A Relação simbiótica entre uma lebre e uma pantera negra - Capítulo 76
“…. No fim das contas, panteras negras e leões são igualmente cruéis.”
Vivi, que costumava ser uma covarde, não tinha mais tanto medo quanto antes. Diante dos olhos violetas claro trêmulos, mas firmes, Rune riu baixo. Ele invejou Ahin pela primeira vez, como nunca em sua vida.
“Isso é um hábito dos coelhos?”
“Talvez. Mas nesse momento eu não sou um coelho.”
“Antes de se humanizar definitivamente, talvez você deva primeiro aprender a amarrar uma fita.”
Rune estendeu a mão e arrumou a fita emaranhada da capa de Vivi. Ela podia não ser capaz de amarrar uma fita, mas Rune começou a rir novamente com a expressão majestosa de Vivi.
“Desde jovem, tive que desistir de muitas coisas, então pensei que seria fácil… Mas desta vez, não está sendo tão fácil quanto eu pensava.”
“…Quê?”
“Venha visitar o território dos leões. Não temos leões selvagens soltos na floresta como essas panteras negras ignorantes. Ah, mas tem leões selvagens nos campos.”
Então era disso que ele falava. Vivi, com a expressão cansada, apertou os lábios.
“Eu sou bom em esconder feromônios, tanto como ele. Se quiser ver…”
Bang!
Um homem abriu a porta do quarto onde estavam com tanta força que parecia ter a intenção de destruí-la, e entrou.
Os olhos azul claro olharam friamente para os dois, que estavam de frente um para o outro. O homem alternou entre encarar o rosto de Vivi, o de Rune e as mãos dele, que ainda estava amarrando a fita. O intruso causava uma grande impressão. Seu rosto era anguloso e magnífico. Dava para perceber que era um predador mesmo com os olhos fechados. Vivi se encolheu.
“Esse é o cavaleiro escolta que estava te seguindo.”
Rune, apontando com o dedo, parecia envergonhado, enquanto Vivi estava sem expressão. Ela olhou para o homem, completamente desconhecido, comparando seu tamanho enorme com seu próprio corpo pequeno.
‘Cavaleiro escolta?’
Ahin disse que ela já conhecia o escolta. Os trêmulos olhos violeta claro de Vivi permaneceram no homem, mas quanto mais ela olhava para ele, mais a testa de Vivi ficava enrugada. O homem, com cabelos compridos e olhos cor de água, era um total estranho.
‘Essa cor de olhos…’
De qual clã era? Assim que os olhos de Vivi se encontraram com o homem, sua cabeça ficou em branco. Condizentes com o título de cavaleiro de escolta temporário, seus olhos agudos e ombros largos pareciam pertencer a um cavaleiro excepcional.
“Você não o conhece?”
Rune olhou para Vivi, que tinha um “quem é você?” estampado na testa.
“Espera… Eu acho que sei quem é ele.”
“…”
Vivi, cujos olhos seguiam o homem, balançou a cabeça. Os lábios do homem, que estavam em silêncio por muito tempo, se abriram lentamente.
“…Essa coelha maldita.”
Um homem-besta que podia viajar grandes distâncias em pouco tempo e não precisou passar pela inspeção da fronteira territorial. Um que pertencia a um dos poucos clãs livres de restrições de status e território. Além disso, ele tinha olhos azuis – Vivi agora podia lembrar que a característica única desse clã era que não estavam limitados a conseguir se manter em forma animal por apenas metade de dia, mesmo após se humanizar definitivamente. Alguém que, mesmo sendo um predador, era de um clã sem feromônios dignos de nota. Sob essas circunstâncias, as pessoas desse clã eram vistas como excelentes aliados. Para terminar, esse clã era conhecido por não ser agressivo e priorizar a sua liberdade, por isso, costumavam vagar por territórios alheios e viver sob a autoridade de alguém.
Todas essas informações estavam no livro sobre homens-besta que Vivi tinha lido. Não havia engano. Mas ainda assim, ela nunca tinha imaginado que Quinn, a águia mensageira de Ahin, pudesse ser um homem-besta todo esse tempo.
