A Relação simbiótica entre uma lebre e uma pantera negra - Capítulo 71
Rune deu um chute na perna de Ahin por baixo da mesa.
“Apenas concorde.”
“Não me toque, é sujo.”
Ahin pisou nas botas de Rune com o calcanhar. Com a dor, Rune deixou escapar um palavrão agudo em tom baixo. Os nobres os olhavam, engolindo em seco.
“Não esperava que fosse uma dançarina…”
Eles nunca tinham visto algo assim ser discutido em uma reunião formal. Com medo de serem acusados de traição, muitos nobres ficaram de boca fechada. Estavam lidando com dois predadores perigosos, afinal.
“…Lorde Manionz, sua pergunta é um pouco difícil de responder.”
Ahin deu uma batidinha na mesa, para lembrar a Rune que ainda estavam em uma reunião. Ele queria perguntar de onde diabos ele tinha tirado a ideia de dizer que Vivi era uma dançarina, mas haviam muitos ouvidos ao redor.
“Vou usar meu direito de permanecer calado.”
“Então prefere que eles interroguem a coelha?”
“Ainda assim, é uma decisão impulsiva.”
Ahin sorriu suavemente.
“Isso não teria acontecido se o Lorde Manionz não tivesse escondido a coelha.”
“Não se engane, foi ela que veio pedir minha ajuda primeiro.”
“…Não acredito.”
O que Rune falou era próximo da verdade, apesar de estar um pouco modificado. Os olhos de Ahin, que estavam com ódio, se esfriaram, parecendo tristes.
“Você a levou embora no Qatar como quis, e colocou alguma ideia estranha na cabeça dela.”
“Não fiz nada demais, ok? E fiquei muito grato por você quase ter me deixado morrer naquela noite.”
Rune rebateu. Aquele desgraçado do Ahin e seus assassinos.
Os nobres do clã das lebres ficaram olhando entre um predador e outro. O rumor de que Ahin Grace estava morando com um coelho… Se a tal dançarina fosse uma mulher-besta lebre, podia ser essa a explicação da origem da fofoca.
“Mas porque ela insistiu em trazer Ash? Teria sido muito mais fácil sem ela.”
“Só segui a vontade da coelha, que queria vir ao território das lebres. Não podia deixar a pantera para trás sem razão.”
Os nobres que assistiam sentiam que a hostilidade entre os dois crescia. Ahin e Rune tinham expressado seu ódio um pelo outro desde o começo da reunião. Mesmo que a relação entre eles fosse ruim, era normal esconder isso em locais públicos, mas se tinham chegado a esse ponto… só havia uma explicação.
Ahin Grace era o amante da dançarina, que vivia em sua mansão, mas Rune Manionz, tendo se apaixonado por ela, tentou sequestrá-la. O triângulo amoroso começou a desenrolar várias histórias na cabeça deles. Alian Amon estava com os olhos tremendo. Era difícil imaginar dois nobres poderosos brigando em público por uma dançarina.
“Hmm…”
Batendo na mesa, Alain tossiu para chamar a atenção, em vão. O ignorando, Rune falou.
“Se o Lorde Grace tivesse estendido a mão para ela, em primeiro lugar, a coelha não teria vindo até mim.”
Ahin cerrou o punho por debaixo da mesa e voltou a abri-lo. As palavras de Rune o atingiram como flechas, reafirmando os sentimentos que Vivi tinha expressado.
“…Ela não vai mais precisar pegar na sua mão no futuro.”
“Hmmm…”
Uma batida mais persistente de Alain Amon na mesa foi soterrada pela voz de Ahin, que continuou.
“Não, em vez disso, não deixarei que ela volte a te olhar, nunca mais.”
“Quê?”
“Por isso, fica na sua, sendo o desleixado de sempre. Afinal, você não pode ameaçar a autoridade de sua irmã.”
“…Cuidado com a boca.”
