos que pareciam pedras de âmbar estavam tremendo ligeiramente.
Tentei ignorar esse fato e assenti. Logo, ele cuidadosamente me colocou no chão.
Assim que pus os pés no solo, comecei a correr para o escritório de Ahin. Não tive coragem de olhar para trás, mas senti que Meimi, Ash e Barra estavam se seguindo.
“Senhorita Coelha?”
“Cuidado com ela!”
Os criados abriram caminho para mim facilmente, erguendo os pés ou saindo da frente. Nossa corrida não pareceu tão surpreendente.
Eu já tinha absorvido os feromônios há alguns minutos. Estava tão nervosa que meu coração parecia que iria explodir.
Coloquei mais força em minhas pernas trêmulas.
<Ahin. Ahin.>
Eu só conseguia pensar nessa única palavra. Correndo por um corredor particularmente longo, de repente fiquei boquiaberta. Foi porque enxerguei Ahin, também correndo, na outra ponta. Talvez fosse uma miragem nascida do meu desespero? Apesar de pensar nessa possibilidade, não parei de correr na direção dele.
“Vivi!!”
Aquela voz rouca, que parecia arranhar meus ouvidos, não era uma alucinação. Quando a distância entre nós se reduziu e pude ver sua expressão, percebi que nunca tinha sido uma miragem.
Mas não tinha tempo para apreciar essas emoções intensas de alívio. Depois de frear bruscamente, olhei para Ahin, sem fôlego.
“Vivi.”
<Estou com problemas.>
Então, comecei a usar o sinal combinado para indicar que ia me humanizar: fiquei de pé nas patas traseiras e comecei a balançar os quadris. Ahin ficou boquiaberto.
<Vou me humanizar a qualquer momento!>
Com olhos desesperados, dancei como louca, tentando passar a mensagem.
Depois de conseguir dar quatro piruetas seguidas, olhei para Ahin com o canto do olho.
<Não há tempo!>
Ele estava seguindo meus movimentos, mas sem nenhuma expressão. Imaginei que sua mente também devia estar em branco, e, portanto, ele não estava entendendo o recado.
<Que diabos está fazendo, Ahin?!>
Enquanto fazia a dança tradicional do clã das lebres, vi que Ahin segurava um tecido vermelho.
Ele veio correndo porque antecipou que isso aconteceria e trouxe o tecido para eu me cobrir? Depois que parei de dançar, corri para puxar a barra do pano, o que fez ele despertar do transe e se ajoelhar no chão.
As mãos de Ahin, que ainda parecia muito atordoado, tatearam por sua roupa até ele finalmente retirar um objeto familiar do bolso. Era um relógio decorado com Ferenium.
Ele também tinha concluído que o Ferenium seria a melhor maneira no momento, porque, para injetar seus feromônios dominantes no meu corpo, teria que fazê-lo através das vias aéreas ou da corrente sanguínea.
Meu coração acelerou, como se a dor fosse me dominar a qualquer momento. Assim que saltei, ativei o Ferenium, e uma luz se espalhou pelo corredor.
Eu estava me transformando.
No momento em que minha visão começou a mudar de perspectiva, por estar crescendo, tudo ficou vermelho quando o pano me cobriu. Logo, senti um braço forte embrulhar minha cintura. Balancei os braços, sentindo uma ansiedade repentina.
Enquanto eu me humanizava, ouvi um som de portas se abrindo e fechando.
Ahin, que estava me segurando nos braços, estava sentado no chão. Debaixo do tecido, escutei uma voz baixa.
“…Respire fundo.”
Consegui girar meu corpo, que estava completamente coberto pelo tecido, e colocar a cabeça para fora, já completamente transformada.
A primeira coisa que vi foram olhos vermelhos semi-cerrados. Enquanto tentava me virar, me congelei. Estava sentada no colo de Ahin, e a distância entre nós era quase inexistente.
“Ah… O Lorde Ezran….”
Abri a boca, com dificuldade.
“…Ele usou feromônios… E eu os absorvi em querer…”
“Não me provoque assim.”
Ahin, se inclinando, enterrou a testa contra meu ombro.
“Por favor.”
Tradução: Nopa.
Revisão: Holic.