***
Sentados em lados opostos da carruagem parada, encarei Quinn com olhos assassinos. Os olhos azuis claros me devolveram o ódio, e ficamos assim por mais de meia hora. Depois de falar “essa coelha maldita” ele não tinha aberto a boca nenhuma vez mais, mas o olhar dele valia por mil palavras.
“Essa coelha maldita” – “como ousa me fazer procurar a mansão inteira enquanto tem um encontro romântico secreto com o leão?” E coisas assim. Era fácil entendê-lo porque tinha tido muita comunicação corporal com Quinn em situações em que ambos não podíamos falar.
‘Então Ahin quer que eu o use como escolta? Esse Quinn?’
Me lembrando do que Ahin tinha falado enquanto eu adormecia, rangi os dentes. É como se um animal tivesse virado pessoa da noite para o dia e aproveitasse a chance para expressar todo o ressentimento acumulado que não pôde antes. Por exemplo, se fosse Ash, ela iria reclamar por horas sobre não receber comida suficiente.
Enquanto isso, Russell, que tinha vindo se despedir e estava do lado de fora da carruagem, nos olhava com os olhos arregalados.
“Pássaro malvado.”
Apesar de ter se comportado bem até agora, Russell não suportou ver o olhar maligno que Quinn me lançava e, se colocando através da janela aberta da carruagem, repreendeu Quinn. Os olhos do menino já estavam cheios de lágrimas. Através da janela, abracei Russell.
“Russell, ele não é apenas um pássaro. É uma ave de rapina.”
Do tipo que, com uma mera bicada, seria capaz de abrir um buraco na pele. Estremeci ao lembrar do bico curvo.
“Guerreira.”
Russell puxou minha orelha, indicando que queria cochichar algo. Parecia que ele tinha usado seus feromônios para ler a energia de Quinn.
“Esse pássaro está muito ranzinza.”
Ele deveria estar correto. Quando havia o trazido, Ahin falou que ele era orgulhoso, e parecia ser muito verdade. A professora Janna, ao lado da carruagem, estava conversando com um homem idoso desconhecido, e parecia que os dois falavam de Quinn.
“Faz muito tempo que eu não via um homem-besta águia trabalhando como escolta. Quando se vive muito, vemos de tudo…”
“É verdade. Águias são difíceis de lidar…”
Apesar de eles estarem longe, o interior da carruagem já estava tomado pelo cheiro do chocolate quente que o senhor idoso carregava em uma xícara. Felizmente, exceto erguer as sobrancelhas, Quinn não falou nada.
A professora Janna, cruzando o olhar com o meu, se aproximou da janela.
“Ah, Vivi, deixe-me apresentar. Esse é o Lorde Am-”
“Sou um mordomo que trabalha nessa mansão há décadas. É um prazer conhecê-la.”
O senhor apertou minha mão através da janela da carruagem. Se ele estava lá há tantos anos, deveria ser, no mínimo, o mordomo-chefe, imaginei.
“É um prazer conhecê-lo, vovô.”
“Ah, fazia tempo que não me chamavam assim. Que refrescante.”
O senhor, bebendo seu chocolate, olhou entre Quinn e eu. Seu olhar parou em mim, com interesse.
“Sua pele é tão branca. Até parece que nunca foi tocada pelo sol.”
“Ah… É porque eu quase nunca fico sob o sol… Eu não gosto.”
Era pura mentira. Adorava cochilar embaixo do sol junto com Ash, e era exposta diariamente nas caminhadas com Meimi. No entanto, na minha forma humana, era verdade que eu nunca tinha tomado sol direito. Além disso, julgando por minha mãe, minha pele devia ser naturalmente clara.
“Tem algo que quero te perguntar, como empregado desta mansão.”
“…?”
“Como conseguiu encantar os jovens-mestres de ambos clãs dos leões e das panteras negras?”
“Céus, não pode perguntar isso a ela!”
