A Vilã, Cecilia Sylvie, decidiu se travestir - V4 01 - O Santuário Branco (4)
Elza sorriu e entrou, deixando Cecilia no corredor. Ela voltou alguns minutos depois.
“Sinto muito!” Ela se curvou em desculpas. “Hum, está tudo bem, não é culpa sua…”
“Sou responsável por hospedar você e seus amigos e garantir que tenham uma estadia confortável, mas não consegui fazer isso!”
Elza continuou se curvando abjetamente, apesar das garantias de Cecilia de que ela não precisava se desculpar. Havia lágrimas em seus olhos e seu rosto estava sem cor, como se ela estivesse com medo de que Cecilia fosse repreendê-la com raiva.
Parecia haver um problema com os canos de água. Elza não só foi incapaz de consertar, como também não conseguiu identificar o que estava errado. Este era claramente um trabalho para um encanador, mas o mais cedo que conseguiriam um era no dia seguinte.
“Sinto muito pelo inconveniente, mas você poderia usar a casa de banho comunitária?”
“Hm… A casa de banho…?”
“Oh. Você não gosta de banho comunitário?”
“Não é que eu não goste…”
Não havia como ela ir ao balneário. Por mais imprudente que fosse, Cecilia estava bem ciente dos riscos. Não havia garantia de que ela estaria sozinha lá, ou que ninguém entraria enquanto ela estivesse se lavando. E se alguém a visse nua… bem.
Ver Cecilia tão desconcertada trouxe novas lágrimas aos olhos de Elza.
“Eu deixaria você usar o chuveiro em outro quarto de hóspedes, mas não temos recebido muitos visitantes que passem a noite ultimamente, então os quartos vagos não estão em condições apresentáveis. Eu teria que acordar uma das freiras e pedir a ela para preparar outro quarto para você…”
Isso faria Cecilia se sentir realmente culpada. Ela preferiria deixar para lá. As freiras iniciavam seu trabalho todos os dias de madrugada e iam dormir assim que o sol se punha. Embora ainda fosse cedo para os padrões de Cecilia, ela não teve coragem de pedir que Elza acordasse uma das mulheres cansadas para uma limpeza improvisada em um quarto. Além disso, se os outros quartos fossem tão ridiculamente grandes quanto aquele em que Cecilia estava hospedada agora, provavelmente levaria horas para limpá-los.
“Eu mesma irei-”
“Não, não! Não se preocupe, eu estou bem! Por favor, levante a cabeça!”
Cecilia colocou as mãos nos ombros de Elza. A clériga ergueu os olhos e Cecilia sorriu calorosamente para ela.
“Você não tem nada pelo que se desculpar!”
“Mas… cuidar de você é meu dever, confiado a mim pela Donzela Sagrada…”
Elza ainda parecia abatida. Cecilia pensou por um momento, depois enfiou a mão no bolso.
Quando ela estendeu a mão, seus dedos estavam firmemente fechados em torno de alguma coisa.
“Dê-me sua palma, Elza.”
“Oh? Você quer dizer assim?”
Ela estendeu sua mão. Cecilia abriu o punho e deixou cair três doces na palma da mão de Elza. Eram fofos, embrulhados em papel colorido amarrados com fitinhas nas duas pontas.
Elza arregalou os olhos. “Por que você está me dando isso?”
“Jade comprou um monte quando saímos hoje e me deu. Não consegui terminar todos eles.”
Ao explicar, Cecilia pegou um dos doces da mão de Elza e desembrulhou-o, revelando um doce de cor âmbar. Ela segurou-o entre dois dedos e levou-o à boca de Elza.
“Prove.”
Uma expressão de confusão passou pelo rosto de Elza, mas ela cedeu a Cecilia e abriu a boca com relutância. Cecilia colocou o doce dentro. Elza cobriu a boca com a mão, chocada com o sabor.
“É tão doce!”
“É doce, claro que é doce. Oh, você quer dizer que é doce demais? Não é um confeito muito refinado, admito…”
Preocupada, Cecilia olhou atentamente nos olhos de Elza. A abadessa sorriu e balançou a cabeça.
“Não, é só um pouco chocante para mim, já que não como nada assim há muito tempo…”
“Então você gosta de doces?”
“Sim.”
“Então tomei a decisão certa!”
Cecilia riu. Elza semicerrou os olhos como se estivesse testemunhando uma visão deslumbrante demais para seus olhos.
