Não é seu filho - Capítulo 62
— Ugh, heuu…
As dores do parto de Kalia já duravam 6 horas.
A escuridão do amanhecer havia desaparecido há tempos e o sol vermelho pairava à distância no céu. Em algum ponto do caminho, a chuva parou e trouxe o arrepiante frio do amanhecer que restou no ar.
A dor que ela vinha aguentando durou tanto tempo que até os espectadores se sentiam exaustos. Hemming e Allen esperavam no quarto ao lado, e só Sheyman mantinha a vigília a seu lado, sem um momento de separação.
“O tempo passado em parto difere para cada um. Em casos severos, mães, às vezes, sofrem até 12 horas de dor. Apesar de já se passarem 6 horas, não podemos perder a esperança. No entanto… as contrações de Kalia eram mais intensas que as da média.”
Ele disse que havia um jeito de retirar a criança ao colocar uma faca diretamente na barriga de Kalia e puxando a criança para fora.
Entretanto, não é o melhor método, e os efeitos colaterais eram severos. É a última opção para quando a vida de mãe e filho estão em perigo durante o parto normal.
Sheyman aumentou a temperatura do quarto.
“Até então, não há nada que possamos fazer além de esperar. Segure a mão dela, ao seu lado. Para que ela não se sinta sozinha.”
Depois que ele ajustou a temperatura do quarto, para nem tão quente nem tão frio, ele cuidadosamente diminuiu a umidade também. Mesmo assim, a dor de Kalia não diminuiu. Ela mordeu os lábios com tanta força que seu lábio inferior estava rasgado. Apesar de seus lábios sangrarem, o restante de seu rosto estava tão branco quanto a morte.
Ainda, ela não pronunciou uma palavra de dor.
As dores viam com intervalos de um minuto agora. Toda hora que a concentração de dor baixava, Kalia gemia, mas nunca dizia que doía.
— Kalia, Kalia…
Sheyman segurou a pálida mão de Kalia firmemente na sua e orou para Deus pela primeira vez. Ele também murmurou que fizera algo de errado. Ele orou, arrependendo-se de cada pecado, não importando se ele tivesse os cometido ou não, contanto que Kalia pudesse doer menos, mesmo que um pouco.
— Droga.
Dar à luz era tão doloroso? Era para fazer as pessoas sangrarem assim?
As crianças correndo lá fora, não eram somente nascidas. Da dor sufocante, elas lutavam para vir ao mundo e chorar lágrimas milagrosas. Toda mãe no mundo mostrava sua força e pareciam tão ótimas naqueles momentos.
Ele era apenas um mago.
Em frente a uma mãe que suportava a morte e a pele rasgada para dar à luz para a criança, ele não era nada além de um mago.
Kalia não conseguia nem respirar direito.
Heu. Seuu. Heuu!
O quão doloroso deve ser, quão agonizante, quão difícil deve ser. Ele só queria sofrer a dor no lugar dela. Não importava de quem era a criança ou porque ela se escondeu sem dizer uma palavra.
Contanto que ela estivesse à salvo e fosse capaz de olhar para ele, mesmo que com uma cara sem emoções, e chamar seu nome de novo… Não havia mais nada que Sheyman pudesse desejar.
Com o jeito que as coisas estavam indo, se ela morresse, Sheyman não estava confiante de que poderia viver direito.
“Vou enlouquecer.”
Ele poderia até tentar magia proibida para trazer a Kalia de volta do Rio da Morte. Ele estava disposto e se transformaria num demônio, alegremente, só para achá-la. Kalia era sua salvação, sua amiga, seu tudo.
Sheyman fechou seus olhos e memórias da jovem Kalia inundaram sua mente.
*****
— Sou Kalia, sua escolta a partir de hoje.
Ele havia pedido ao Duque para ela o acompanhar para a Academia.
Com seu cabelo cor de limão siciliano preso em um rabo de cavalo alto, ela curvou sua cabeça sucintamente para cumprimentá-lo antes de abrir um sorriso, de repente, quando seus olhos encontraram os de Sheyman.
— Prazer em te conhecer. Faz um bom tempo que te vi.
