A Vilã, Cecilia Sylvie, decidiu se travestir - V4 04 - Confronto (4)
Ela estava fazendo o melhor que podia, dada a situação. Não houve tempo para pegar o mapa de Mordred ou verificar as anotações de Grace para se orientar. Cecilia lembrou-se de algumas instruções e ficou atenta aos recursos da lista, mas na maior parte do tempo, ela estava apenas correndo o mais rápido que podia para fugir da multidão possuída pela Obstrução. Eles haviam chegado bastante longe no santuário, então sua ideia aproximada de qual caminho seguir parecia correta até agora.
“Desculpe, eu não deveria ter gritado com você. Estamos tão sem sorte com o cara que conhece o caminho. Quanto tempo mais você vai dormir, doutor?!”
Huey sacudiu Mordred de um lado para o outro. De repente, o médico levantou a cabeça do ombro de Huey.
“Onde… onde estou?”
“Dentro do santuário!”
“Por quê…? Oh, certo. Fui atacado por um homem estranho vestindo uma capa…”
“Sim, e aquele cara tem um bando de lacaios nos perseguindo. Qual caminho vamos fazer, doutor?!”
Mordred pareceu um tanto incomodado com o tom exigente de Huey.
“Vamos ver…”
Ele esticou o pescoço para um lado e para outro, agarrando-se às costas de Huey.
“Parece que nossa localização atual—”
“Não há tempo! Por favor, diga-nos qual caminho seguir!”
Lean estava começando a perder a paciência.
“Não tão rápido. Não queremos levar nossos perseguidores ao altar do santuário. É muito arriscado”, disse Gilbert em tom comedido.
Oscar assentiu.
“Supondo que haja apenas uma entrada, acabaremos presos.”
“Na pior das hipóteses, todos eles se unirão contra nós.”
“Meu Deus, não podemos ficar aqui a noite toda! Hora do plano B!”
Lean parou. Huey também. Ele colocou Mordred no chão.
“Do que você está falando, Lean?”
“Huey e eu vamos conter os perseguidores. Lorde Cecil, vá em frente com os outros.”
“O que? Você não pode…”
“Nós podemos lidar com isso, eu lhe garanto. Eu me preparei para o pior.”
Lean levantou os braços. Suas mangas deslizaram até os cotovelos, revelando uma pilha de pulseiras brilhantes em cada um dos pulsos. Eram os artefatos de Oscar, Gilbert, Mordred, Eins, Zwei e Dante. Ela convenceu todos a entregá-los a ela em caso de uma emergência, como esta. Lean tinha toda uma gama de habilidades especiais à sua disposição.
“Sempre podemos recorrer a você sabe o quê. Vai ficar tudo bem!”
Cecilia hesitou por um momento.
“Tudo bem então. Boa sorte!”
Ela acenou com a cabeça para Lean, os olhos firmes e determinados.
* * *
Quando Cecilia e os outros desapareceram de vista, Lean exalou profundamente. Ela achava que seu plano era sólido, mas não esperava que realmente precisasse usá-lo.
Empunhar todo o arsenal de artefatos em batalha seria uma experiência totalmente nova. Ela os testou antes do início desta missão, mas não contra alvos reais.
Ela nunca admitiria que estava ansiosa, no entanto. Ela era orgulhosa demais para isso.
Lean ativou o Artefato de Gilbert e sorriu destemidamente, na esperança de que agir com confiança a ajudasse a superar suas dúvidas.
“Bem, Lorde Huey. Nós ensaiamos para isso. Vamos colocar a teoria em prática.”
“Hum-hmm. A propósito, você já pode desistir, você sabe.”
“Como?”
Huey fixou o olhar na porta que os separava da horda sanguinária de possuídos.
“Você não cultiva essa personalidade de Pequena Miss Perfeita há um bom tempo? Você não precisa agir assim na minha frente. Estou pronto para a verdadeira você.”
Lean não sabia o que dizer sobre isso. Ela olhou para ele em silêncio.
“Eu já vi através da sua máscara, então já sei que você tem uma tendência cruel. Que você gosta de provocar as pessoas e está constantemente à procura da próxima coisa para entretê-la. Que você é motivada apenas por seus próprios interesses, que é extremamente orgulhosa e que tem um temperamento explosivo.”
