A Relação simbiótica entre uma lebre e uma pantera negra - Capítulo 87
“A Senhorita Coelha teria descoberto tudo quando o Lorde Ahin voltasse à noite. Se ao menos tivesse mais paciência…”
O cavaleiro coçou a testa, com uma expressão aflita.
“Não precisamos esconder de qualquer modo, pois todos sabem o que está acontecendo. Se ao menos você tivesse nos perguntado diretamente…”
Vivi, parando no portal, olhou para trás.
“Então por que você não falou logo?”
“Olha quem fala, você ficou sem calças por causa dela.”
“Ugh, não pode falar sobre isso pra ninguém, está ouvindo!?”
E a briga continuou, parecendo que não teria fim.
<Pessoal, eu quero saber agora.>
Juntando as patas dianteiras, preparei um “olhar de coitadinha” supremo. Os olhos dos cavaleiros, ao receber esse ataque mortal, tremeram.
“…Hoje é o aniversário da morte do Lorde Edith.”
<Edith?>
“É o marido da Senhora Valence e pai do futuro líder.”
***
Ao entrar no quarto, a primeira coisa que fiz foi checar a varanda. Normalmente, Ahin deixava Quinn de guarda nos dias em que ficava fora. Do outro lado do vidro, como esperado, estava Quinn, empoleirado no parapeito, me olhando com os olhos estreitados.
O traidor que contou para Ahin que eu tinha me encontrado com Rune. Que pena.
Tang.
Batendo o bico no vidro ameaçadoramente, Quinn me encarou. Parecia dizer “você só está segura pela existência desse vidro”.
Dando passos para trás, entrei no meio das pernas de Ash. Ela se enrolou em uma bola ao meu redor protetoramente. Era quentinho.
Ahin devia ter ido visitar o túmulo de seu pai. Agora entendi porque a senhora Valence desmarcou nosso chá e também porque o vovô não veio dar a aula. Todos os criados estavam vestidos de preto… era algo não familiar para mim, porque eu nunca tinha visto nada parecido na mansão Labian.
<Aniversário da morte… do pai dele…>
O fato de que ele tinha morrido não me era tão surpreendente, pois já tinha notado sua ausência desde que tinha chegado na mansão Grace. No entanto, o que me perturbou foi a breve explicação dada pelos cavaleiros.
“O Lorde Edith, esposo da líder do clã, morreu muito jovem.”
Disseram que a causa foi uma doença crônica e somente os membros da família Grace sabiam do que se tratava. Esfregando o rosto nos pelos pretos de Ash, me remexi.
Como os cavaleiros tinham dito, a morte do marido de uma líder de clã era algo que faria mesmo as pessoas de outros territórios se interessarem.
<Mas por que Ahin não me falou uma palavra sobre isso, nem mesmo hoje de manhã?>
Ele não precisava me falar, mas também não havia nenhuma razão para não fazê-lo. Ele tinha tido muitas chances, também. Só conseguia pensar que deixou de me contar de propósito. Mas, por qual motivo?
‘O pai de Ahin. Doença crônica. Vovô. Aniversário da morte…’
Palavras soltas começaram a aparecer em minha cabeça. Uma ansiedade estranha cresceu, enrolando meus dedos do pé. Me remexendo, pensei na pior situação de todas.
<Não pode ser…>
Seria demais… meu coração disparado não mostrou sinais de que se acalmaria, e minhas patas tremiam. Me levantei e andei até o quarto anexo, onde ficavam as roupas de Ahin. Naturalmente, Ash e Barra foram atrás. Eu os olhei com dureza.
<Não me sigam.>
Infelizmente, minha ameaça não funcionou com Ash. Em vez disso, Barra, entendendo minha intenção, me mandou um olhar de desaprovação e se colocou entre mim e Ash. Com um olhar feroz, ela parecia dizer “como ousa me bloquear?” E os dois começaram a brigar.
<Sinto muito, e obrigada.>
Barra, com seu amor não correspondido que já durava anos, não conseguia nem mesmo brigar com Ash. Dei minhas costas ao sacrifício e entrei no quarto.
Entre as roupas de Ahin, haviam muitos itens caros. Um gaveteiro estava afastado, contendo as coisas mais valiosas, e ao seu lado havia um espelho de corpo inteiro. Ali era o único lugar do quarto que era um ponto cego para Quinn, que olhava através do vidro. Se eu ia me transformar em humana, não tinha muito tempo.
De frente ao espelho, engoli em seco. Até agora, somente tinha me humanizado ao absorver os feromônios de algum predador forte. Meus feromônios respondiam, se agitando, e depois de muita dor, eu virava humana.
<Mas, então…>
Será que agitar os feromônios por contra própria não teria o mesmo efeito? Naturalmente, tinha a possibilidade de em vez disso, eu ter um ataque de feromônios e muita dor. Por ter sentido a dor intensa muitas vezes, o medo apertava meu estômago. Andando de um lado para o outro, estapeei minhas próprias bochechas.
Não saberia se não tentasse. A única outra opção era esperar que obtenham o Ferenium. Mas poderia demorar muito tempo, e eu iria ficar ansiosa até lá. Neste exato momento, queria virar uma pessoa mais do que nunca.
Concentrando meus feromônios devagar, senti uma sensação familiar por todo o corpo. O poder que antes eu tanto temia agora parecia corriqueiro. Olhei para o espelho com o canto do olho e vi um coelho bebê. Depois de sentir cada veia do corpo pulsar, aumentei a intensidade dos feromônios, além do que eu costumava usar.
<Mais, mais…>
Prossegui como se subisse uma escada. Concentrei os feromônios mais e mais… até que quase não podia me manter de pé…
<Mais, mais…>
Boom.
