A Relação simbiótica entre uma lebre e uma pantera negra - Capítulo 74
Só então Vivi se levantou e foi para a frente da lareira. O instinto básico ainda lhe alertava que era melhor garantir não ser comida por Ahin. Ash, que foi junto a ela, se sentou no chão, igual a Vivi. Por um momento, por causa do olhar intenso que Vivi lançou na direção dele, Yuan ficou deprimido. Ele tinha sido envolvido na briga sem nenhuma razão.
“Yuan.”
Agora ele ia ser odiado pela Senhorita Coelha, igual Evelyn. Ele ficou triste ao imaginar não receber mais o aceno de pata que ela lhe mostrava todas as manhãs.
“Yuan, o chá está transbordando.”
Yuan percebeu que, perdido em pensamentos, não tinha parado de inclinar o bule, e rapidamente o arrumou.
“Perdão, meu Lorde! Cometi um erro…”
“Já chega.”
Ahin, cruzando as pernas, olhou para Vivi por cima do jornal. Ela era uma coelha esperta. Desde que ela descobriu que dar as costas para ele era mais efetivo do que lágrimas, estava fazendo isso todas as vezes que as opiniões dos dois divergiam.
“Ontem, falamos sobre voltar ao território das panteras negras. Vá se preparando.”
Ahin soava descontraído. Vivi, olhando para a lareira, girou a cabeça. O rosto dela estava iluminado pela cor vermelha do fogo.
“Quer dizer que vamos partir hoje? Mas Ahin disse que iria ficar para resolver umas coisas…”
“Não tenho razão para perder tempo aqui.”
“Eu não me despedi da professora Janna nem de Russell. Não pode me dar mais um dia?”
“Não é uma boa ideia ficar em terras estrangeiras nessa situação.”
Em outras palavras, apesar de ali ser o território natal de Vivi, Ahin enfatizou que era uma terra à qual ela não pertencia. Vivi, se levantando do chão, pegou a capa e um chapéu. Ela não queria perder tempo discutindo. Logo, estava na porta, e calmamente informou.
“Volto logo. Ash, fique aqui.”
“Para onde vai?”
“Tenho que me despedir da professora Janna. Ela me ajudou muito.”
Ahin, ansioso por cada movimento de Vivi, abaixou o jornal.
“Prefiro que a chame até aqui, ou vamos juntos.”
“Não venha, vai ser uma conversa só para herbívoros.”
“Então te levo até a porta dela.”
“O quarto dela é no andar de baixo, e você disse que ninguém me maltrataria. E os corredores estão cheios de cavaleiros. Vou estar bem.”
Bam. A porta que ela fechou com força claramente indicava “não me siga”. Ahin, deixado para trás, ficou numa posição onde não podia ir atrás dela.
“Yuan.”
O competente Yuan entendeu as intenções de seu mestre só por ouvir seu nome.
“Uma pantera negra é um predador, ainda que esconda suas presas.”
“…Então você não vai adentrar nessa reunião de herbívoros…”
Yuan, evitando o olhar acusador, manteve-se firme. Ele não podia negar sua raça.
“Você podia ao menos mandar arrancar seus caninos.”
“…Vou ajudá-lo a se preparar, meu Lorde.”
Enquanto Yuan, que estava ignorando as palavras de Ahin, manteve-se firme em sua função original, a porta se abriu novamente. A barra de uma capa branca apareceu pela porta entreaberta.
“Vivi?”
“Eu…”
Vivi, com só metade do corpo para dentro, falou em voz baixa. Ela estava mordendo os lábios e hesitando, e Ahin esperou pacientemente.
“Eu sinto muito por ter sido grosseira. A verdade é que eu queria sim voltar junto com Ahin. Quando chegamos aqui, viemos separadamente…”
Após falar isso, ela fechou a porta e o som dos passos se afastando foi desaparecendo. Ahin sentiu algo romper em sua cabeça com o som da porta se fechando. Olhando para Ahin, petrificado, e a porta fechada, Yuan não conseguia apagar o sentimento de que Vivi tinha cometido um erro.
***
Parando para pensar, eu não podia dizer que não estava escondendo nada de Ahin. É claro, o que eu não dizia, era por minha própria sobrevivência. Nessa manhã, eu decidi contar tudo que não tinha conseguido dizer até agora. Então, assim que acordei, o chamei, determinada, pois acreditei que ele não iria me ferir mesmo que soubesse. No entanto, ao ver a determinação em meus olhos, ele colocou um travesseiro no meio da cama, entre nós dois, dizendo que era uma medida de proteção contra ataques de coelhas. Achei muito injusto, mas não discuti e comecei a falar. Ahin não comentou nada, me escutando bem. Falei sobre como os feromônios afetavam minha condição física, a razão pela qual eu tinha vindo para o território das lebres, o que aconteceu entre eu e minha mãe, etc.
Tinha ainda a questão dos feromônios com poder de dominância. Quando os absorvia, mesmo que usasse os meus feromônios de cura, não voltava a forma de coelha, e quando me humanizava, não sentia tanta dor. No fim, apesar de não ter falado tudo, a maioria dos fatos importantes foi revelada, e me senti aliviada.
No entanto, ainda havia um problema – Ahin não tinha falado nada sobre o incêndio no salão de banquetes nem sobre o ataque de feromônios que ele sofreu. Comecei a suspeitar da atitude dele, de me enviar de volta tão rápido quando ainda haviam coisas a resolver. Poderiam haver problemas se voltássemos nessa situação.
‘Durante o ataque… ele estava com tanta dor.’
