A Relação simbiótica entre uma lebre e uma pantera negra - Capítulo 75
“Eu comecei a ter suspeitas quando te encontrei na noite do baile. Foi a primeira vez que você se humanizou, não é?”
Vivi remexeu as mãos, pensando naquele momento inesquecível.
“É verdade.”
“Sempre quis perguntar – por que estava debaixo da mesa?”
Era seu hábito entrar em lugares pequenos quando estava assustada. Mas Vivi não respondeu em voz alta, e Rune continuou falando.
“De qualquer modo, achei estranho. Seu cabelo ia até o chão, e em vez de roupas, usava uma toalha de mesa. Não conseguia falar direito, seus movimentos eram estranhos…”
Ouvindo da perspectiva dele, Vivi pensou que, realmente, tinha sido muito suspeito.
“Com tantas coisas estranhas, fiquei cada vez mais curioso. Quando fomos à loja de roupas no Qatar, você não conseguiu amarrar o laço da roupa.”
“Que tipo de roupa tem um laço tão grande na frente?”
“Bem, aquele design era original, tenho que admitir.”
Rune esfregou o próprio cabelo.
“E algumas vezes, você cheira como uma comida.”
“…Manteiga?”
“Sim, isso.”
“Não é batata doce assada?”
“Não, é manteiga.”
‘Quem disse que tem que ser manteiga?!’
Imaginando um coelho assado na manteiga, Vivi puxou um punhado de seu cabelo branco com a mão. O cabelo logo voltou ao seu lugar. Essa conversa não podia ser classificada como normal, mas o clima era a pior parte. Rune continuava com as bochechas coradas, parecendo adorável. O problema é que seus olhos de predador e seu físico musculoso não eram nada adoráveis. O que Evelyn tinha falado sobre Vivi lançar olhares de flerte ao leão ressoou em sua cabeça.
“Eu fico um pouco triste pensando nisso…”
Rune falou, sorrindo de maneira cintilante.
“A coelha… Não, se ao menos Vivi tivesse sido abandonada no território dos leões e eu pudesse tê-la recolhido…”
Os olhos violeta claro de Vivi piscaram várias vezes. Ela o olhou, sem expressão. A pessoa que a tirou daquela cesta… Imaginar aquele momento, no qual suas patas estavam feridas de tanto arranhar a cesta, e apenas esperava que a tampa se abrisse… Parando com os pensamentos tolos, ela se levantou e espanou o pó da roupa. Estava com muitas circunstâncias complicadas para lidar, e essa confissão de Rune, por mais difícil que fosse dizer isso, parecia mais um fardo. Olhou o relógio de pulso.
“Preciso ir.”
“Espere! Está fazendo isso de propósito?”
Ao ouvir a voz carregada de emoção de Rune, seus ombros tremeram. Ela lhe deu as costas, mas ele segurou a barra de sua capa.
“Eu ainda não cheguei ao ponto que queria…”
“Então, aonde você quer chegar com essa conversa?”
Querendo que ele a soltasse, Vivi deu um passo à frente, mas ele não largou a capa e ela não conseguiu sair do lugar. Suspirando, ela abriu o laço na frente da capa e andou, deixando-a para trás. Com isso, estava quebrando a regra de “nunca dê as costas para um predador.”
Rune, que percebeu que estava segurando a barra de uma capa vazia, riu baixo. Ele não podia deixar de pensar que era impressionante que Vivi tivesse tanta energia e vontade de viver, apesar de não ter se humanizado no tempo normal e também não saber quando iria voltar à forma de coelha novamente. Se fosse ele, pensou que teria desistido de viver há muito tempo. Considerando sua personalidade, ele simplesmente iria viver como um leão bebê pelo resto de seus dias.
“Deixe-me ajudá-la. Com a humanização, ou com o que mais precisar.”
“Quê?”
“Seja o que for. Eu e o clã dos leões vamos ajudá-la. Não quer vir para o nosso território? Se não for agora, será difícil ir depois que você retornar ao território das panteras negras.”
Percebendo que essa gentileza poderia causar muitos problemas para ele mesmo, Vivi arregalou os olhos. O que apareceu nos olhos dourados era uma sinceridade transparente. Ela ficou se sentindo mal ao ter, no passado, cogitado que ele pretendia usá-la por seus feromônios poderosos.
“Como você sabe, Ahin Grace não é uma pessoa boa.”
Rune pensou que podia não ser um homem perfeito, mas ainda era melhor que Ahin.
“Tenho certeza que ele não te recolheu com boas intenções.”
Rune não acrescentou palavras sobre os feromônios de cura. Vivi, não estando mais confinada ao corpo de um coelho, certamente veria que a proposta dele era a melhor opção. Considerando que não haviam emoções entre Ahin e Vivi, para nublar o seu julgamento, ela poderia ver que opção era mais proveitosa.
“Pense bem.”
Rune nunca poderia ver a possessividade de Ahin com bons olhos. Os olhos dourados límpidos permaneceram fixados em Vivi, que parecia confusa. A coelha ainda podia sentir a sensação de estar frente a um predador.
‘Não tenho nada que dizer…’
Rune pensou que, se ficasse com Ahin, a possibilidade de sobrevivência dela estaria no fundo do poço. O sorriso dele tinha presas que faziam seus olhos tremerem, e a mão que oferecia era o dobro do tamanho da sua. Ela era a presa perfeita para o clã dos panteras negras, que era cheio de loucos. Não seria mais seguro estar entre os leões, que pareciam ter mais senso comum e serem mais tranquilos, até preguiçosos? Obviamente, Rune não colocou seus sentimentos pessoais ao chegar nessa conclusão. Ainda assim, ele queria persuadi-la, então falou.