A dor que eu conhecia bem atingiu meu corpo como um raio.
***
A minha aposta arriscada foi um sucesso. Rangi os dentes enquanto jogava o cabelo branco para trás das orelhas.
“Não doeu tanto assim…”
Como sempre após me transformar, eu estava pelada. Era por isso que eu tinha vindo para esse quarto. Depois que a dor passou completamente, fiquei de pé e fui para os cabides.
‘Mas, isso…’
Franzi a testa. Para ser honesta, usar as roupas de Ahin era tão assustador quanto me humanizar. Que tecido seria o mais barato? No entanto, o fato que ele tinha um quarto anexo só para as roupas já mostrava que não existia preocupação com gastos.
E se eu acabasse escolhendo algo tão caro quanto o Ferenium? Não poderia deixar um rasgão, nem um amassado, em nada…
Tremendo, me lembrei de repente do que Meimi tinha dito.
“Senhorita Coelha, no caso de uma emergência, venha para cá. Junto com o Lorde Ahin, preparei isto.”
Na hora, eu estava brigando com Quinn, então não prestei tanta atenção. Correndo como o vento, fui direto à porta que Meimi tinha apontado, na lateral do quarto anexo. Ao abri-la, um espaço que só podia ser descrito como um closet se revelou. Entrando, mordi os lábios pra não chorar.
Havia roupas do meu tamanho por todos os lados. Dava para ver quem era a dona somente olhando as costuras, pois todas eram fáceis de vestir sozinha. Queria brigar, não só com Meimi, mas também com Ahin. Como me davam algo tão bonito assim, tão casualmente…
Ignorando meu coração esmagado, escolhi uma roupa próxima. Era um vestido que ia até os tornozelos, da mesma cor de meus olhos. Depois de me vestir, já ia saindo, mas parei.
<Ah, foi por pouco.>
Também precisava de sapatos, não bastavam as roupas. Esse erro quase me fez sair por aí descalça.
Após colocar sapatilhas e uma capa, me olhei no mesmo espelho. Longe de ser uma ninfa, parecia uma mulher-besta coelho a ponto de ter um colapso. Será que amanhã o rumor que eu era uma bela ninfa seria substituído com o de ser apenas uma coelha descabelada?
“…De qualquer modo, não importa.”
Mas na verdade, me importava. Engoli a vontade de colocar uma máscara para esconder meu rosto também e saí do quarto anexo. Quinn ainda estava bicando o vidro, claramente me procurando.
“Quinn.”
Quando me aproximei, os olhos agudos se arregalaram. Logo, abri a janela e, em um movimento, segurei a águia com as mãos.
“Faz um tempo.”
Quinn, que não podia nem me bicar nem me atacar com feromônios, tentou escapar. Mas logo puxei a gaiola decorativa que havia no quarto e o joguei lá dentro.
Click.
“É isso que acontece quando você subestima uma mulher-besta coelho.”
O corpo de Quinn tremeu ao me escutar. Ele poderia voltar a forma humana e romper a gaiola, mas isso seria uma vergonha.
“Eu volto logo e te solto. Preciso fazer algo antes de ir procurar Ahin, então fique aí quietinho. Tome isso.”
Joguei alguns morangos da cesta de frutas para o chão da gaiola. Quinn olhou para baixo, se esforçando para não pisar neles sem querer. Tive a impressão que ele iria me bicar quando eu o libertasse.
‘Bem, vou descobrir quando voltar.’
Colocando a gaiola na mesa, dei um abraço em Ash, que correu até mim. Ela parecia ter ficado esperando até eu acabar meus negócios com Quinn. Depois de cumprimentar Ash, olhei para a porta de saída.
‘O que os cavaleiros pensarão quando eu sair?’
Eles sabiam quem eu era, então não me prenderiam, mas certamente iriam me impedir de sair até que Ahin voltasse. Era uma questão de tempo, mas eu queria falar com o vovô antes disso. Enquanto eu hesitava, Barra se aproximou e abaixou as costas para mim.
“O que isso significa?”
Olhando para as costas musculosas dele, dei um passo para trás.
“Não me diga que… quer que eu monte em você?”
Ele não era um cavalo… Ninguém em sã consciência sairia por aí montado em uma pantera negra. Além disso, eu já tinha viajado nas costas de Ash como coelha, e sabia o quão veloz seria. Se eu caísse, me machucaria gravemente.
Barra, ainda abaixado, girou a cabeça. Seu olho amarelo demonstrava que não estava brincando.
“Ai, céus.”
Seria ok fazer isso só até conseguir sair do quarto? Mesmo que os empregados se envolvam na confusão, estariam procurando pela “senhorita coelha”, assim que imaginei que estaria tudo bem. Pensando assim, me curvei. Assim que, desajeitadamente, subi nele, Barra se levantou. O corpo dele era magro e musculoso. A porta se abriu e os cavaleiros olharam para cima, não vendo nada.
“Quê…?”
Assim que seus olhos confusos se voltaram para baixo…
“Argh!”
“A Senhorita Coelha…!”
Ash e Barra saíram correndo em sincronia perfeita.
“Esperem!!”
O grito ecoou enquanto nos afastávamos. Barra se dirigiu para a estufa, onde o vovô adorava tomar chá.
“Senhorita Ash!?”
“Aaahhh!”
Supresos pelos dois panteras negros desembestados, os criados se dividiram como o mar vermelho. Agarrei o pescoço de Barra com tanta força que nem conseguia gritar para que parasse.
‘Alguém, me salve..’
Pensei, enquanto meus olhos lacrimejavam devido à velocidade.
Tradução: Nopa.
Revisão: Holic.