Naquela noite, eu tinha até mesmo precisado verificar se Ahin ainda estava respirando. E agora, ele não queria falar sobre isso nem responder minhas perguntas.
‘O avô dele parecia saber de alguma coisa.’
Enquanto caminhava pelo corredor da mansão Amon, sentia que muitos olhos estavam grudados em mim. Lembrando que teoricamente eu era uma dançarina, tentei acrescentar uma certa leveza aos meus passos… e quase caí de cara no chão.
‘…Não deveria ter feito algo que não estou acostumada.’
No entanto, o meu vestido parecia ser do tipo que as dançarinas gostariam de usar, ainda que tivesse tido que colocar a capa por cima, devido ao frio. No caminho para o quarto da professora Janna, de repente, percebi que estava ouvindo o som de dois conjuntos de passos. Após parar e voltar a andar, o som do segundo par de pés persistia.
‘Tem alguém me seguindo?’
Girei rapidamente, mas só conseguia ver cavaleiros da mansão montando guarda por toda parte. O sol, brilhando pela janela, iluminava o corredor de mármore.
‘Foi só impressão?’
Tendo sido ilusão ou não, não fazia mal ser cuidadosa. Além disso, eu acreditava nos meus 5 sentidos de covarde. Me preparei e comecei a correr. Felizmente, o quarto da professora Janna estava logo ali em frente. No entanto, assim que dobrei a esquina, um braço surgiu dali e me puxou. Quando consegui enxergar, vi que estava em um lugar familiar. O quarto vazio para onde Ash tinha me levado quando virei humana. Esquecendo de respirar, comecei a mover os braços como se golpeasse com as patas dianteiras, por reflexo. E então, percebi que estava agarrando algo macio com os dedos.
“Ah, meu cabelo, meu cabelo!”
“…Rune Manionz?”
Tentei tirar a mão imediatamente, mas meus dedos ficaram enroscados nos fios cor-de-rosa. Ele realmente deveria se pentear com mais frequência.
Rune, alisando sua cabeça, murmurou.
“Que cruel. Por acaso vai puxar o meu cabelo toda vez que me encontrar?”
“O que você está…”
“Shhh!”
Rune de repente sinalizou para que eu me calasse, e levei as mãos à boca. Era uma postura de um fugitivo.
“…Você sabe o que está acontecendo?”
Chacoalhei a cabeça com a boca ainda tampada, sem entender nada.
“Tem um cavaleiro te seguindo.”
“Um cavaleiro?”
Só então, me lembrei de algo que Ahin tinha falado de madrugada, quando estava quase dormindo.
“Já que Meimi não está aqui, vou colocar um escolta temporário, para algum caso urgente. É alguém que você já conhece.”
Mas eu adormeci logo depois e tinha me esquecido até agora. Quem seria, um cavaleiro que eu já conhecia pessoalmente? Lile era gentil demais para ser escolta. Ou seria o cavaleiro que foi conosco ao Qatar? Acho que o nome dele era Mio? Não conseguia pensar em ninguém mais.
“Bem, deve ser o escolta, então. Vamos voltar ao território das panteras negras hoje.”
“Então era isso mesmo.”
“Como Rune sabia?”
“Vi Evelyn preparando a carruagem, então, conhecendo o temperamento de Ahin Grace, pensei que era óbvio.”
Rune chacoalhou a cabeça. Lembrei o que eu queria perguntar a ele faz um tempo.
“Por que uma dançarina?”
“Por que não? Você começou a dançar de repente.”
Como imaginei, ele estava rindo da minha cara.
“Era uma dança tradicional do clã das lebres? Como era mesmo, assim?”
Rune moveu as mãos, enquanto eu o encarava, sem expressão nenhuma.
“Ei, porque está vermelha?”
Aaah, já chega! Depois de esfregar o rosto com as mãos, percebi que uma pessoa poderia chegar a morrer de vergonha e humilhação. Tudo que podia fazer era lançar um olhar assassino enquanto minhas orelhas queimavam. Pensei em perguntar sobre o incêndio, mas desisti, pensando que era melhor não me envolver.
“De qualquer maneira, se você voltar a Mansão Grace, não vamos nos ver por um longo tempo. Vou ficar desapontado.”
“…Por que você ficaria desapontado?”
Rune abriu a boca, mas não emitiu nenhum som. Parecia que minha pergunta era inesperada. Um olhar conflitado passou por seu rosto preguiçoso. Então, ele corou, ficando vermelho até as orelhas.
‘Oh…’
Vendo a mudança nele, assumi que a curiosidade que ele tinha por mim tinha se transformado em um sentimento semelhante à afeição. Mas por que eu? Com uma reação tão honesta dele, não podia fingir que não tinha percebido. Por que esse leão era tão sincero? Ainda muito vermelho, Rune falou.
“Eu me sinto estranho, justamente por não saber o porquê…”
Isso me fazia parecer uma pessoa malvada que tirava vantagem de leões inocentes. Olhei para o chão. Houve um silêncio desconfortável.
“No começo…”
A voz calma dele me fez erguer a cabeça. Quando chequei, o rosto de Rune ainda estava vermelho.
“Quando eu escutei que Ahin Grace recolheu um coelho bebê, pensei que ele tinha enlouquecido completamente. Já o conhecia desde criança e ele sempre foi…”
Com uma expressão indiferente, ele posicionou o dedo na têmpora e girou, indicando o símbolo de “louco”. Não pude evitar de concordar, então assenti.
Tradução: Nopa.
Revisão: Holic.