A Vilã, Cecilia Sylvie, decidiu se travestir - V3 02 - Os gêmeos da corda bamba (5)
Nada mais naquele dia deu a Oscar um motivo para levantar a voz tão alto quanto a bizarra adição de Cecilia ao creme. Ela lançou-lhe um olhar interrogativo, sem saber por que ele a impediu. A expressão inocentemente ingênua dela era adorável, mas Oscar não podia deixar que isso o distraísse.
“Por que você colocaria pimenta?! Você definitivamente não quer isso em um creme!”
“Você não conhece esse truque simples, né? Adicionar um toque de calor a um prato doce enfatiza a doçura!”
Ela disse isso com tanta confiança como se estivesse falando sobre adicionar uma pitada de sal a uma melancia. Mas todo mundo sabe que é o sal que realça a doçura, não a pimenta. Para piorar a situação, não eram alguns pedaços de pimenta picadinha que ela queria colocar, nem mesmo algumas fatias, não – ela tinha pimentas INTEIRAS na mão.
Antes que Oscar pudesse pensar em como explicar a ela porque aqueles temperos não deveriam entrar num creme de uma forma que ela pudesse entender, Cecilia os jogou na tigela, sem hesitar. Oscar calculou que fossem cerca de uma dúzia. Era apenas o primeiro passo de sua aventura culinária, mas o que ela preparava já havia perdido o direito de ser chamado de creme. Agora era um prato experimental.
Enquanto Oscar olhava completamente atordoado com o que acabara de testemunhar, Cecilia passou para o próximo ingrediente.
“E agora os ovos! Esmagar!”
Ela os quebrou contra a borda da tigela com força bruta. Isso não foi um erro, não, ela realmente se esforçou. As gemas espalharam-se por toda a tigela, mas essa não foi a pior parte. Pedaços de casca de ovo também caíram. Seria uma dor de cabeça pescar todas elas.
“Opa, entraram alguns pedaços de casca… Ah, bem! É um bônus de cálcio!”
“Você não pode estar falando sério-”
“Acho que terei que esmagá-las, no entanto. Um creme não deve ter pedacinhos crocantes…”
Ela começou a esmagar o maior pedaço de casca com a espátula que usava antes, pressionando-a, como se estivesse amassando batatas, para quebrá-la em pedaços cada vez menores.
“Ok, isso basta!”
Oscar se perguntou por um momento se ele estava tendo alucinações. A essa altura, ele desistiu de tentar corrigir os equívocos de Cecilia sobre culinária e resignou-se a testemunhar os crimes culinários que ela cometia. Ele olhou para Gilbert, que também observava impassível. Então ele se aproximou e sussurrou:
“É sempre assim?”
“Sim. Infelizmente, Nee-san gosta de cozinhar e sempre rejeita qualquer ajuda oferecida…” Gilbert respondeu lamentavelmente, mas com um leve sorriso. Oscar entendeu que o silêncio do outro garoto se devia à sua aceitação do fato de que nada que ele pudesse dizer impediria que esse desastre se desenrolasse diante de seus olhos.
Cecilia agora se preparava para adicionar outro ingrediente. Ela carregou um jarro tão grande que teve que segurá-lo com as duas mãos. Estava cheio de finos cristais brancos.
“Próximo!”
“Espera! Tem certeza de que isso não é sal?!”
“Sim, eu verifiquei de antemão! Eu não cometeria um erro de iniciante como esse, você sabe! Ok, aqui vai!”
Em vez de usar uma colher, ela derrubou a jarra sobre a tigela, despejando uma quantidade ridícula de açúcar.
“Opa, adicionei um pouco demais.”
O açúcar estava empilhado na tigela como uma pequena montanha nevada. Cecilia pegou serenamente a espátula novamente e usou-a para mexer ao acaso o conteúdo da tigela.
“Quanto mais doce melhor, certo?”
O barulho vindo da tigela não parecia o que você deveria ouvir ao fazer creme. O rosto de Oscar congelou de terror.
“Não se preocupe, alteza. Não é suficiente para matar uma pessoa.”
“Então você está me dizendo que está tudo bem, desde que não nos mate?!”