“Você está sempre trabalhando muito, Elza. Acho que você merece um presente!”
“Obrigada, isso é muito gentil…”
Embora ainda parecesse um pouco envergonhada, a abadessa aceitou o doce com um sorriso feliz.
* * *
“O que eu faço agora?”
Sozinha em seu quarto, Cecilia segurava a cabeça entre as mãos, desesperada por não poder usar o chuveiro. A situação era bastante frustrante, já que ela estava ansiosa para lavar o suor que acumulou ao passear o dia todo. Ela se sentia grudenta sob a peruca e a faixa enrolada no peito. O que poderia ser o momento mais crucial de sua vida estava prestes a começar, e ela queria se preparar para isso. Ela não precisava de um banho elaborado, mas uma lavagem rápida para deixá-la se sentindo fresca e pronta teria sido bom.
“Vou ter que pedir a Lean para me deixar tomar banho no quarto dela.”
Cecilia poderia contar com a amiga, com certeza. A amiga conhecia seu segredo. Não haveria problema aí. Nem importaria se Lean a visse nua.
Decidida, Cecilia pegou uma toalha e uma muda de roupa e foi até o quarto de Lean. Ela bateu na porta duas vezes.
“Lean, você está aí?”
A porta se abriu quase imediatamente. Mas não foi Lean quem abriu.
“H-Huey?!”
Era o namorado de Lean. Cecilia amaldiçoou interiormente seu timing ruim, seu rosto ficando pálido. Lean apareceu atrás de Huey.
“Ah, Lorde Cecil? Eu posso te ajudar com alguma coisa?”
“Não, hm…”
“Por que você trouxe uma muda de roupa com você?”
“Isso… não é o que você está pensando!”
Ela tentou inutilmente esconder a trouxa de roupas nas costas. Ela ainda estava vestida como Cecil. Do ponto de vista de Huey, ela era um cara que de repente visitava a namorada dele à noite, trazendo uma muda de roupa… Uma visão indesejável, para subestimar grosseiramente a situação. Ele estava fadado a vê-la como uma ameaça.
‘Ele… ele vai me matar!’
Como ex-membro da organização assassina Heimat, Huey provavelmente poderia acabar com ela tão facilmente quanto faria com uma mosca. E ele estava olhando para ela como se quisesse fazer isso. Ela tinha que escapar disso de alguma forma.
“D-desculpe! Quarto errado!”
“Quarto errado? Você estava chamando por Lean quando chegou batendo.”
“O quê? N-não, você deve ter ouvido mal!”
“Realmente?”
“Eu definitivamente não disse ‘Lean’! O que falei foi… Min!”
“O que isso deveria significar?”
“Um miau?”
“Você está brincando comigo…?”
Huey franziu a testa. Era claro que ele não estava acreditando. Até Cecilia estava ciente de quão absurda sua desculpa parecia. Gotas de suor frio começaram a escorrer por suas bochechas.
‘Huey também era tão assustador no jogo?!’
Não que ele estivesse a encarando ela, mas ele estava obviamente cauteloso, suspeitando que ela estava tramando algo ruim. Lean, parada atrás dele, também parecia bastante perplexa. Cecilia não teve outra escolha a não ser deixar as coisas assim e sair dali. Huey poderia questioná-la sobre isso no dia seguinte, mas isso era algo com que seu futuro eu deveria se preocupar.
‘Você vai pensar em alguma coisa, Cecilia do futuro!’
Esperando bolar alguma desculpa mais tarde, Cecilia girou nos calcanhares, como se estivesse prestes a começar a correr como se sua vida dependesse disso. O que era uma suposição justa, realmente…
“O que você está fazendo aqui, Cecil?”
“Gil?!”
Só então, seu irmão adotivo passou por ali. Ele parou e avaliou Cecilia, Huey e Lean, e a trouxa de roupas que Cecilia segurava nas costas. Ele ergueu uma sobrancelha. Então ele agarrou Cecilia pelo pulso.
“Eu estava procurando por você em todos os lugares, caramba!”
“Você estava?!”
“Pensando bem, eu não deveria ter pedido que você viesse ao meu quarto sabendo que você não tem absolutamente nenhum senso de direção.”
“Espere, você está dizendo…”
“Por favor, com licença.”
Gilbert acenou com a cabeça para Lean e Huey, depois conduziu Cecilia pelo braço. Huey ainda estava tentando falar, mas seu irmão estava andando tão rápido que ela nem conseguiu se virar para dar uma última olhada nele.