“O homem que sempre dá apoio aos outros e sempre está no lugar certo, na hora certa. Esse é você, não é?”
Rune, sem conseguir responder, fechou a boca. Com o confronto entre os dois se intensificando, os nobres começaram a ficar apreensivos. Alain Amon, sentindo os olhares que imploraram para que ele interviesse, socou a mesa para atrair atenção.
“Preciamos descobrir a causa do incêndio!! Vamos saber em breve. No momento, vamos tratar a mulher como convidada de ambos Lordes Grace e Manionz.”
Enquanto ela fosse uma suspeita, Vivi não poderia deixar a mansão até que a causa do fogo fosse descoberta.
“Vou ordenar aos criados da família Amon que a mantenham confortável.”
Ahin, escutando com uma orelha apenas, olhou pela janela. Vivi agora era uma dançarina profissional, de acordo com Rune. Não era uma má ideia, no final. Como os dois tinham intervindo em seu favor, os nobres não poderiam discordar de dar proteção a Vivi. Era o tipo de escândalo que não poderia ser contido sem o uso da autoridade de Ahin.
O cabelo prateado flutuou com a brisa. Olhando a capital, ao longe, Ahin pensou que o território da lebres era pacífico, com coelhos correndo pelos campos. Combinava bem com Vivi. Pensando que esse lugar era o oposto do território das panteras negras, Ahin de repente se lembrou de quando estava na prisão subterrânea.
Ele se recordou do criminoso que havia matado. Os olhos dele estavam voltados para o teto, nessa hora. Ahin tinha pensado que ele estava alucinando por causa das drogas. Mas, naquele momento… Quinn era a única criatura que poderia se mover livremente próximo ao teto da prisão. Parece que a presença que ele tinha sentido naquela noite era de Vivi e Quinn.
Quem iria imaginar que uma coelha viajaria carregada por uma águia… Ahin riu sozinho, descobrindo, de repente, porque Vivi havia chorado e se escondido debaixo da cama naquela noite.
‘Está vendo, é por isso que eu não quero te contar nada.’
Vivi se mantinha de pé como se fosse forte e corajosa, mas ela frequentemente tinha pesadelos e devia estar sempre ansiosa, então ele não queria que ela soubesse de mais coisas que pudessem procurá-la.
Ahin, batendo na mesa com o dedo, cruzou o olhar com Alain Amon. Após desviar a vista, ele anunciou que a reunião estava encerrada e que tudo que foi dito ali deveria ser estritamente confidencial.
***
Aven, sentada na carruagem, no caminho de volta à mansão Labian, fechou os olhos devagar.
‘O vento está esfriando’.
O dia no qual ela tinha abandonado Vivi tinha sido igualmente gelado. Ela sentia como se estivesse sendo envolvida por algo grudento, apesar de ainda estar eufórica pela reunião com Vivi.
“Vou deixar a questão para meus filhos resolverem.”
A resposta do líder do clã das lebres tinha deixado Aven chocada. Apesar de ela ter dado informações com a condição de que ele não revelaria sua identidade como testemunha, o líder tinha apenas escutado apaticamente e não tinha feito nenhuma pergunta a ela, mesmo ela já tendo várias respostas preparadas.
Batendo com o dedo na moldura da janela da carruagem, Aven chacoalhou a cabeça. Ela podia pensar nos problemas pequenos mais tarde. Nada seria pior do que Vivi retornar ao território das panteras negras. Se ela fosse embora dali, tudo estaria acabado. A maioria dos homens-besta tinha o nascimento registrado quando se humanizavam definitivamente. Como Vivi nunca foi registrada no livro da família, Aven não tinha nenhuma desculpa para levá-la de volta para casa, mesmo que fosse até a mansão Grace pessoalmente buscá-la. Isso queria dizer que havia o risco de ela nunca mais voltar a ver a filha. Não podia deixar isso acontecer.
‘Eu preciso trazê-la de volta… Custe o que custar.’