Sheyman falou rudemente, tentando acalmar seu jovem e agitado coração:
— Quando você disse que me viu?
— Bem, já faz um bom tempo. Foi três anos atrás.
Daquela vez… quando fui sequestrado.
— …Você se lembra daquela vez?
Kalia, que tinha cerca de 10 anos, riu.
— Eu lembro porque você era muito bonito. Foi a minha primeira vez vendo alguém tão amável quanto um pequeno príncipe. Então eu te segui, como se estivesse enfeitiçada.
Essas palavras eram algo que deveriam fazer o seu coração palpitar?
Legal, bonito, fofo, amável. Sheyman ouviu todos os tipos de coisas antes, mas nunca essas palavras que soaram como elogios. Até que ele as ouviu de Kalia.
O jovem Sheyman gritou, porque um lado de seu peito fez cócegas.
— Não ria.
— O quê?
— Não ria sem pensar.
…Porque ele ficava nervoso sempre que via o sorriso dela.
Ele não conseguia fazê-lo dizer essas palavras.
Com isso, Kalia coçou sua cabeça, sem jeito, um pouco envergonhada e não riu muito depois disso.
…Pelo menos não na frente de Sheyman.
Então, quando ele a viu flertando e sorrindo com outras pessoas, ele ficou muito bravo.
— Eu lhe disse para não sorrir, Kalia. Por que está se divertindo tanto com esses bastardos?
— Maluco, eu vou matá-lo. Por que está rindo com ele?
— Kalia. Vai continuar flertando assim?
No final, Kalia ficou brava, exatamente 37 dias depois, com Sheyman, que estava a repreendendo pelo seu sorriso e direito de rir.
— Ouça com atenção. Você me foi confiado pelo Duque, mas eu não sou de sua família. Eu te salvei, e recebi o que merecia em troca, mas quem é você para me dizer para rir ou não? Que besteira!
Naquela época, Kalia era mais energética do que hoje. Do mesmo modo, diferente do Sheyman atual, o Sheyman de então era mais infantil.
— Quê? Besteira? Você está falando isso para mim?
— Aham, eu falei, para você. O que, você vai me matar? Veja se me importo. Vou arriscar hoje. Mesmo que seja uma plebéia, não acho que morrerei de fome lá fora. Adeus.
Bem, eles tinham apenas 12 anos de idade, então, eles eram assim. Em particular, Sheyman não tinha amigos de verdade até então, logo ele era mais vulnerável com a relação com seus iguais. Quando ele ouviu que Kalia o deixaria, ele ficou estranhamente desesperado. A memória de seu coração caindo ainda era vívida.
Ele apressadamente agarrou o pulso da Kalia, que estava se virando e disse:
— Me desculpe.
Palavras que ele nunca disse antes saíram de sua boca mais facilmente do que esperava. As palavras de desculpa surgiram do nada, surpreendendo ele mesmo. Surpreendentemente, ele pediu desculpas casualmente:
— Me desculpe. Fique.
— …O que, o que há de errado com você?
— Me desculpe. Eu só pensei que éramos amigos. Mas eu estava bravo porque você estava próxima de alguém além de mim.
Uma Kalia afobada olhou para o Sheyman com estranheza.
Ele sagazmente fez a cara que sua mãe fazia quando queria algo de seu pai. Olhos caindo, ele até imitou o hesitante morder de lábios e olhou para ela com olhos gentis.
— …Você achou que eu era uma amiga?
— Sim. Até agora, eu ainda acho isso… Não somos amigos?
Kalia parecia confusa com a voz desanimada de Sheyman. Sheyman não perdeu a oportunidade. Ele deu um passo e trouxe seu rosto perto do dela. Esse era outro truque que Helena frequentemente usava no Duque. Quando ela estava em desvantagem, ela se aproximava e sussurrava para ele. Quanto maior a desvantagem dela, mais perto ela ficava. Só com isso, o Duque a perdoaria toda a vez, com um rosto vermelho.
Ele não tinha ciência de o quão fortemente ele parecia Helena neste momento. Bem, ele sempre ouvia que tinha muito de sua mãe em sua aparência.
— Não pode ser minha amiga?
