A Relação simbiótica entre uma lebre e uma pantera negra - Capítulo 93
Quando despertei, já era meio-dia. Imaginei que Meimi tinha estado no quarto desde o meu desmaio, pois o vestido lilás tinha sido substituído por uma camisola. O ferimento em minhas mãos também tinha sido tratado.
‘O que foi isso?’
Me sentindo ao mesmo tempo frustrada e aliviada pela ausência de Ahin, enterrei a cara em um travesseiro, resmungando automaticamente. Lágrimas de vergonha fluíram, ensopando a fronha.
‘Por que eu tive que perder a consciência logo naquele momento?’
Podia ter questionado mais sobre os ataques de feromônios. E também, os lábios da besta… não, se pudesse ter tocado seu coração uma vez mais… Enquanto me remexia, com o rosto vermelho, algo preto saltou na cama de repente.
“Arrgh!”
Por reflexo, protegi o rosto com as mãos, gritando.
“Socorro… Quê, Ash!? Que susto….”
Suspirei de alívio. Ash, que parecia ter pensado que eu estava agindo de forma estranha por estar doente, ainda parecia preocupada, mesmo após ter checado que eu estava bem. Ela deitou em cima de mim. Era um sinal de que queria que eu a acariciasse. Ficava dificil respirar com o peso dela, mas ignorei e comecei a alisar os pelos negros.
“Não estou doente, está tudo bem.”
Só estava tentando não ser esmagada até a morte. Quando Ash se acalmou e rolou para o meu lado, pude ver alguém parado ao lado do pé da cama. O cumprimentei, chocada.
“…Oi, Barra.”
Barra virou a cara, com uma bufada. Como Ash, creio que estava tentando checar se eu estava doente.
“Senhorita Ash, fora da cama, agora.”
A voz de Meimi, surgindo da entrada, fez Ash congelar. Ela tinha violado a regra de não subir da cama. Quando Ash, com as orelhas abaixadas, desceu do móvel, Barra se aproximou, me indicando com a pata. Acho que ele estava tentando dizer a Meimi que tudo era culpa minha, e que os lençóis estavam sujos por minha causa.
“Barra.”
Meimi o repreendeu com uma voz severa, não acreditando nem por um segundo. Talvez pensando que teria que trocar os lençóis de qualquer maneira, Meimi apenas suspirou, me trazendo um copo de água.
“Vou ajudá-la a se trocar, Senhorita.”
“…E Ahin?”
“Ele foi chamado pela Senhora. Trouxe o jornal do território das lebres, como tinha me pedido.”
“Mesmo?”
Me levantei rapidamente. O que Meimi me entregou foi um jornal de alguns dias atrás, publicado no território das lebres.
‘…Não tem nada aqui.’
Sentada na cama, vasculhei o periódico. A questão do incêndio da mansão do líder do clã parecia estar sendo investigada em segredo, pois não tinha uma única linha sobre isso. No entanto, pensei que esse assunto já tinha terminado, de qualquer modo. Minha família tinha sido extinta. Empurrei o jornal para longe, por causa de um sentimento de arrependimento que ainda persistia, lá no fundo.
“Meimi… não precisa mais trazer esses jornais.”
“Sim.”
“Vai relatar isso para Ahin, também?”
Os olhos vermelhos de Meimi tremeram por um momento, antes de retornar a seu estado inexpressivo de sempre.
“Não relato todas as pequenas coisas que acontecem.”
Ela queria dizer que não iria falar sobre isso. O número de exceções tinha aumentado comparado com os primeiros dias, quando ela dizia para ele quantas vezes eu tinha balançado a pata por dia. Sorrindo, rolei na cama sem nenhuma razão.
“Senhorita Coelha, não role como fazia quando era coelha em sua forma humana.”
Imediatamente, a repreensão de Meimi apareceu.
“Mas…”
“Nada disso. Logo, logo, o Senhor Wolfes virá visitar. E depois de experimentar as roupas que ele trará, a Senhora Valence quer vê-la, então vamos começar os preparativos.”
