A Relação simbiótica entre uma lebre e uma pantera negra - Capítulo 78
“Eu nunca vi o Lorde Ahin pedir desculpas a ninguém antes. Ele jamais inclinou a cabeça na vida inteira. Então eu percebi. Se você tentar fugir dele agora, vai ser servida numa salada crua com chicória. Pobre Senhorita Coelha.”
Evelyn não estava exatamente triste, mas ficou fingindo chorar. Tentei ignorá-lo, mas Quinn, escutando com atenção, assentiu com uma cara séria.
‘Mas que diabos…’
Até agora, por mais que dissessem isso por brincadeira, sempre era coelho assado ou ensopado… Mas numa salada crua? Quando percebi que o menu tinha ficado mais brutal, abracei a cesta de frutas.
“Você está exagerando– Aaah!”
Clang-
A carruagem parou abruptamente e Ash começou a rugir baixinho. Evelyn e Quinn pararam e ficaram alertas. Tudo ficou em um silêncio de arrepiar. Parecia a calma antes da tempestade. Ash saltou para o chão da carruagem e mostrou os dentes. Logo depois, shiing! Ouvi um som de lâmina vindo de fora, e então gritos. Me senti gelada até os ossos.
“É um ataque do clã dos lobos, que nem da última vez….!”
“Senhorita Coelha, se acalme.”
Evelyn falou quando eu me levantei.
“Devem ser apenas bandidos que bloquearam a passagem. Vai acabar em um minuto, por isso, apenas espere.”
A voz dele estava calma. Quinn parecia alerta, mas não tinha se movido, então parecia que não iria se juntar à batalha.
“A floresta fronteiriça é cheia de bandidos. Parece que um pequeno grupo veio tentar nos assaltar. Mas os cavaleiros que estão nos escoltando a cavalo do lado de fora são muito capazes, e o cocheiro também é treinado. Por isso, não se preocupe, logo estará tudo terminado.”
Evelyn, me colocando sentada outra vez, falou com sua voz de sempre. Com os olhos tremendo, perguntei cuidadosamente.
“Mas, se forem homens-besta lobos, como da última vez… Não são perigosos?”
Os olhos de Evelyn cintilavam e ele puxou uma cartola de cetim de trás do assento.
“Pode se esconder aqui dentro dessa cartola. Estará segura, vamos…. Ah, espera!”
Ele parece finalmente ter se lembrado que eu estava na forma humana. Ouvi mais gritos e cobri a boca com as mãos.
Clang, clang, Urgh!
O som de passos e de luta estavam misturados, mas, dentro da carruagem fechada, pareciam vir de outro mundo. Olhei para fora através da janela e tentei abri-la um pouco. No entanto, o gancho que a trancava estava do lado de fora, não de dentro. Era um detalhe pequeno, que eu não tinha percebido até procurar.
“…Por quê?”
Por que instalaram a tranca da janela da carruagem do lado de fora? Não seria melhor se fosse dentro? Não poderia haver outra explicação além de que não queriam que eu a abrisse. Outro grito ecoou em meus ouvidos. Apertando o Ferenium que estava em meu pulso, respirei fundo. Tinha algo estranho.
Evelyn e Quinn estavam tranquilos demais, como se soubessem que tudo ficaria bem. O fato de Evelyn estar de boca fechada era a prova. Já estava pensando que algo estava estranho desde que Ahin mandou que eu fosse sozinha na frente. Tentei raciocinar calmamente.
Normalmente, bandidos abriam portas e janelas, mas jamais iriam trancar uma janela por fora. Isso iria impossibilitar que eles pedissem dinheiro. Não conseguia pensar que intenções poderiam ter para trancar a janela em primeiro lugar.
‘Talvez seja para me impedir de olhar para o lado de fora…’
Se, por qualquer razão, o objetivo desse ataque não for dinheiro nem tentar ferir Ahin… Não seria minha mãe a única que teria motivo para fazer algo como isso? O fato do ataque ter acontecido quando estávamos quase passando pela fronteira dava força a essa hipótese.
