Serena e o Labirinto Misterioso - Capítulo 204
- A raposa devoradora de livros
Pela primeira vez em muito tempo, o grupo subiu escadas comuns e chegou ao 29º andar do 8º nível do Labirinto de Hudgee.
A guia, que chegou primeiro, não fez nenhum sinal. Assim que Serena pisou no chão, ela entendeu o porquê.
‘Não há nada além de paredes?’
As escadas não levavam a nada além de corredores e paredes. A principal característica de uma biblioteca – os livros e as estantes que os guardavam – estava completamente ausente. Olive encostou o ouvido na parede e deu uma leve batidinha.
– Tem um espaço lá dentro… Meus senhores. Precisamos encontrar um jeito de entrar.
Movendo-se por uma curta distância, o grupo descobriu algo além de paredes: uma mesa. A parede reta se curvava em forma de “U”, e a mesa bloqueava o espaço rebaixado.
Atrás da escrivaninha, eles viram uma janela gradeada e uma porta que dava para uma sala dentro da parede. Através das grades, eles podiam ver estantes abarrotadas de livros. Era uma biblioteca.
Para entrar, precisavam atravessar a mesa. Olhando mais de perto, a extremidade direita da mesa não era uma mesa, mas uma pequena portinhola da mesma altura. Em cima da mesa, assim como no 26º andar, havia uma pequena campainha para chamar o bibliotecário e o que parecia ser um formulário.
A extremidade esquerda da escrivaninha era um enorme conjunto de gavetas, tão grande que poderia ser confundido com uma parede. Olive inclinou a cabeça para o layout, que era completamente diferente dos andares anteriores.
– O que é isso… Meus senhores? Uma prisão de livros?
Como diz o ditado, o olho só vê o que pode ver, e a ladra viu uma prisão. O Conde Randy balançou a cabeça bruscamente. As mãos do alquimista moveram-se rapidamente sobre o papel, então ele se acalmou e escreveu as palavras com clareza.
– Não é uma prisão de livros. É uma biblioteca com estantes fechadas. Você não pode folhear os livros livremente. Você tem que solicitar o livro desejado ao bibliotecário. No passado, os livros eram tão valiosos que muitas bibliotecas operavam dessa forma para evitar roubos e danos.
‘Parece inconveniente.’
Até Olive, que nunca tinha ido a uma biblioteca na vida, pareceu ter o mesmo pensamento, enquanto inclinava a cabeça na direção oposta.
– Se as pessoas não conseguem entrar, como vão saber quais livros pedir? Meu senhor?
– Deve haver uma lista com os títulos e autores dos livros da coleção. Provavelmente eles a guardam lá.
O Conde Randy apontou para as gavetas grandes à esquerda como se estivesse 99% convencido. A guia verificou se havia alguma armadilha e abriu uma delas com cautela.
Lá dentro, exatamente como o alquimista havia dito, estava densamente abarrotado de pilhas de papel rígido com títulos de livros e nomes de autores escritos neles.
– É aqui que você encontra o livro que deseja e preenche um formulário para pedi-lo.
O formulário de inscrição estava sobre a mesa. O Conde Randy o sacudiu.
– Depois você entrega o formulário ao bibliotecário, que entra e lhe traz o livro.
A mão do alquimista, que valia um milhão de ouros, parou no momento em que ele estava prestes a tocar o pequeno sino. A imagem do bibliotecário da Biblioteca do Labirinto, o Tigre das Sombras, surgiu na mente de todos.
– De qualquer forma, é assim que funciona.
Os olhos do alquimista, que estavam folheando a lista de livros, arregalaram-se tanto quanto os do Tigre das Sombras.
“Oh!”
O Conde Randy ficou tão assustado que engasgou e rapidamente cobriu a boca. A atenção do grupo estava voltada para o alquimista. Sentindo-se envergonhado, ele se explicou.
– Peço desculpas. A lista de livros é tão extraordinária que me surpreendeu.