A professora Janna tentou dissuadir o homem, mas sua voz indicava que ela estava secretamente curiosa. Imaginava que estavam falando da tal dança maravilhosa que fez ambos Rune e Ahin perderem a cabeça. Não faria mais sentido inventar que os dois olharam para um espelho e se apaixonam cada um por si mesmos?
Envergonhada, agarrei uma garrafa de água que estava na carruagem e comecei a beber.
“Mas fico aliviado. Esses dois pareciam ser jovens perfeitos, sem nenhum escândalo. Tinha até mesmo rumores de que eles não gostavam de mulher, se é que me entende.”
“Quê?”
A água escorreu por meu queixo quando não consegui controlar a vergonha, fluindo como uma cachoeira. Russell tirou um lenço do bolso e começou a me enxugar.
“E então, escolherá o pantera negra ou o leão?”
Sinto que ouvi essa pergunta faz pouco tempo… Enquanto limpava o queixo com a mão, senti o olhar de Quinn cravado em mim. Seus olhos cor de água pareciam expressar que se eu não respondesse “pantera”, teríamos coelho assado no jantar. A essa altura, não sabia mais se ele era meu escolta ou um assassino enviado para me eliminar.
“Nenhum dos dois.”
“Você está na carruagem com o escudo da família Grace. Então deve ser o pantera.”
O senhor concluiu por si próprio, e então voltou a conversar alegremente com a professora Janna. Bem, desde que ele estivesse feliz… Resignada, alisei o cabelo de Russell. Quando nos despedirmos, não sabia se algum dia o veria novamente.
“Ah, já demoramos muito aqui. Uma hora ou outra, o pantera negra vai aparecer, mas não posso mais esperar. Russell, vamos embora. Você já passou bastante tempo com ela, desde ontem.”
Com uma expressão triste, Russell sacou um pedaço de papel do bolso e me entregou. Nele, estava escrito, com uma caligrafia ruim:
[Território Neutro do Qatar, Rua Trin, B-613, Russell Janna]
Ele estava me pedindo que escrevesse cartas. Sabendo que, se me transformasse em coelha, poderia perder o bilhete, dei um beijo na testa dele.
“Até a próxima, Russell.”
Russell começou a chorar e a professora Janna o abraçou, dando-lhe tapinhas nas costas para que se acalmasse. Quinn se interessou e perguntou.
“O que há com ele? Não se conheceram faz poucos dias…?”
Ela sussurrou para Quinn.
“Provavelmente é porque a senhorita Vivi ainda não passou por sua humanização definitiva. Quando eu a examinei confirmei, que não há a marca. Russell ficou na forma de capivara bebê por 6 anos também, então deve ser por isso.”
Após me despedir também da professora Janna, e acenar para ela até que suas costas desaparecessem na mansão, me levantei e sai da carruagem. Corajosamente fugindo de Quinn, fui na mesma direção para onde o senhor que estava com a professora Janna tinha ido. O vi e me aproximei.
“…O senhor é o Líder do clã das lebres.”
“Hoho. A professora Janna te contou?”
Ele não parecia ter a intenção de esconder.
“…Não. Apenas pensei que um mordomo não conversaria tão confortavelmente com uma nobre de outro território. Além disso, a professora Janna tinha dito que era próxima do líder do clã.”
Para terminar, tinha escutado das criadas que traziam as refeições que o líder era viciado em chocolate quente.
“Que garota tão esperta. Me diga uma coisa – se não quer nem o leão nem o pantera negra, porque não se casa com um de meus netos? Mas aviso que eles são todos certinhos, ao contrário do avô.”
Já era demais lidar com Ahin, Rune e Evelyn pedindo minha atenção. Fiquei sem saber como responder, olhando para o chão. Felizmente, o líder levantou a mão, sinalizando para deixar o assunto para lá.
“Tudo bem. Se veio atrás de mim, é porque tem uma pergunta a me fazer, estou certo?”
Tradução: Nopa.
Revisão: Holic.