Poucos minutos depois, quando eles não podiam mais ser vistos do quarto de Lean, Gilbert finalmente soltou a mão de Cecilia. Ela baixou a cabeça.
“Muito obrigada, Gilbert. Não sei o que teria feito sem você!”
“O que foi isso, afinal?”
“Eu só queria perguntar a Lean se ela me deixaria usar o chuveiro dela, porque o meu está quebrado. Eu não pensei que Huey estaria lá…”
A explicação apagou a expressão irritada de seu rosto. Cecilia não fez nada de errado. Ela ainda estava desanimada, no entanto.
“Não posso ir ao banho comunitário. Acho que terei que me contentar em ficar sem tomar banho hoje.”
O encontro não planejado com Huey fez sua frequência cardíaca disparar, então ela não precisava mais tomar um banho para acordar. Ela teria que aguentar sentir-se suada e suja naquela noite.
Gilbert observou Cecilia por um momento, esfregando o queixo. Ela deve ter sido uma visão bastante lamentável. Após um breve momento de contemplação, ele lançou uma bomba sobre ela com uma sugestão bem-intencionada.
“Você poderia usar o chuveiro do meu quarto.”
“O quê?”
Parecia que o tempo havia congelado por um segundo.
* * *
Uma hora depois…
“Obrigada por me deixar usar o chuveiro, Gil. Desculpe incomodar tanto”, desculpou-se Cecilia sinceramente, torcendo os cabelos e secando-os com uma toalha.
“Não foi nenhum problema”, respondeu Gilbert do sofá, sem sequer levantar os olhos do livro que estava lendo. “Esta era a única opção viável.”
“Haha…”
“Além disso, tenho certeza de que você se meteria em uma confusão ainda maior se eu não tivesse te convidado.”
“O que você quer dizer?” Cecilia inclinou a cabeça. Gilbert finalmente olhou para ela.
“Você não teria acabado se arriscando e indo para o banho comunitário às escondidas?”
“Não, isso seria muito arriscado…”
“Quando você tenta aguentar algo que te deixa desconfortável, sua determinação derrete mais rápido do que um sorvete em um dia quente de verão. Sua cadeia de pensamento seria: ‘Enquanto eu for a única pessoa no banho, meu segredo estará seguro!’ E então, ‘Ficarei totalmente bem se esperar até que todos tenham ido dormir!’ Diga-me que estou errado.”
“Isso soa como algo que eu diria…”
“Não é?”
Cecilia ficou surpresa ao ver como Gilbert poderia prever exatamente como ela teria agido. Talvez ele a entendesse melhor do que ela mesma.
“Você está tão alheia ao perigo que andaria direto para uma cova de leões. Felizmente, alguns leões têm autocontrole.”
“Espere, estou perdida. De que leões você está falando?”
“Não importa”, Gilbert disse secamente e suspirou. Então ele murmurou: “Você pode ignorar os sentimentos das pessoas em relação a você.”
Cecilia inclinou ligeiramente a cabeça, achando os comentários de Gilbert um tanto enigmáticos.
“Bom, de qualquer forma. Você me salvou hoje! Obrigada, Gil!”
Ela sorriu para ele com gratidão e confiança. Gilbert percebeu isso e arregalou os olhos por um momento, mas depois se concentrou novamente no livro. Suas orelhas estavam um pouco vermelhas ou era apenas a luz pregando peças?
Cecilia não conseguia ver os olhos dele muito bem por baixo da franja, mas poderia jurar que estavam um pouco vermelhos nas bordas.
Esquecendo esses detalhes quase no mesmo momento em que os notou, Cecilia sentou-se no sofá ao lado de Gilbert. E deixou um espaço entre eles. Normalmente eles estariam sentados tão próximos que se tocariam, ou até mesmo encostados um no outro, mas não desta vez. Gilbert olhou para o espaço e depois para Cecilia.
“Na verdade, tenho outra coisa pela qual agradecer, que acabei de descobrir. A viagem de férias de verão dos rapazes para nossa casa.”
“Ah, isso.”
“Eu gostaria de retribuir todos esses favores de alguma forma, mas não sei do que você gostaria!”
“Você não sabe do que eu gostaria?”
Após uma pausa de alguns segundos, Gilbert fechou o livro e colocou-o na mesinha de centro em frente ao sofá.
“Que tal você me deixar te abraçar?” ele disse, seu tom muito diferente do habitual.
“…Hein?”