“Bem, não podemos fazer nada sobre isso. Ela não vai ouvir.”
Oscar não sabia o que dizer a Gilbert, que havia feito as pazes com seu destino. Ele sentiu um puxão em sua manga e olhou para baixo para ver Jade segurando-a, com lágrimas brotando de seus olhos.
“Está ficando um pouco assustador. Ele vai nos alimentar com isso? Temos que comer isto?!”
“Bem…”
“Eu… eu vou impedi-lo!”
Percebendo o perigo que corriam, Jade decidiu salvar eles da culinária de Cecil. Porém, quando ele estava prestes a dizer algo, Cecilia se virou para os meninos e deu-lhes um sorriso ofuscantemente brilhante.
“Obrigado por fazer isso por mim, pessoal! Sou totalmente amador nisso. Eu nunca fiz comida para ninguém fora da minha família antes, então será muito útil receber seu feedback!”
Sua sincera gratidão, aliada àquele sorriso comovente, fez Jade engolir suas palavras de protesto.
‘É tarde demais para tentar sair dessa…’
Os três meninos ficaram em silêncio, esperando que Cecilia terminasse de preparar seu quase creme.
* * *
Uma hora depois, as três vítimas de Cecilia mal davam sinais de vida. Oscar estava caído em uma cadeira, como um boxeador nocauteado. Gilbert ficou cobrindo a boca com a mão, talvez preocupado com a possibilidade de não se levantar novamente, se tentasse sentar. Jade estava esparramado de costas sobre três cadeiras alinhadas, os olhos abertos, mas sem ver nada. Apenas a envenenadora deles ainda estava em boa forma, embora ela pairasse ansiosamente ao lado dos meninos.
“E-eu sinto muito! Eu tinha certeza que seria uma delícia!”
Ela estava quase chorando. Oscar ergueu a cabeça.
“Como você poderia esperar que isso passasse por comida está além da minha compreensão.”
“Poderia ter sido pior. Pelo menos todos os ingredientes eram comestíveis desta vez.”
“Minha boca está queimando… sinto como se estivesse comendo areia…”
No entanto, de alguma forma, todos conseguiram limpar os pratos. Apenas a fatia do objeto parecido com creme de Cecilia permaneceu.
Jade levantou-se, trêmulo, e agarrou-se a Gilbert.
“Gil, ajuda…”
“O que está errado?”
“Eu vou vomitar…”
“Hein?!”
“Não consigo andar sozinho… Leve-me ao banheiro… Urgh…!”
Jade estremeceu e depois se dobrou para vomitar. Ele estava claramente no seu limite. “Tudo bem, tudo bem! Apenas tente segurar até chegar lá!”
Gilbert colocou o braço em volta dos ombros de Jade e o conduziu até a porta, mas antes de saírem, ele se virou para encarar Oscar.
“Não vamos demorar muito!”
Ele estava alertando o príncipe para não tentar nada. Só para garantir.
Como Oscar descobriu que Cecil era na verdade Cecilia, Gilbert estava ainda mais vigilante para mantê-lo longe dela. Oscar costumava pensar que o irmão dela era muito dedicado à irmã, mas ultimamente começou a suspeitar que sua superproteção com ela não era totalmente saudável.
Tendo dito o que queria, Gilbert saiu com Jade. Cecilia estava se desculpando com a voz chorosa até que desapareceram no corredor. Ela realmente parecia abalada. Seu creme não só foi um fracasso total, mas também deixou Jade muito doente. Cecilia baixou a cabeça em desespero.
“Não deixe isso te afetar tanto. Todos nós cometemos erros às vezes”, Oscar disse a ela.
“Eu acho que sim…”
Embora Oscar não tivesse muita certeza de que esse desastre pudesse ser considerado “apenas um erro”, ele queria dizer qualquer coisa para fazê-la se sentir melhor. Vendo que seu comentário não ajudou, ele suspirou e se levantou. Em seguida, ele desabotoou os botões dos punhos e arregaçou as mangas.
“Tudo bem, vamos limpar!”
“O quê?” Cecilia olhou para ele com os olhos úmidos de lágrimas.