Mordendo os lábios com tanta força que quase sangraram, tirei o bilhete de Russell do bolso e o escondi nas mãos. Logo, algo trombou na carruagem por fora, e então Quinn e Evelyn se distraíram.
‘É agora.’
Eu gritei.
“Ash, sentido!”
Obediente, Ash levou a pata dianteira até a testa, como uma militar saudando.
“Sentido, o que é isso?”
Enquanto os dois olhavam para Ash, saltei e enfiei o papel através da fenda da janela. Quando alcancei a tranca, o usei para alçá-la e logo ouvi um click! Uma vez que estava destrancada, abri a janela.
“Senhorita Coelha, o que está fazendo….!”
No mesmo momento, os feromônios em meu corpo se moveram como se reagissem. Eles estavam sendo estimulados por algo que vinha no ar pela janela aberta, algo que eu já conhecia… feromônios dominantes?
‘Como os feromônios de Ahin poderiam estar aqui…?’
Seria impossível, a não ser que ele também estivesse. Será que a coisa que ele tinha a fazer era na floresta fronteiriça? Olhei para fora da janela, mas, rapidamente, girei. Quinn e Evelyn estavam se aproximando, me culpando por ter aberto a janela, e pareciam estar com pressa para me conter.
“Não venham!”
Dei um passo para trás. As sombras dos dois eram bem ameaçadoras.
“Eu falei para não virem, fiquem aí!”
Tentei falar ameaçadoramente, mas o que saiu foi um grito agudo. Engoli minha frustração.
“Senhorita Coelha, o que tem de errado, de repente…?”
“O que tem de errado, Evelyn? Me diga, Ahin está aqui, não é?”
“Por que o Lorde Ahin estaria aqui no meio da floresta, e não na mansão Amon?”
Evelyn respondeu sem hesitar e ofereceu a mão.
“É perigoso, venha para este lado.”
“Se não me responder a verdade, terei que ir lá ver por conta própria. Vou pular pra fora da janela.”
“…Então é disso que o Lorde Ahin falava quando me alertou para o comportamento da Senhorita Coelha.”
Evelyn, com uma rara expressão confusa no rosto, pôs a mão na parte de trás do próprio pescoço.
“Me digam de uma vez, o que está acontecendo e o que estão tentando esconder de mim?”
“Tudo bem, mas venha para este lado primeiro. Você está tremendo que nem vara verde.”
“…Coelhos tremem com frequência. Não mude de assunto!”
“Sinto muito, mas me ordenaram que não falasse nada. Não tenho escolha a não ser obedecer, então solicito que redirecione as reclamações ao Lorde Ahin.”
Enquanto Evelyn falava, os dois voltaram a se aproximar devagar. Olhei para os dois e falei.
“Evelyn, se você tocar um dedo em mim, nunca mais falo com você enquanto viver.”
“O quê? De onde veio isso?”
“Você sabe que quando fico com raiva posso ser assustadora.”
Um dia, Evelyn tinha me feito tanta raiva que o tinha ignorado por um dia inteiro, indo embora toda vez que ele se aproximava. Ele empalideceu, aparentemente se lembrando daquele dia. E então recuou um pouco e disse.
“Quinn, não precisa fazer essa cara de vilão, está assustando a Senhorita Coelha.”
Quinn fez “tsk” com a língua e sacou uma adaga na cintura. Evelyn, arregalando os olhos, o agarrou pelo ombro.
“Tudo que temos que fazer é levá-la ao território das panteras negras em segurança, por que diabos puxou essa adaga?!”
“Considerando a possibilidade de ela sair da carruagem, é mais prudente nocauteá-la agora mesmo. Essa coelha maldita sabe usar a cabeça mais do que imaginei. Vendo como ela conseguiu abrir a janela tão rápido…”
Novamente pude ouvir a voz de Quinn e, outra vez, ela tinha falado “coelha maldita”. Mas isso queria dizer que de fato eles estavam me escondendo algo. Cambaleei e falei.