Embora todos os livros nos três andares da Biblioteca Labirinto tivessem cativado o conde, os livros armazenados nesta biblioteca de estantes fechadas eram especialmente raros.
– Ah! É por isso que são guardados com tanto cuidado!
– Você está certo, Sir Ralph.
– Já que o bibliotecário não está aqui agora, que tal entrarmos furtivamente?
Serena apontou para a porta atrás da mesa. Como era na altura da cintura, era fácil passar por cima. A guia pareceu preocupada.
– Não sei… Senhorita. E se um alarme disparar e o tigre vier correndo?
Os olhos de Olive se arregalaram enquanto ela balançava a portinhola de madeira. Ela simplesmente se abriu.
A guia fez um gesto para que o grupo recuasse e então caminhou cautelosamente em direção à porta na parede.
Nenhum alarme soou, e o Tigre das Sombras não apareceu. Olive agarrou a maçaneta com um olhar expectante. A maçaneta girou ligeiramente, mas depois parou, incapaz de se mover mais.
‘Está trancada.’
Em vez de arrombar a fechadura, Olive voltou para o grupo e notou uma placa na parte interna da mesa. A placa continha a regra final que o grupo deveria seguir.
‘5. Não membros e membros regulares só podem entrar na biblioteca geral. Membros especiais podem entrar em todas as bibliotecas.’
A princesa e a equipe de ataque, por não serem membros, foram totalmente proibidos de entrar nas estantes do 29º andar.
– Vamos ver se encontramos outra porta ou caminho primeiro. Se não, voltaremos aqui… Meus senhores.
A princesa e seu grupo caminharam pelo corredor em busca de algo novo. Tudo o que viram foram paredes, e nem um único monstro apareceu. No final, eles retornaram ao ponto de partida.
– Parece que precisamos encontrar um livro mal catalogado lá dentro.
– Mas como? Não podemos entrar… Meus senhores. É contra as regras.
– Não podemos simplesmente arrombar a fechadura e entrar?
– E se o tigre nos pegar e ficar todo “Ladrões de livros! Quebradores de regras! Grrrr!”
– Você não disse que a lista nas gavetas indica quais são os livros dentro? E se procurarmos um título fora do lugar na lista em vez de dentro?
O Cavaleiro Imperial, que observava cuidadosamente os arredores, ofereceu uma sugestão plausível.
– Cavaleiro Negro! Ótima ideia!
Olive abriu uma gaveta animadamente e fingiu vomitar ao ver as folhas de papel densamente compactadas.
Pelo menos os livros tinham designs diferentes e havia alguma variedade. A lista de livros era apenas papel branco com letras pretas.
Só de olhar, Serena ficou tonta. A fonte era pequena e, como a princesa só tinha um olho, ela rapidamente se cansou.
‘Meu olho! Meu olho precioso!’
– Mas e se encontrarmos um livro perdido na lista e uma escada não aparecer?
– Ah, não. Não diga isso. Não pode acontecer.
– Mas é possível, certo? E se tivermos que pedir ao bibliotecário para pegar o livro perdido para nós?
– O bibliotecário não seria então diligente no cumprimento de suas funções?
– Não sei~ Do jeito que ele age, não dá para saber se é um bibliotecário ou um segurança~
– Para começar, por que o bibliotecário é um tigre?
‘Ei. Parem de conversar e comecem a procurar.’
A princesa de um olho só estava forçando a vista para olhar a lista, enquanto as pessoas de dois olhos estavam apenas conversando!
Serena franziu a testa inconscientemente e estava prestes a protestar quando algo ligeiramente frio e escuro tocou seu ombro. Pega de surpresa, ela quase gritou. Prendeu a respiração e olhou para a coisa fria e escura em seu ombro.
Uma mão envolta em bandagens pretas. Era Yeong.
‘Me assustou.’
Serena encarou a arqueira com seu olho direito cansado. Yeong assentiu em sinal de desculpas e apontou para a biblioteca fechada.
‘Ela encontrou alguma coisa?’