“Essa é uma imagem bastante negativa minha que você está pintando”, disse Lean, com os olhos semicerrados.
Huey se virou para ela, uma sugestão de sorriso brincando em seus lábios.
“Não é totalmente negativo. Eu sei que você se preocupa profundamente com seus amigos.”
“…”
“Você não precisa esconder seu verdadeiro eu de mim. Não me importo se você quiser continuar como antes, mas não tente bancar a boazinha para me impressionar…”
Huey se afastou dela ao terminar a frase, talvez ficando constrangido.
Lean ficou ali em silêncio por um tempo, olhando para suas costas. Então ela arqueou os lábios para cima.
“Eu também vi através de você e sei que na verdade é muito sensível e tímido. Que você fica envergonhado com sua própria falta de confiança, então tenta imitar Dante, seu ídolo, apesar de saber que nunca será páreo para ele.”
“Isso é duro…” Huey disse trêmulo, virando-se novamente na direção dela. Lean deu-lhe um amplo sorriso.
“Eu também sei que você gosta muito de mim.”
Huey apertou os lábios em uma linha apertada, mas não negou. Não fazia sentido mentir.
“Na verdade, tenho tratado você com cautela, mostrando apenas as qualidades que queria que você visse em mim. Acho que será menos trabalho mental para mim não precisar mais fazer isso.”
Lean convocou a espada de Oscar e a enviou voando em direção a Huey. Ele traçou um arco alto no ar antes de ele pular para pegá-lo. Ele deu alguns golpes para testá-la. Com esta lâmina à sua disposição, ele seria capaz de banir Obstruções, apesar de não ser um cavaleiro. Lean e companhia já haviam comprovado que isso funcionaria através de encontros hostis anteriores.
Lean tirou uma faca do bolso e fez muitas cópias dela.
“Bem, Huey. É hora de uma demonstração de força!”
“Faremos um trabalho rápido com aquele príncipe rude.”
Eles sorriram um para o outro. Uma fração de segundo depois, a horda rompeu a entrada.
* * *
“O altar deveria estar atrás desta porta!”
Mordred conduziu Cecilia, Oscar e Gilbert para as profundezas do santuário, e eles agora estavam parados em frente à sala que procuravam. Eles entraram, deixando Mordred na entrada para servir de vigia.
Dentro da câmara havia uma estátua da deusa, idêntica àquela da sala onde o Punhal do Destino havia sido guardado. A estátua segurava um jarro, do qual a água escorria para uma grande tigela de mármore abaixo, escorrendo pelo buraco no meio. Na frente da estátua havia uma longa mesa de mármore com uma fenda estreita no meio. Seu design ornamentado sugeria que era aqui que você deveria guardar o Punhal do Destino.
Mas Cecilia e companhia não eram as únicas pessoas na câmara. Havia outra pessoa ali, de costas para eles. Ela era de baixa estatura e usava o cabelo ruivo preso em uma trança. Ela lentamente se virou para eles e eles viram um rosto familiar de óculos. Cecilia engasgou.
“Elza…”
“Eu estava esperando por você, Lorde Cecil.”
“Foi você quem roubou o Punhal do Destino logo antes de eu encontrá-lo, não foi?”
Cecilia perguntou tristemente.
Elza simplesmente sorriu em resposta.
Cecilia descobriu quem era o culpado pouco antes do deslizamento de terra, quando ela e Lean conversavam sobre como Janis conseguiu entrar no santuário para roubar a adaga. A princípio, Lean sugeriu que ele estava entrando no santuário vestindo um hábito de freira como disfarce, até localizar a adaga e fugir com ela, mas Cecilia descartou isso como implausível, alegando que a segurança do santuário era muito rígida para isso.
“Mas Janis conseguiu entrar de alguma forma! Como ele fez isso então? Ele se disfarçou como alguém do santuário?”