— Não, se você falar desse jeito, eu…
— …Não? Você não quer?
Kalia, que estava lutando com suas palavras, corou. Coçando sua bochecha, ela finalmente suspirou e concordou com a cabeça.
— Okay. Vamos ser amigos. Mas não pode caçar briga como essa a partir de agora. Se tiver algo que quer me dizer, não fique dando voltas, só me diga logo.
— Okay, eu irei, Kalia.
— Bem… Eu deveria ir.
Tendo acalmado sua agitação, o comportamento e a voz alegre de Kalia de repente ficaram polidos de novo. Sheyman não podia evitar de se sentir triste e culpado com isso. Apesar de ela estar brava e ter lhe respondido, ele ainda gostava de quão ela o tratava francamente.
Ele se sentiu especial.
— Kalia.
— O quê?
— Já que somos amigos, não precisa mais falar desse jeito. Sinta-se à vontade para falar livremente comigo.
Kalia falou com vergonha.
— Mas eu sou uma plebéia e você, um nobre.
— Eu vou virar um plebeu?
— Não, isso é impossível.
— Não é impossível.
— …Não, é impossível, Sheyman. Não há necessidade para isso.
Vendo a expressão de Sheyman, Kalia rapidamente adicionou:
— Eu irei me tornar uma pessoa que pode falar com o Sheyman confortavelmente. – A sorridente Kalia concordou descoladamente e continuou:
— Isso seria mais rápido.
E Kalia realmente se tornou tal pessoa.
Claro, foi Sheyman que silenciosamente fez o trabalho invisível por detrás dela para ajudá-la a colocar suas asas, mas Kalia não precisava saber disso.
*****
— …Como você pode me fascinar tanto e ser tão ignorante a isso, Kalia?
Com a mão gentil, Sheyman secou a suada testa de Kalia. Os olhos dela, cerrados pela dor, abriram com seu toque.
— Sheyman.
Kalia chamou seu nome em uma voz rouca.
No meio disso, ele se sentiu como um louco por pensar que a voz dela o chamando era boa.
“Kalia, desde quando eu sou louco por você?”
— Kalia. Você está bem?
— Você, por que… está aqui?
— Porque você está aqui.
Com a resposta casual de Sheyman, Kalia tinha o mesmo olhar estranho quando ela ouviu pela primeira vez que era uma amiga. Vendo seus olhos lentos, Sheyman só sorriu silenciosamente e beijou a parte de trás de sua mão de novo. Assim como com alguém precioso.
Sobressaltando, a surpresa Kalia o encarou.
Acariciando a carne macia segura ternamente em suas mãos, Sheyman sussurrou para ela, com as palavras mais doces do mundo:
— Não irei perguntar e nem deixar você perguntar nada agora, então só foque em si mesma e em se sentir melhor.
Um vermelho claro tingiu suas bochechas pálidas, dando a sua face branca mais vida, mas isso logo desapareceu. A dor voltou, evidenciada pelo franzido que ela tinha no rosto. Um gemido escapou pelos seus dentes cerrados.
— Oh, oh… uhn!
Ela estava cerrando os dentes, forçando-se a suprimir o barulho que queria fazer.
Vendo-a com mais dor do que antes, Sheyman mordeu os lábios. Então, de repente, o bracelete no pulso que não estava segurando chamou sua atenção.
“Isto…”
Na situação caótica, ele não prestou atenção no outro pulso que estava escondido por sua barriga. No entanto, olhando de perto, ele viu que não era um bracelete comum.
Mas como no mundo, esse bracelete foi parar no pulso da Kalia?
Sheyman se aproximou para examinar o misterioso bracelete espiritual envolto no pulso da Kalia. Ao seu toque, Kalia arregalou os olhos e encarou o bracelete.
— …ia.
— O que foi, Kalia?
Kalia, que já tinha os dentes cerrados, fechou a mão em punho, do pulso que tinha o bracelete, como se juntando forças.
“Quando o bebê estiver prestes a sair, me chame. Não esqueça meu nome.”
Outro gemido escapou por entre seus lábios trêmulos.
— …ia.
“Me diga, meu nome.”
— Gaia!
Tradução: Kaon.
Revisão: Michi.