Não é seu filho - Capítulo 60
“…Quem infernos é, a esta hora?”
Franzindo a testa, ela olhou pela janela.
Chuáááá
Está chovendo bem forte e o som da chuva batendo na janela era audível. Do jeito que o trovão trovejava e os raios relampeavam a essa hora, ela certamente não esperava ninguém neste amanhecer escuro. Os dois a quem esperava não bateriam, só entrariam.
De novo, uma batida na porta foi ouvida. Kalia se empurrou para uma posição sentada na cadeira de balanço. Ela guardou o chapéu que segurava e pegou uma espada exposta acima da lareira.
Aproximando-se da porta sem, deliberadamente, esconder o som de seus passos, ela perguntou em uma voz silenciosa.
— Quem é?
— …
Não houve resposta para sua voz grave e dura, o que aumentou sua vigilância. Kalia continuou sua batalha silenciosa com seu oponente além da porta por um tempo. Apesar de ela ter intensificado seus sentidos ao máximo, o alto trovão e o som da chuva apagavam todo som da pessoa de fora.
Sem escolha, apertou ainda mais suas mãos na espada. O oponente, que ficou em silêncio por um longo período, bateu na porta de novo. A batida veio em uma velocidade constante, estável, mas se intensificou em algum momento.
Toc toc! Toc toc toc!
Neste ponto, a existência além da porta parecia suspeita e irritante para Kalia.
Ela não sabia quem estava do outro lado, mas depois de checar, ela decidiu que definitivamente o expulsaria.
— Ugh.
De novo, ela agarrou sua barriga por causa da dor que veio com o apertar de seu estômago.
A contração era tão forte que ela se debruçou sobre sua cintura.
— Ugh.
Ela nunca pronunciou um gemido de dor, mas as dores da contração eram completamente diferentes de todas as sensações que já sentiu. Parecia que seu intestino estava sendo esmagado e era tão doloroso que parecia que ela iria explodir. Seu estômago se agitou e sua barriga se sacudiu. Apesar de fazer o seu melhor para suportar a dor, mordendo seus lábios e segurando seus gemidos, ela eventualmente teve que se sentar com um braço envolto de sua barriga inchada. Ela escorria de suor frio.
“Não, Shasha. Ainda não. Não pode sair agora. Por favor, espere, só mais um pouquinho, okay? Esse é meu garoto.”
Seuuu. Heuuu.
Kalia respirou fundo várias vezes para recuperar o fôlego e, de novo, segurou mais firmemente o punho da espada.
Enquanto ela suportava as dores, o som das batidas na porta virou o som da maçaneta sendo girada. Ela continuou a respirar curto para estabilizar sua respiração, e continuou apertando a espada, em resposta às ondas de dor, até que os nós de seus dedos ficassem brancos de tanta força aplicada.
Click.
Heuuu. Ela soltou uma respiração.
A dor que provavelmente durou dois ou três minutos parecia uma eternidade. Ela podia ouvir uma vaga voz vinda de fora da porta, mas ela não conseguia se concentrar o suficiente com a dor e através do som da chuva.
— …Lia, abra… porta.
O tempo não poderia ser pior.
Se o oponente fosse um inimigo, ela só conseguiria desferir um único golpe. Droga, ela poderia ser derrotada com um único golpe em seu atual estado. Seriam mais 10 minutos de contrações e dor. Se realmente fosse um inimigo, ela precisaria lidar com eles imediatamente.
Usando sua espada como muleta, ela apoiou seu peso sobre ela e esperou a dor passar. O som de murmúrios incoerentes e a maçaneta sendo girada logo parou. Quem quer que seja girou a maçaneta uma vez e, por sorte, não parecia forçar a porta para abrir. Pouco a pouco, a dor diminuiu. Devido a dor diminuindo, os movimentos por trás da porta ficaram mais claros do que antes para entender.
Outra batida na porta soou de novo. O som não era severo com o de alguém socando ou esmurrando a porta, do contrário, o som era um pouco brusco e suave. Apesar de não ser severo, havia uma urgência nas batidas. A voz parecia estar se aproximando também…
— …Lia.