Depois de anunciar a agenda do dia, Meimi me puxou para fora da cama e me jogou sobre o próprio ombro. No meio do caminho para a banheirinha de coelho que ela costumava usar para me lavar de manhã, ela parou. Pareceu ter percebido que o peso sobre seu ombro era maior que o normal.
“Meimi, eu consigo sair da cama sozinha agora.”
“…Sinto muito.”
Como era possível confundir uma pessoa com um coelho… No entanto, por ser plausível nesse contexto, esse tipo de confusão só complicava mais a cabeça das pessoas.
***
Os criados da mansão Grace estavam animados pela primeira vez em muito tempo. Enquanto trabalhavam, eles ficavam olhando ao seu redor, como se procurassem alguém. Eventualmente, o Chef sacudiu sua espátula.
“Chega de falar sobre a ninfa o tempo todo! Parem de besteira e trabalhem nas tortas!”
“Chef, nos dê um desconto. Está dizendo isso porque não a viu passando pelos corredores. Ela tem uma aparência totalmente diferente de nós, do clã das panteras negras.”
Os assistentes de cozinha, cochicharam, animados.
“Chega de fofocas! Onde está seu orgulho como cozinheiros?”
“Mas, Chef, o senhor secretamente não queria que a Senhorita Coelha viesse visitar a cozinha outra vez? Não seria bom se ela viesse na forma humana dessa vez?”
“Estão falando de nosso ambiente de trabalho sagrado!”
“Mas Chef, desde aquele dia percebi que, quando o senhor afiava suas facas, o fazia como se fossem espadas, e estivesse se preparando para uma batalha-“
“Vão trabalhar!!!”
Os gritos puderam ser ouvidos pelo lado de fora da porta.
Valence, que passava por ali, seguiu pelo corredor. No salão de reuniões, Ahin e Lillian estavam sentados no sofá.
“Estou falando, velho, pare de dizer coisas desnecessárias a ela.”
“Eu falo o que eu quiser, neto ingrato!”
Os dois estavam brigando, como sempre. Valence se sentou na cadeira principal e olhou para seu sogro e filho, que discutiam, sentindo uma leve tontura.
“Eu sou Valence Grace, a líder do clã das panteras negras e chefe da família Grace.”
Era um fato que ninguém do clã das panteras negras desconhecia. Ahin e Lillian piscaram devagar, se perguntando por que tinham sido convocados para esta reunião.
“Ainda assim, sinto que estão me deixando de fora das informações importantes que acontecem no meu território. Não, mesmo o que ocorre na minha própria mansão.”
Valence, pronunciando cada palavra com firmeza, apontou para os dois. Frustrado, Lillian retrucou.
“Do que está falando? Quem fez tal coisa…!”
“Eu fui a única que não viu.”
“Do que está falando? Este velho viu algo que Valence não…”
Ele parou no meio da frase. Ahin, também entendendo do que Valence falava, franziu a testa.
“Eu não vi a ninfa. Voltei mais tarde após visitar o túmulo ontem. No entanto, ouvi falar que meu sogro tomou chá com ela na estufa. E que Ahin a viu pela noite. Mas eu? Não vi nem mesmo a sombra.”
O que tinha perturbado Valence era a coelha ninfa. Lillian bateu com a bengala no chão. A mansão estava cheia de loucos, e tudo por uma única coelha. Valence, segurando a barra do vestido, se levantou.
“Tenho que ir procurá-la antes que volte à forma de coelho.”
“Não vá embora, vamos ter a reunião primeiro! Por que nos chamou aqui?”
Lillian, retrucando, a fez sentar de novo. Ainda lançando olhares nervosos para a porta, Valence se endireitou.
“Como sabem, logo será o aniversário de Ahin.”
“Então, o que quer saber é como farei para apresentar Vivi aos convidados.”
“Meu filho é perceptivo.”
O aniversário de Ahin, que todo ano gerava um grande banquete, era o evento do ano para muitos. Agora que a existência de Vivi tinha sido divulgada pelos jornais, os anciões da família e as famílias associadas certamente iriam querer se intrometer. Ahin alisou o queixo, se lembrando sobre o que estavam discutindo.
