A Relação simbiótica entre uma lebre e uma pantera negra - Capítulo 90
Ahin, após piscar várias vezes, inclinou a cabeça para o lado. O rosto de Vivi podia ser visto com mais detalhes dessa perspectiva.
“Quero que me explique tudo de uma vez.”
Como uma torneira quebrada, os olhos de Vivi não paravam de soltar lágrimas. Se segurando para não sorrir, ele endireitou a boca. O nariz dela estava vermelho, e sua trança fora de moda estava desarrumada. Ele pausou enquanto procurava no bolso por um lenço para enxugar as lágrimas dela. Percebendo que não havia lenço nenhum, ele tirou o paletó e entregou a ela. A coelha feroz o jogou para longe. Abaixando a cabeça, ela fechou os olhos com força. Queria que as lágrimas parassem para poder perguntar direito.
“Os seus feromônios de cura podem ser capazes de evitar os ataques. Para ser direto, ele precisa dos seus feromônios.”
Lillian havia dito que os feromônios curativos eram muito raros e que esperava que ela pudesse ficar sempre junto à família Grace. Em resumo, o que ele queria era garantir a segurança do neto, a mantendo por ali.
“Qual é a sua relação com meu neto?”
Ele não tinha ideia que estava tentando usar o coração de Vivi como um meio para conseguir seu objetivo. Muitas emoções passaram pela mente confusa de Vivi. Ela não achava ruim que precisassem dela, mas no fim, estava sendo usada. E odiava Ahin por fazer com que tudo parecesse trivial. Ainda mordendo os lábios, ela ergueu a cabeça de repente.
“Desde quando?”
Os olhos de Ahin tremeram perante o movimento repentino de Vivi, que estava até então em silêncio.
“…O quê?”
“Quando você começou a ter os ataques?”
Apesar de seus esforços para permanecer calma, a voz de Vivi ficou mais alta.
“O pai de Ahin morreu por causa dos ataques de feromônios! Mas o vovô não sabia que você também tem os ataques! Por que não contou a ele? Por que não contou a mim!?”
Perante a interrogação inesperada, Ahin suspirou e passou a mão sob o rosto. Parecia resignado. Vivi voltou a apertar os punhos. Os olhos vermelhos de Ahin captaram o movimento. As unhas dela estavam mais uma vez enterradas na carne, sob a ferida já aberta.
“A sua mão.”
“Não é hora de pensar nisso! Certo, pode ser algo difícil de falar, eu sei. Mas você tinha que ter me contado, afinal, isso..!”
Vivi, falando sem parar, se moveu, começando a sair da mesa, mas logo parou quando Ahin falou em uma voz sem emoção.
“…Afinal, isso pode me levar à morte.”
Os olhos violeta claro tremeram e Vivi voltou a se sentar no chão. Ela mal conseguiu responder.
“Por que não me contou…”
As lágrimas caíram no vestido lilás. Só podia se escutar seus soluços no quarto silencioso. Ela esfregou os olhos com as costas da mão, os deixando vermelhos. Ahin olhou Vivi, que não parava de chorar. Ela parecia se esforçar para não soluçar alto, apenas enxugando as lágrimas com as mãos. Ela saberia como isso fazia quem olhava se sentir?
“Por quê…!?”
Vivi expressou sua frustração ao golpear o chão. Ahin olhou os pequenos punhos e sorriu levemente. Ela não tinha mais lágrimas nos olhos. Seu rosto estava vermelho e o cabelo, grudado. Seu lábio estava inchado porque ela o tinha mordido para não chorar. Pensando que ele estava gostando de vê-la nesse estado, Ahin sentiu um nó no estômago. Seu olhar se fixou nas mãos de Vivi. O leve cheiro de sangue dos ferimentos pairava no espaço debaixo da mesa. Os feromônios que Vivi tinha espalhado sem perceber, devido a sua alteração emocional, também estavam misturados.
Era um odor perigoso. Estimulado pelo cheiro familiar e gentil, ele respirou fundo. Enquanto isso, Vivi, olhando para Ahin, que virou o rosto para o outro lado, parou de socar o chão. Os olhos vermelhos estavam cobertos pela escuridão. A sensação de estar de frente a um predador faminto a atingiu. As lágrimas desapareceram e sua visão se focou. Nervosa, Vivi começou a tatear ao seu redor, sentindo a parede atrás de si.
Só então ela percebeu a contradição. O espaço embaixo da mesa podia ser um local seguro do mundo exterior, mas também significava que ela não teria para onde fugir. A única saída estava bloqueada por Ahin, que parecia diferente do habitual.
“Se eu tivesse contado, o que você poderia fazer?”
Ahin falou, e seus caninos foram revelados, disparando o instinto de Vivi. Ela não conseguia tirar os olhos dos dentes que ela sabia que podiam facilmente perfurar sua carne.
<Fuja.>
Era como se uma voz estivesse gritando em seu ouvido. Os olhos ficaram grudados nos caninos afiados… Ela sentiu o sangue congelar em seu corpo. Precisava fugir. Ao retroceder, as costas de Vivi tocaram a parede.
“Vivi?”