“Fazer algo produtivo ajudará nós dois a nos sentirmos melhor.” Ele pegou a tigela, mas Cecilia se apressou em impedi-lo.
“Você não precisa fazer nada, Oscar! Eu vou arrumar!”
“Prefiro não deixar isso com você, ou pode acabar tão mal quanto a sua comida.”
“Ah… hum…”
Ela se encolheu novamente. Oscar sorriu para ela.
“Eu só estava brincando. Deixe-me ajudar, já que não tenho mais nada para fazer de qualquer forma.”
“Certo… Ok, vamos fazer isso juntos.”
Eles começaram a lavar louças e utensílios de cozinha na pia, lado a lado. Cecilia fez beicinho enquanto esfregava o açúcar queimado da panela.
“Mas onde foi que eu errei com meu creme?”
“Não tente fazer outro antes de descobrir isso. Você só desperdiçaria ingredientes.”
“Bem, sim, mas…”
“Se você está tão decidido a dar um creme para os gêmeos Machias, compre um ou peça a alguém para ajudá-lo a prepará-lo. Caso contrário, é melhor você começar a planejar seu elaborado pedido de desculpas por causar-lhes uma intoxicação alimentar.”
“Suponho que você esteja certo…”
Cecilia sorriu de forma autodepreciativa diante de seu conselho razoável e assentiu gravemente.
“A propósito, você está se sentindo bem? Você comeu toda a sua porção.”
“Estou bem por enquanto. Provavelmente vai me atingir à noite.”
“Você não deveria ter terminado o prato…”
“Eu não poderia ter deixado nada. Você que fez.”
Oscar sacudiu a água da espátula e da tigela e colocou-as sobre um pano de prato para secá-las. Só então percebeu que Cecilia o encarava. Ela sorriu timidamente quando seus olhos se encontraram.
“Você é um bom amigo. Obrigado.”
Ela voltou a esfregar a panela, mas seu ânimo parecia ter melhorado um pouco. Oscar olhou para o topo da cabeça dela enquanto ela estava curvada sobre a pia.
“Eu não teria feito isso apenas por um amigo.”
Muito lentamente, Cecilia levantou a cabeça e encontrou seu olhar novamente.
“Eu só faria isso por você.”
Demorou cerca de três segundos para seu rosto ficar vermelho. Pela primeira vez, o significado implícito dele não passou despercebido por ela. Ela rapidamente desviou o olhar, gaguejando “S-sério?” com uma voz estranhamente aguda.
Por alguns minutos, nenhum deles disse uma palavra. Os únicos sons eram tinidos e tilintados de talheres sendo limpos e guardados, o que de alguma forma deixou Oscar nervoso. Cecilia, ainda corada, finalmente falou.
“Você gosta de mim, Oscar?”
“Sim.”
“No sentido, hum, romântico?”
“Isso mesmo.”
Cecilia precisou reunir toda a sua força de vontade para fazer essa pergunta, mas Oscar respondeu prontamente, sem rodeios. Talvez ele devesse ter elaborado um pouco mais sobre isso, mas não conseguiu pensar em mais nada para acrescentar.
Ele olhou para Cecilia com o canto do olho. Ela não pareceu desanimada com o que ele disse, apenas confusa. Seus olhos estavam bem abertos, disparando em todas as direções.
“Oscar, preciso te contar uma coisa…”
“Hmm?”
“Na verdade, eu não sou um… Caramba!”
Quando ela se virou para ele, fez um gesto com a mão, esquecendo-se da torneira aberta. O jato de água de alta pressão atingiu as costas de sua mão e espirrou em seu rosto. Também pegou Oscar.
“Cecil…”
“Sinto muito…”
Levou apenas um momento para os dois ficarem encharcados. Toda a roupa de Cecilia estava encharcada, enquanto Oscar só foi pego no lado esquerdo.
“Sério, o que você estava pensando…? Eh?”
Quando ele, inconscientemente, baixou o olhar do rosto dela para o peito, ele notou algo aparecendo através da camisa molhada – uma marca de rosa vermelha.
‘Eu sei o que é isso…’
Era o símbolo que significava que ela era uma das candidatas à Donzela Sagrada.