“Basta uma palavra de minha mãe para calar todos eles.”
“E por que eu deveria fazer isso por você?”
“Então não se importa de Vivi ficar envolvida numa briga política?”
Sem responder, Valence se afundou na cadeira. Ela não tinha nenhuma restrição sobre Vivi no momento. Seja quando ia comer um piquenique no jardim, ou passear pela mansão, ou a vestir com várias roupinhas na Mansão Coelho, Valence era livre para dar afeição à coelha. Em pouco tempo, ela tinha ficado encantada pela bolinha de algodão.
“…Quer que sua mãe resolva todos os problemas que você mesmo criou?”
“Aceitarei isso como meu presente de aniversário.”
Lillian, observando a batalha de nervos entre os dois, sorriu.
“A coelha é muito esperta, e aprende as coisas num piscar de olhos. Se o status de sua família for o problema, posso arranjar para que ela seja adotada por outra família aliada. Os anciões são pessoas razoáveis, e podemos falar com eles. Mas ainda assim… o casamento do futuro líder do clã não é um assunto trivial. Hmm….”
Percebendo que ambos Ahin e Valence o encaram, atônitos, Lillian tossiu para disfarçar. Ahin se aproximou e tocou a testa de Lillian.
“Velho, você andou bebendo a essa hora da manhã?”
“Como ousa…!”
“Então, nessas poucas semanas, já passou a gostar tanto assim de Vivi?”
Lillian, tossindo como louco, evitou o olhar de Ahin. Ao virar o rosto, suas orelhas, que ainda podiam ser vistas, estavam vermelhas.
“Ela tem muitos conhecimentos. Memorizou a maioria dos livros da biblioteca.”
“Como se comunicou com ela na forma de coelha?”
“Ela usou cartões e apontou com as patas… Bem.”
Lillian decidiu aceitar a realidade de uma vez.
“Ela deve ter lido os mesmos livros várias vezes.”
“Como?”
Vivi lia e relia os livros que Valence tinha dado a ela quando se conheceram, de novo e de novo. A observando, Ahin e Meimi achavam que devia ter sido porque ela havia gostado muito do conteúdo. No entanto, quando ela foi levada à biblioteca, ela caçava livros novos como se fosse um pescador tirando peixes do mar. Ahin não tinha pensado em arrumar mais livros porque ela apenas voltava ao início dos mesmos, não tendo ocorrido a ele a ideia de dar-lhe livros novos. Se arrependendo de tê-la feito usar os mesmos volumes até estarem gastos, Ahin mudou de assunto.
“Mãe, quando foi que ensinou habilidades para Vivi?”
“Habilidades?”
“Como mirar e atirar feromônios com os dedos.”
“Que história é essa? É preciso aprender isso? Não é algo que todos já sabem?”
Valence o olhava como se ele estivesse falando grego.
“Então foi você, velho? Antes de ela ir para o território das lebres?”
Lillian negou com a cabeça.
“Como poderia ter ensinado quando ela nem chegava perto de mim por medo naquela época?”
“…Então, quem foi que ensinou?”
“Como é que eu posso saber?”
A dúvida pairou sobre a sala de reuniões. Ahin, olhando para o nada, lambeu os lábios. Teria ela aprendido sozinha? Pensando que era impossível, ele chacoalhou a cabeça. Atirar feromônios era uma tática avançada, então Meimi, que era uma criada, não podia usá-la, muito menos ensinar. Evelyn tinha dito que não tinha sido ele. Quinn não tinha feromônios muito fortes, e além disso, seu relacionamento com Vivi não o permitiria ensinar nada a ela.
‘Alguém com feromônios fortes o bastante e que possa ensinar essa habilidade a Vivi…’
“Rune Manionz.”
Ahin, tendo descoberto a resposta, pensou que isso era ridículo. Ele riu alto.
Tradução: Nopa.
Revisão: Holic.