Serena, junto com o resto do grupo, que havia percebido o movimento, olhou para dentro através das grades atrás da mesa. As estantes estavam mais escuras do que o corredor onde estavam. Lá dentro, uma pequena bola de fogo redonda zunia.
‘O que é aquilo?’
Serena, pensando que seu olho cansado estava lhe pregando uma peça, esfregou-o. A pequena bola redonda de fogo se dividiu, multiplicando-se instantaneamente em quatro. As bolas de fogo se moviam agilmente entre as estantes, como se fossem criaturas vivas.
O que era aquilo? O grupo inteiro apenas encarou, piscando, as bolas de fogo. A arqueira não apontou para as bolas de fogo, mas para a área abaixo delas, e formou uma palavra com os lábios.
‘Raposa. É uma raposa?’
Havia uma espécie de fogo-fátuo voando entre as estantes, e agora uma raposa estava sendo mencionada? Serena desviou o olhar das bolas de fogo perturbadoras e olhou para o chão para onde a arqueira apontava. Ela descobriu uma criatura em movimento.
Pula, pula.
Ela ficou de pé sobre as patas traseiras, levantou as dianteiras, cheirou com o focinho pontudo e então correu para longe com suas perninhas finas e pequenas. Serena demorou a avistá-lo e só viu de relance uma cauda desaparecendo atrás de uma estante, mas a cauda fofa e amarela gritava: “Sou uma raposa!”
O monstro que havia sido sugerido na placa do 26º andar finalmente apareceu diante da equipe.
A raposa que havia desaparecido atrás da mesa reapareceu. Era menor e mais fofa do que as raposas vermelhas com as quais Serena estava acostumada. Sua aparência era semelhante à das raposas-feneco que ela vira em sua vida passada.
‘Uau, é adorável.’
“Kyu! Kyuuuu!”
A raposa soltou um pequeno grito. As bolas de fogo, que voavam pelas estantes como criaturas vivas, se reuniram ao redor dela.
‘Então não eram fogos-fátuos, mas fogo de raposa.’
Olhando novamente, a cauda da raposa, que era tão espessa que parecia coberta de penugem, não era uma cauda única, mas sim uma causa dividida em várias.
‘Então é um monstro.’
A raposinha fofa atirou as bolas de fogo que havia coletado na estante à sua frente. Serena engasgou.
‘Por que ela está incendiando a estante? Vai assar os livros e comê-los?’
A previsão de que a estante, atingida diretamente pelas quatro bolas de fogo, pegaria fogo foi rapidamente comprovada como errada. Ela não queimou.
Em vez disso, apenas quatro livros na prateleira, aqueles atingidos pelas bolas de fogo, se incendiaram. O fogo consumiu apenas esses quatro livros – não se espalhou para os livros ao lado, acima ou abaixo deles.
Era como se uma parede invisível o bloqueasse, ou talvez fosse uma propriedade específica do fogo que permitia queimar apenas um único livro.
‘O que está acontecendo?’
Serena achou que o fogo queimaria os livros sem parar, mas, ao observá-los atentamente, percebeu que isso também não era certo. Os livros que pegaram fogo estavam perfeitamente intactos. Ela pensou que talvez as páginas de papel estivessem virando cinzas primeiro e as capas de couro queimassem depois, mas não.
‘Os livros estão bem?’
Se não iam queimar, por que atear fogo neles?
‘Ela está aquecendo-os?’
Talvez o monstro não fosse assar os livros, mas apenas aquecê-los antes de comê-los? De qualquer forma, a Raposa Devoradora de Livros não tinha obrigação de responder às perguntas da princesa.
Ela semicerrou os olhos, fez uma cara feliz e pulou para a estante ao lado. A raposa farejou ao redor, criou uma pequena bola de fogo e ateou fogo em outro livro.
Chamava-se Raposa Devoradora de Livros, mas não comia livros. Estava incendiando-os, mas os livros permaneciam intactos. Curiosa sobre o que estava acontecendo, Serena cutucou o alquimista, que observava a raposa com uma expressão intrigada.