A voz irritada de Lean ecoou na cabeça de Cecilia. Teria sido impossível para Janis entrar furtivamente no santuário várias vezes sem que ninguém percebesse, mas era fato que ele havia roubado o Punhal do Destino. Elas encontraram o brinco dele no local onde o punhal estava. Então Cecilia percebeu: ele tinha um cúmplice no santuário.
“Quando você entrou no meu quarto para dar uma olhada no chuveiro quebrado, você mexeu nas minhas coisas também, não foi? E você encontrou as instruções sobre como encontrar o Punhal do Destino.”
[Deixe-me verificar seu chuveiro. Por favor, espere lá fora.]
Na hora, Cecilia não se importou, mas Elza com certeza demorou para inspecionar o chuveiro, e não havia necessidade de deixar Cecilia esperando do lado de fora do quarto por isso. Só mais tarde ela percebeu que Elza não estava verificando o chuveiro, mas sim os pertences de Cecilia, que incluíam o guia para o Punhal do Destino. Foi assim que a clériga conseguiu encontrar o punhal antes de Lean e Cecilia.
“Deixe-me adivinhar: o fantasma que assombrava o santuário era você, não era? Você estava procurando pelo Punhal do Destino escondida à noite, por ordem de Janis.”
“Sim, fui eu. Não fui eu que comecei os rumores, mas eles funcionaram a meu favor. Eles mantinham as freiras em seus quartos à noite, então era mais fácil para mim andar sem ser vista.”
“Nosso convite para ficar no santuário também teve a ver com você?”
“De fato. Eu teria levado uma eternidade para encontrar o punhal procurando aleatoriamente, mas me ocorreu que vocês poderiam ter alguma informação que pudesse me ajudar. Era apenas uma vaga esperança, mas realmente encontrei ouro.”
Cecilia lamentou ter deixado o mapa no quarto, mas como poderia saber que a simpática clériga estaria trabalhando para o inimigo? Isso a incomodava profundamente.
“Por que você faria isso, Elza? Você também está sendo influenciada por uma obstrução?!”
“Essa é uma sugestão boba. Donzelas Sagradas são imunes a Obstruções.”
“Espere… O quê?”
“Oh? Você ainda não descobriu?”
Elza sorriu e cobriu o rosto com as mãos. Em um piscar de olhos, ela se transformou de uma jovem bonita em uma mulher alta e bonita com cabelos longos.
“É a primeira vez que você me vê assim, eu acredito.”
Ela lançou a Cecilia um sorriso encantador, prendendo o cabelo para colocá-lo atrás das orelhas. Mesmo que ela fosse a mesma pessoa com quem eles estavam conversando agora, sua aparência, comportamento e até mesmo seu jeito de falar eram completamente diferentes.
“Meu nome verdadeiro é Margrit Aubry e sou a chefe da Igreja de Caritade, o símbolo da própria deusa. Eu sou a Donzela Sagrada.”
Em seus pulsos havia sete pulseiras douradas, com desenhos diferentes daqueles com os quais Cecilia estava familiarizada. Um deles deve ter concedido a ela a habilidade de alterar sua aparência.
Cecilia ficou em estado de choque. Sua voz tremeu quando ela se dirigiu à Donzela Sagrada.
“M-mas e aquela vez que vimos a Donzela na procissão junto com Elza?”
“O que você viu então foi uma boneca, não eu. Eu estava me passando por Elza. Ela costumava ser uma ótima assistente para mim. Infelizmente, ela faleceu há vários meses.”
Margrit olhou para baixo com tristeza genuína.
“Ela era uma pessoa gentil e de coração puro. Não consigo entender como ela poderia tirar a própria vida. No entanto, essa tragédia me deu liberdade.”
“Você tem se passado por ela desde que ela morreu?”
“Sim. Conheci Janis logo depois disso. Ele deve ter tentado despertar uma obstrução dentro de mim e, quando não funcionou, percebeu quem eu era.”
Cecilia lembrou que as freiras que visitavam o Orfanato Cigogne lhe contaram como Elza havia mudado vários meses antes.
Elas atribuíram sua recém-encontrada alegria na vida ao efeito da ficção de Madame Neal…
Mas foi provavelmente quando a verdadeira Elza morreu e Margrit tomou seu lugar.
“Mas por que você está fazendo tudo isso?”