“Ahin Grace é louco.”
“Uhum.”
Vivi, com as sobrancelhas franzidas, assentiu, concordando.
“Ele é um homem cruel. Um predador perigoso.”
Vivi continuou concordando.
“A probabilidade de ele matar pessoas sem hesitar na sua frente é grande.”
Vivi parou por um momento. No início, Ahin costumava casualmente entrar no quarto com cheiro de sangue alheio, mas ela não conseguia se lembrar quando tinha sido a última vez que tinha sentido aquele odor cruel.
“Como próximo líder do clã, ele sempre será um alvo, especialmente perante os outros territórios de predadores poderosos. É como minha irmã, ela sempre está no centro de todo tipo de evento e acidente. Tentativas de assassinato são comuns.”
“Então… Por que a loba que se infiltrou na mansão Grace me atacou, e não a ele?”
“…Ela te viu como o coelho de Ahin. Provavelmente queria te usar como isca para matá-lo. Mesmo que o Grace coloque proteção ao seu redor, ainda vão ter momentos em que terá que sobreviver sozinha.”
Vivi começou a se lembrar de várias cenas. A loba a encurralando. Ash ferida na barraca. Quando ela quase morreu no Qatar. Até mesmo quando confrontou Lillian na biblioteca da mansão, que julgava ser um lugar seguro. O dia-a-dia do território das panteras negras podia ser pacifico, mas sempre tinham crises acontecendo.
“Se o Grace estiver te mantendo lá contra sua vontade, ou caso não tenha para onde ir, pode vir comigo.”
Não importava o quão louco fosse Ahin, ele não invadiria a mansão Manionz para ir buscar a coelha. Afinal, a aliança mantida por Valence Grace era mais importante. Por mais parafusos soltos que ele tivesse, Ahin sabia que limites tinha que respeitar.
‘…Não sei o que ela vai responder dessa vez…’
Os olhos dourados se fixaram no pescoço de Vivi, que ficou visível desde que ela retirou a capa. Na parte de trás do pescoço havia uma marca de mordida, semi coberta pelo cabelo, que fez Rune ficar perturbado.
“E então, vai voltar para o território das panteras negras com o Grace?”
“…Eu tenho que ir. Não tem nada de bom em ficar tanto tempo por aqui.”
Vivi respondeu com a voz calma, e sorriu um pouco. A atitude de Ahin de manter segredos, o que ela tanto odiava, também era a maneira dele sobreviver. Parando para pensar, ele não descansava à noite. Sempre mantinha a lamparina acesa, para se preparar para um ataque de inimigos, e colocava uma espada ao lado da cama. Apesar das dificuldades que isso gerava a Vivi, dormir na cama dele também era uma maneira de ele a proteger.
Era inegável que isso era estranhamente semelhante à maneira como ela vivia. Isso não significava que ela entendia todas as atitudes de Ahin, no entanto.
“Eu agradeço sua oferta.”
Vivi, suspirando levemente, respondeu.
“Mas… Não, Rune, não irei com você.”
Se ele tivesse falado isso bem no começo, ela pensou que provavelmente teria ido com ele.
“Posso perguntar o porquê?”
Rune falou, colocando a capa de volta nos ombros de Vivi. Não era como se ele não esperasse esse resultado, mas ficou surpreso ao perceber que se sentia mais ferido do que imaginava.
“Sem aquele pantera negro, eu provavelmente teria morrido na floresta fronteiriça. Mesmo após ter a vida salva, eu sempre me sentia desesperada. Nem mesmo conseguia abrir uma porta sozinha. Mas…”
“Mas?”
Vivi hesitou, se lembrando de Ahin, sofrendo com o ataque de feromônios. Isso não podia ser algo recente. Talvez ele já passasse por isso há muito tempo. Os feromônios de cura de Vivi ainda podiam ser inexperientes, mas ela tinha conseguido acalmar o ataque, até um certo ponto. O pantera negro, astuto, poderia ter sentido isso, no momento em que notou que ela tinha feromônios de cura. Talvez tenha sido inconsciente, desde o exato momento em que a encontrou na floresta fronteiriça. Provavelmente tenha sido por isso que ele insistiu em fazer Vivi dormir na sua cama, ainda que inconscientemente.
‘Mas ele não me forçou a usar os feromônios de cura…’
“Já chega.”
Talvez a razão pela qual ele não tivesse deixado ela voltar à forma de coelha no ataque mais recente tenha sido por receio de que ela fugisse. Ele não poderia ir atrás dela, estando doente. Vivi passou a mão em um quadro. A moldura estava empoeirada e sujou seus dedos. A imagem era de um coelho em um belo campo verde, provavelmente um local do território das lebres.
“Como Rune falou, é difícil estar ao lado de Ahin. Mesmo pondo ele de lado, a situação é assustadora, difícil e perturbadora.”
Entre todas as opções, talvez a melhor fosse ficar no território das lebres e viver sozinha do que ficar no território das panteras negras, uma vez que ela tivesse conseguido desvendar todos os mistérios sobre a sua humanização.
“Mas todas as pessoas são difíceis. E depois que eu me humanizar completamente, tudo será ainda mais difícil.”
Vivi amarrou o laço da capa com dificuldade. O resultado final pareceu mais um emaranhado que um laço.
“Mas Ahin precisa de mim agora. Talvez mais do que eu preciso dele.”
Tradução: Nopa.
Revisão: Holic.