A Raposa Devoradora de Livros talvez não tivesse a obrigação de satisfazer a curiosidade da princesa, mas o alquimista tinha. O Conde Randy fez o possível para escrever com clareza suficiente para a princesa ler.
– Essa é mesmo uma raposa comedora de livros. Ela está fazendo uma refeição agora.
‘Mas não está comendo os livros.’
Serena e o resto do grupo questionaram silenciosamente ao mesmo tempo. O Conde Randy, antecipando a objeção, continuou a mover sua caneta.
– A Raposa Devoradora de Livros não consome livros fisicamente. Percebe como ela queima os livros com fogo de raposa? Ela consome o conhecimento e a informação contidos nos livros ao queimá-los. Qualquer livro que a Raposa Devoradora de Livros engole perde seu conhecimento e informação. O livro essencialmente se transforma em páginas em branco.
O fogo, que se agarrava aos livros sem consumir nada visivelmente, estava, na verdade, consumindo todo o conteúdo do texto. A ideia de um livro se transformar em um amontoado de páginas em branco era assustadora, mesmo para Serena, que sempre evitara livros.
‘Significa que se você abrir um livro, todo o conteúdo desaparecerá completamente.’
Não era de se admirar que as regras da biblioteca tenham alertado as pessoas para denunciarem imediatamente caso a vissem. A Raposa Devoradora de Livros era inimiga de todos os arquivistas e bibliotecários do mundo.
– Além disso, ouvi do meu mestre que ele tem uma disposição de se alegrar ao ver humanos sofrendo pela perda de um livro raro.
– É malvada!
– Tem um rosto bonito, mas uma personalidade desagradável.
A raposa continuou a comer livros. Ralph, que observava os preciosos livros se transformarem em páginas em branco diante de seus olhos, ficou nervoso.
– O que devemos fazer? Não deveríamos relatar isso ao bibliotecário?
– Concordo com o Sir Hanson. A placa dizia que nos dariam uma recompensa por informar o bibliotecário, então ele não vai nos atacar.
Os dois cavaleiros queriam denunciar a Raposa Devoradora de Livros ao bibliotecário. A guia franziu os lábios.
– Não sei. Já conheci monstros que prometeram às pessoas o “melhor presente” só para depois atacá-las com uma foice. Parece que o melhor presente era a morte ou algo assim… Meus senhores.
– Existem também sacerdotes de Deuses de outros mundos que prometem prazer supremo e depois torturam você cruelmente. No mundo desses Deuses, a dor é considerada o maior prazer. Não devemos presumir que uma recompensa ou presente vindo de uma espécie não humana seria bom para nós.
As opiniões do grupo estavam divididas e eles não conseguiam chegar a uma decisão.
‘Ugh. Isso não é bom.’
O labirinto privilegiava a simplicidade. Quanto mais complexos os pensamentos na mente de quem o percorre, mais sinuosos os caminhos, mais fortes os monstros se tornam e mais perigosas as armadilhas.
‘Preciso decidir rápido. Caso contrário, um golem cadáver gigante pode se formar, como da última vez. Já que aqui é uma biblioteca, quem sabe um golem de livros vai aparecer?’
Em momentos como este, é dever do líder unir o grupo e tomar uma decisão. Serena encarou o monstro maligno, que alegremente transformava livros em cadernos em branco, com apenas as capas intactas, e então caminhou até a mesa.
A guia e o alquimista não se opuseram à decisão da princesa e concordaram. No entanto, puxaram uma cadeira para criar espaço embaixo da mesa, aparentemente prontos para se esconder ou escapar, se necessário.
‘O pior que pode acontecer é eu morrer.’
Se ela morresse agora, retornaria ao dia anterior ao encontro do corpo de Stollen. Pensar no cadáver do cavaleiro sem cabeça a fez sentir-se pesada e trouxe de volta um medo esquecido. Um arrepio percorreu sua espinha. Serena mordeu o lábio inferior e tocou a campainha.
Ding. Ding.
O som do sino chamou o bibliotecário da Biblioteca do Labirinto.