A voz era um pouco rouca, o som era grave e cálida. Era um som que parecia muito nostálgico. Ela tentou focar na voz, mas Shasha, em sua barriga, não deixava sua mãe em paz.
— Oh, Deus…
Num instante a dor tolerável se tornou uma dor aguda que parecia que seu útero estava sendo espremido.
Kalia sentiu o suor frio escorrendo por sua bochecha e tudo que conseguia pensar era:
“Não acho que sejam dores falsas de parto.”
Seus músculos contraíram como se seu corpo estivesse se preparando para soltar o bebê. O bebê em seu ventre lutava como se sentisse o movimento do útero tentando tirá-lo.
Seuuu. Heuuu.
Clank!
Kalia eventualmente soltou a espada, focar em sua respiração exigia tudo de si. Ela se curvou, inspirando e expirando profundamente, concentrando-se no fato de que a dor passaria logo.
Allen falou que Shasha era um bebê incomumente grande. Ele a avisou que ele era mais pesado que outros bebês e sua agitação para sair seria mais vigorosa.
Mesmo no meio da dor implacável com o rosto pálido e mastigando o interior de sua boca, Kalia estava aliviada, pensando que era bom que Shasha parecia saudável. Neste momento, a porta que estava sendo batida, foi aberta com uma pancada. A porta estava trancada, mas foi aberta com facilidade. Como se não estivesse trancada desde o começo.
O vento entrando de uma vez apagou o fogo da lareira, o ar morno umedeceu-se pelo ar frio entrando e pela chuva caindo.
“Estou ferrada.”
Com os dentes cerrados, ela agarrou a espada caída e ergueu a cabeça. Franzindo a testa, seus olhos se arregalaram e olharam para os pés da pessoa que entrou em sua casa. Seu olhar fitou os sapatos limpos do homem, a bainha da calça branca e seguiu para cima. Antes que pudesse identificar o intruso, o cheiro do outro se misturou com o da chuva e a atingiu. Era um cheiro refrescantemente limpo e extremamente sexy. Fazia um tempo, mas o cheiro nostálgico não era estranho para ela. Finalmente, o olhar lento de Kalia alcançou o maxilar do homem. Pulando o pescoço e vendo o maxilar definido, ela podia também ver os lábios que eram moderadamente grossos e hidratados.
Ah, ela conhecia esses lábios.
Esses lábios, que ficavam mais macios e doces do que tudo no mundo quando beijados, podiam cuspir as palavras mais ríspidas. Sua sobrancelha, franzida em dor, levantou-se surpresa por um momento. Ela podia ver que o homem tinha dado um único passo pela porta. Ele deve ter ficado tão impressionado e chocado com o que viu que só conseguiu dar um passo.
— Você…
O vento soprou com a chuva, bagunçando seu cabelo prateado. Com bochechas pálidas e olhos trêmulos, ele só conseguia encará-la atônito. Ele não ousou se aproximar mais e tinha praticamente se transformado em pedra, de tão paralizado que estava. O homem assistiu sua figura agachada, segurando sua grande barriga.
— Sheyman…
Tudo que Sheyman conseguia fazer era encarar Kalia, que estava encharcada em suor frio, agarrando sua barriga com a face tão pálida quanto um fantasma.
*****
Apesar de ser o amanhecer, a chuva era implacável, caindo intensa, sem sinais de parar. Com o trovão soando, Sheyman parou em frente da casa de tijolos brancos.
Era uma casa pequena e amável, completamente diferente da mansão de Kalia na Capital. Cortinas brancas pendiam nas pequenas janelas, mas isso não impedia um pouco de luz laranja de escapar. A mais brilhante parecia ser a da janela da sala. A sombra do fogo balançava e dançava pela cortina.
Parado em frente a porta, Sheyman fechou e abriu sua mão tensa várias vezes. Seu corpo inteiro estava ensopado da chuva torrencial, mas ele não se importava.