Ela jogou os braços sobre o rosto num ato de auto-proteção. Era um instinto primitivo. Seu coração estava acelerado. Eventualmente, ela se acalmou um pouco. Quando removeu o braço que bloqueava sua visão, pôde ver o rosto de Ahin, igual a sempre. O medo intenso que ela tinha acabado de sentir tinha sumido como se fosse um sonho. Vivi respirou fundo, sem se mover. Ela tinha receio que ele tivesse percebido o seu pânico.
Não havia tantas diferenças entre herbívoros e predadores. Mas então, porque eles não ultrapassavam a distância que existia entre eles? Ela esteve pensando sobre isso ultimamente. Os cavaleiros, que pareciam assustadores e meio difíceis de lidar, assim como o mordomo e a governanta, que pareciam estritos, eram apenas pessoas que tinham firmes princípios e respeitavam regras. Eles apenas eram um pouco maiores, mas não eram diferentes da Professora Janna ou Russell.
Ela tinha pensado mais e mais nisso, e depois de retornar do território das lebres, realmente se sentia mais confortável no clã das panteras negras. Se ao menos os outros herbívoros pudessem se sentir assim… Ela não conseguia compreender a linha invisível que separava os predadores dos herbívoros.
“Vivi, você está bem?”
A voz grave de Ahin a fez erguer o olhar.
“Ah… o que você falou…?”
“Se eu tivesse te contado sobre os ataques de feromônios, o que você poderia fazer?”
“Eu, eu não…”
Sem conseguir encará-lo, ela gaguejou.
“Oh…”
Então, tendo conseguido esvaziar a cabeça, Vivi tocou na testa de Ahin. Ele a olhou, e vendo que ela ainda tinha os olhos postos no chão, segurou a mão que tocava sua testa, a afastando. Os cabelos prateados caíram de volta em seu lugar.
“Está com medo de mim?”
O comportamento estranho dela não podia ter outra explicação. Os ombros trêmulos de Vivi responderam a pergunta.
“É por causa dos meus caninos?”
Ahin, que estava no topo da cadeia alimentar onde quer que fosse, nunca tinha experimentado tal medo. Mesmo no futuro, seria impossível para ele entender tal coisa, pois não haveria nada neste mundo que pudesse provocar tal reação nele. Mas ele sabia que a reação de Vivi ia além do nervosismo. Ele entendia.
Empalidecer, olhos tremendo, e se proteger com os braços eram reações familiares. Ele já tinha visto isso todas as vezes que estava prestes a matar alguém. Ahin imaginou que o pânico que Vivi sentiu naquele momento era semelhante.
“Conversamos mais tarde.”
Julgando que seria melhor se afastar do que assustá-la mais ainda, ele se preparou para se afastar da mesa. Vivi esticou o braço e agarrou a manga da camisa de Ahin.
“Para onde vai!? Ainda não acabamos de falar!”
“E é possível?”
“Quê?”
“Você, falar comigo nesse momento. É possível?”
Ahin, ajoelhado, olhou para Vivi, parecendo ser ainda maior que de costume. A mão dela, agarrando a manga, a apertou com mais força.
“Você ainda não ouviu minha resposta.”
“Que resposta?”
“…O que eu poderia fazer se você tivesse me contado sobre os ataques de feromônios.”
Ahin não esperava que ela respondesse da primeira vez, e menos ainda depois de ter percebido o pânico de Vivi. Ele sorriu. Olhos dela se estreitaram quando percebeu que ele devia estar rindo da cara dela.
“…Não percebeu? Quando você teve um ataque de feromônios naquela noite no território das lebres, os meus feromônios de cura ajudaram, não foi!?”
“Sim.”
“Então, por que age desse jeito? Eu posso ajudar com o seu problema-”
“Não seja arrogante.”
A voz de Ahin, que até então estava relaxada, ficou fria em um instante. Pensando que ele poderia ir embora, ela aumentou a força na mão que segurava a manga de sua camisa.
“Você acabou de se humanizar pela primeira vez, e quer abusar de seus poderes para curar os meus ataques?”
Ahin enrolou as mangas, de modo que os dedos de Vivi foram forçados a largá-la, um por um.
“E você ainda tem medo de mim. Como pretende fazer tantas coisas?”
“Eu….!”
Ahin, a afastando por completo, olhou para Vivi com olhos arrogantes.
“Cuide de si mesma antes de tentar ajudar os outros.”
Cada palavra parecia uma adaga que se cravava nela. Pensando que deveria recuar, ele afastou o olhar do rosto trêmulo de Vivi.
“Hoje…”
Ahin, pensando em algo para mudar de assunto, não percebeu que os olhos violeta claro brilhavam, determinados.
“Como você conseguiu se humanizar-”
Whoosh.
Puxado pelo colarinho enquanto estava distraído, Ahin foi arrastado para debaixo da mesa. Tentando se levantar, ele bateu a cabeça com força no tampo do móvel. O ataque inesperado doeu mais do que ele esperava. Quando, grunhindo de dor, ele recuperou a visão, o rosto feroz de uma herbívora estava a centímetros do seu.
Tradução: Nopa.
Revisão: Holic.