Os olhos violeta claro de Aven brilharam através da janela da carruagem.
***
Com a situação como estava, eu não podia sair do quarto de hóspedes com facilidade. Na ponta dos pés, olhei pela janela que dava para o portão principal da mansão. Era estranho ver o escudo da família Amon, e não o familiar símbolo dos Grace. Uma carruagem estava deixando a mansão, ao longe.
“Que estranho…”
O fato de que um incêndio começou durante a festa de aniversário do líder de um clã deveria significar que a segurança teria ficado mais estrita. O fogo foi pequeno, mas olhando para o todo, poderia significar algo maior. Além disso, eu senti a energia de feromônios no local, então contei a Ahin que não tinha sido uma combustão espontânea.
No entanto, parecia que era fácil aos outros nobres voltarem às suas casas, sem serem investigados. Apesar de ser muito difícil condenar um nobre por seja qual crime que venha a cometer, deveria ter um limite. Sentada no sofá, apoiei a testa nas mãos. Tinha algo estranho ali. Minha intuição herbívora me dizia.
“Mas, o quê?”
Mesmo que martelasse a cabeça, não conseguia responder a essa pergunta. Depois de me revirar de um lado para o outro, deitei no sofá, chateada.
“Vivi, meu bebê.”
As costas de minha mãe, virando fumaça e desaparecendo no vácuo, ficavam aparecendo na minha mente e me incomodando. Eu estava ressentida. O que eu queria era agarrá-la pelos ombros e perguntar “Por que você fez isso?!”.
Eu acho que não conseguiria odiar minha mãe completamente. Desde pequena, ela tinha me dado muito pouco amor. Quando eu era jovem, ficava frustrada comigo mesma, porque sabia isso na minha cabeça, mas minhas emoções não agiam de acordo. No entanto, pensei que preferia não vê-la outra vez. Era melhor apenas viver com esse espaço vazio no coração. No entanto, ainda haviam coisas frustrantes, como o que ela tinha dito…
“Você é a única coisa que restou para sua mãe…”
Meu corpo era capaz de detectar feromônios mesmo eu sendo uma herbívora não treinada e não humanizada definitivamente. Obviamente, minha mãe pareceu envergonhada por não ter sentido nada naquela hora. Quanto mais era exposta a feromônios fortes, mais meus cinco sentidos ficavam aguçados. No entanto, meu olfato e minha força física ainda eram medíocres.
“…Não tem nenhuma diferença que valha a pena mencionar…”
Continuei rolando no sofá, pensando e falando sozinha.
“Como assim, não vale mencionar? A Senhorita Coelha que eu conheço é muito digna de menção!”
A resposta de Evelyn ressoou por trás do sofá onde eu estava.
“Mas… Quando pretende me desamarrar?”
Ele protestou, com os pés e mãos amarrados com lenços. Ainda assim, sentava no chão com as costas muito retas. Só a expressão dele era consistente. Após simular uma expressão de coitado por alguns segundos, ele se corrigiu e voltou à cara inexpressiva de sempre, enquanto olhava Ash, que estava de guarda ao seu lado.
“Se realmente quer se soltar, porque não rompe as amarras?”
“A Senhorita Coelha colocou tanto esforço em me amarrar. Além disso, não posso fugir porque estou a cargo de guardar a Senhorita Coelha, de qualquer modo.”
“Já faz um tempo que eu queria dizer isso, mas já que estou na forma humana, poderia parar de me chamar desse jeito?”
“Está dizendo que quer jogar fora todas as memórias que fizemos juntos?! Eu ficarei muito chateado se fizer isso…”
“Quem falou que vou jogar memórias fora? Só estou pedindo para me chamar corretamente…”
“Não quero.”
Eu não esperava que ele fosse concordar, na verdade, mas ainda assim o encarei com ódio. De agora em diante, estava da hora de fazer um interrogatório.
Tradução: Nopa.
Revisão: Holic.