“Me fazer desmaiar não é um pouco demais…?”
Evelyn, que estava fraquejando, tentou dissuadir Quinn.
“Sabe como é doloroso levar uma coronhada de uma adaga. E se a Senhorita Coelha se ferir, o Lorde vai nos punir no futuro…”
“Sai da minha frente.”
“Não posso permitir isso. Por que somente não aponta a lâmina para o pescoço dela… Ah, não, isso seria mais perigoso. Apenas guarde isso.”
A razão pela qual Ahin tinha decidido que Quinn iria me escoltar na forma humana estava explicada, vagamente. Comparado a Evelyn, ele não tinha nenhuma misericórdia, então não havia preocupação que eu o enganasse. No entanto, tinha algo que eles não levaram em conta.
[Concentre os feromônios na ponta dos dedos, e dispare no alvo.]
Era o fato de que eu tinha aprendido uma nova tática de ataque.
‘…Será que eu consigo?’
Agarrando o Ferenium, olhei para a cesta de frutas, que eu ainda segurava na outra mão. Tinha percebido, há um tempo atrás, que os olhos de Quinn estavam grudados naquilo que, na forma de águia, eu sabia que ele amava.
“Quinn, pega!”
Quando joguei os morangos para cima, ele ficou distraído por um segundo. Na mesma hora, ativei o Ferenium e esfreguei meus dedos polegar e indicador.
Zas!
O corpo de Quinn, atingido em cheio por meus feromônios, desabou no chão da carruagem. Estava me parabenizando pelo meu sucesso quando vi que Evelyn também tinha caído ao seu lado.
‘Mas por que Evelyn também…?’
Tinho certeza que tinha mirado apenas em Quinn. Após olhar para ele, com suspeitas, percebi que seus olhos não estavam totalmente fechados. Como ele decidiu fingir desmaiar numa fração de segundo? Ele não era o ajudante de Ahin por nada. Me aproximei de Evelyn, caído aos meus pés, e sussurrei.
“Esse ataque só atinge uma pessoa por vez.”
Vi os longos cílios dele tremerem, mas não disse nada.
“Para sua informação, eu apontei apenas para Quinn.”
“…Onde aprendeu essa tática?”
Sem misericórdia, voltei a esfregar os dedos e logo Evelyn adormeceu e sua cara desabou no chão. O posicionei de uma maneira mais confortável. O rosto de Evelyn quando dormia era tranquilo, e finalmente ele parecia ser um jovem, de acordo com sua idade real.
“Evelyn?”
Esperei um tempo, belisquei seu nariz, mas nada. Parecia que ele tinha dormido de verdade, e profundamente.
‘Isso é um pouco assustador…’
Com fôlego curto, me lembrei da habilidade única de Evelyn. O fato de que ele tinha dormido significava que os meus feromônios eram superiores aos dele. E talvez, não fosse só ele… A sensação dos feromônios fluindo por mim estava mais forte do que quando eu iniciei a usá-los. Talvez por ter usado o Ferenium, sentia como se os feromônios de dominância de Ahin ainda estivessem flutuando ao meu redor. Parecia que ainda havia o suficiente no Ferenium para usar meus poderes algumas vezes mais sem voltar a forma de coelho bebê.
“…Me desculpe.”
Depois que tinha arrumado Evelyn, puxei a adaga da mão de Quinn. Ela era pequena, mas afiada o bastante para refletir luz. Engolindo em seco, peguei a bainha e levei a adaga comigo. Eu não sabia usá-la, mas era melhor que sair de mãos nuas.
“Ash, venha comigo.”
Abri a porta da carruagem devagar. E perdi o equilíbrio, quase caindo para fora, até que Ash mordeu a ponta de minha roupa.
Tradução: Nopa.
Revisão: Holic.