— …Está tudo bem ir vê-la, mas me prometa uma coisa. Não fique surpreso. Também, absolutamente, não assuste a Kalia. Não importa qual a aparência dela, não a pressione demais. Por favor.
Hemming agarrou Sheyman enquanto ele estava prestes a sair e implorou sinceramente.
Como raios Kalia estava, para ela lhe pedir algo tão desesperadamente?
Será que ela estava machucada gravemente em algum lugar?
Ou talvez ela estivesse amaldiçoada?
Se não…
Talvez, ela estava tão magra que lhe deixaria sem palavras?
Ele pensou em várias coisas. Ele não conseguia descobrir a razão do pedido de Hemming.
O homem que foi quem segurou a mão de Kalia carinhosamente – Allen – era definitivamente um médico.
Ela estaria tão doente que precisaria andar por aí com um médico?
Mesmo com essas circunstâncias, não era motivo o suficiente para a Kalia deixá-lo ou deixar o Império.
Com o fogo queimando na lareira, ela provavelmente estava no primeiro andar. Lembrando do pedido desesperado de Hemming para não assustar a Kalia, Sheyman cuidadosamente levantou sua mão. Ele respirou fundo mas curto e bateu na porta com seu punho frio.
Toc Toc Toc.
O coração de Sheyman tremia como se fosse explodir com cada batida na porta. Quanto mais alto o ranking, mais desenvolvidos eram o corpo e seus sentidos. Seus sentidos aguçados de audição perceberam o som de uma pessoa se aproximando do outro lado da porta.
Haaah.
A cada batida de seu coração, parecia que ele iria quebrar suas costelas e sair. Se não fosse pelo aviso de Hemming, ele correria lá dentro, agarraria ela como uma besta e a seguraria até que a sufocasse. Mas ele perseverou.
Ele temia que a veria em um estado de doença e que ao fazê-lo, assustaria Kalia e faria que ela o olhasse com olhos cautelosos e suspeitos. De qualquer forma, se Kalia o olhasse com um olhar ríspido, seu coração se quebraria.
— Quem é?
…É a Kalia. É a voz de Kalia.
Sheyman mordeu seus lábios em transe, mandíbula tensionando enquanto suas emoções surgiam. Sua garganta estava tão apertada que mal podia respirar, muito menos responder sua pergunta. Ele se contentou em bater na porta de novo como resposta. Quase chorando, sua mão batendo na porta ficou urgente quando suas emoções o tomaram.
— Kalia, por favor, abra a porta.
Tensionando sua mandíbula, ele conseguiu chamá-la, mas sua voz era tão baixa que não conseguia passar pela porta.
A voz que saiu era rouca e desigual, arranhando sua garganta.
Ela não respondeu. Nem abriu a porta.
Será que ela não conseguiu ouvir a voz dele? Ou…
Com esse pensamento, o peito de Sheyman ardeu.
— Kalia.
Ele chamou o nome dela, com mais desespero.
Parecia que fazia muito tempo que ele falava esse nome para chamá-la e não para pronunciar para o vazio. Não foram anos, nem décadas, mas, para Sheyman, esses meses horrendos pareciam uma vida. Enquanto Sheyman hesitava sobre o que fazer, houve um som de algo caindo no chão do outro lado da porta.
Surpreendido pelo clang, o rosto de Sheyman drenou para um branco mortal.
— …!
Ele estava tão nervoso que o alvoroço do outro lado rompeu algo dentro de sua cabeça e… sem pensar, ele abriu a porta.
O calor do fogo o atingiu primeiro. A próxima coisa que viu foi uma Kalia encolhida, agachada com uma espada em seus pés. Ela vestindo uma camisola era uma visão incomum, mas não parecia estranha. O que era mais surpreendente do que isso, era…
Aquela barriga redonda que ela estava segurando.
“…Não importa qual a aparência dela, não a pressione demais.”
A voz de Hemming soou ferozmente na mente de Sheyman.
Tradução: Kaon.
Revisão: Michi.