A Relação simbiótica entre uma lebre e uma pantera negra - Capítulo 70
Depois de assentir afirmativamente, o clima ficou estranho. Pude ver os olhos de Ahin, brilhando. Me sentindo envergonhada, acrescentei, apressada.
“Eu estava na forma de coelho nesse momento.”
“Continue.”
Ele respondeu na sua voz grave de sempre. Continuei mexendo o chocolate quente.
“Acabei absorvendo os feromônios do leão, mas ele dormiu sem reconhecer os gestos que eu fiz, para sinalizar a ele que estava prestes a me transformar em humana.”
“Que gestos?”
“Ah… Eu acenei com a pata dianteira.”
Não podia confessar que tinha feito uma dança, pois seria vergonhoso demais. Balancei a mão para demonstrar, como se fosse a pata, e continuei imediatamente.
“Então, quando acordei, estava em um quarto desabitado para onde Ash tinha me levado. E depois, encontrei a médica que conhecemos na vez anterior no Qatar, a professora Janna. Escutei que ela veio porque é amiga pessoal do líder do clã das lebres…”
Parei de falar por um segundo e perguntei.
“Ela me disse que já te conhecia.”
Ahin continuou batendo com o dedo na mesa. Tap tap tap. Ele assentiu.
“Já tinha visto o rosto dela.”
“…Bem. De qualquer maneira, graças à ajuda da professora Janna, e de Rune-quero dizer, do leão, consegui entrar no salão de banquetes. Mas Ash não iria poder entrar, então deixei ela no quarto de hóspedes com Restin por um tempinho.”
Murmurei, envergonhada.
“Depois disso, foi como Ahin viu.”
“Algo mais?”
Com o rosto apoiado no queixo, ele sorriu inocentemente.
“O que quer dizer…?”
Era um sorriso suspeito… Ele queria mais detalhes sobre como encontrei minha mãe? O que ele queria de mim? Desviei os olhos e não respondi nada.
“Desde que te encontrei, você está com cheiro de leão sujo.”
O cheiro de Rune? Só era possível enterrar alguém com cheiros através do contato. Mas agora que eu sabia disso, se ele tivesse tentado me cobrir com feromônios, eu teria percebido.
‘Espera um minuto….’
Logo antes de eu deixar Rune para trás, ele tinha agarrado meu pulso.
‘Foi nessa hora…’
Estava tão nervosa por encontrar os Labians que nem tinha percebido. Parando para pensar, desse momento em diante minha tensão tinha diminuído.
‘Será que tem a ver com os feromônios de Rune?’
Notei que estava olhando para meu pulso, sem perceber. A área que Ahin tinha segurado insistentemente hoje de manhã era o mesmo lugar que Rune tinha tocado. Quando pensei que a atmosfera estava ficando pesada, Evelyn entrou.
“Lorde Ahin, sinto dizer que resolveram adiantar o horário da reunião. O senhor tem que comparecer agora.”
“Estou ocupado. Vá no meu lugar.”
“É uma reunião na qual somente as pessoas de ranking mais alto tem permissão de estar…”
“Então vou faltar. Estou conversando com Vivi agora.”
Uma premonição sombria correu por meu corpo.
“Vivi, se você aparecer com cheiro de leão uma vez mais…”
Me lembrei de algo do passado, um aviso assustador de Ahin.
“Essa conversa é mais importante que a reunião, meu Lorde?”
“Vivi me traiu com o leão outra vez.”
Ahin deitou a cabeça na mesa, simulando estar deprimido. Evelyn me encarou.
“Senhorita Coelha…”
O olhar dele era de desapontamento. Pálida, chacoalhei a cabeça.
“Evelyn, é um mal-entendido, não é o que parece!”
“Isso é o que todos que são pegos traindo falam…”
Uma voz chorosa veio de Ahin, com a cara enfiada na mesa.
“Tem razão, meu Lorde… O olhar dela para ele é de flerte.”
Ficaram loucos? Meus olhos eram assim naturalmente! Tentei forçar um olhar mais ameaçador.
“Agora está me encarando, veja. Toda vez, essa atitude…”
“É uma característica de pessoas que gostam de flertar com os outros. Que pouca vergonha… Lorde Ahin, seja forte no futuro…”
Quem é sem-vergonha?! Evelyn estava mais irritante que o normal, para não mencionar Ahin. Talvez estivesse mais brava por estar na forma humana agora. Mas tinha algo que esses dois tinham ignorado. Esta Vivi não era mais um coelhinho que só podia chutar com as patas sem dizer nada. Jurando não deixar passar, me levantei da mesa. Estava na hora de deixar esses dois provarem o sabor da justiça.
***
Alain Amon, o neto do líder do clã das lebres, era um homem íntegro e com bastante senso comum. Para ele, fazer uma reunião matinal era algo que ia contra a sua agenda habitual. Esfregando as têmporas, ele levantou os olhos do relatório que segurava.
Não havia muitas pessoas ali. Apenas os dois que tinham sido denunciados como envolvidos no incêndio da noite anterior, Ahin Grace e Rune Manionz, e alguns nobres do território das lebres.
Os olhos violeta trêmulos de Alain se fixaram em Ahin, que tinha um arranhão na bochecha como se tivesse brigado com um gato de rua. Ele anunciou a abertura da reunião, mas ficou constrangido logo depois. O normal era iniciar com cada participante falando seus nomes, os de suas famílias e seu status, mas Ahin e Rune omitiram essa parte e ficaram calados. Podia ser devido à arrogância dos predadores, ou talvez não gostassem de formalidades. Mas…
“Lorde Manionz, meu nariz vai apodrecer com o seu fedor.”
“É por você ser assim que a guerreira te julga como um monstro a ser derrotado.”
“Melhor do que ser um preguiçoso.”
“Não sei do que está falando.”
Alain não tinha ideia de onde começar a comentar. Talvez fosse um código usado nos clãs dos leões e panteras negras, para ter sua própria reunião secreta dentro daquela? Os nobres do clã das lebres só escutavam sem dizer uma palavra.
“Lorde Amon, posso fazer uma pergunta…”
Um nobre do clã das lebres, olhando entre um predador e outro, perguntou a Alain Amon.
“Os territórios de predadores ainda tem guerreiros, mesmo hoje em dia?”
“Não. Esse posto terminou com o fim da guerra continental.”
“Então, do que esses dois estão falando?”
Alain, pálido, tossiu para atrair a atenção de todos.
“Para iniciar a reunião… Não, vamos chamar isso de conversa.”
Os dois eram os nobres de maior ranking presentes, então era melhor não criar inimizade com eles.
“Gostaria de perguntar sobre o animal que entrou na mansão e a quem pertence. De acordo com o guardião do portão da mansão, a pantera negra seria o animal de estimação do Lorde Rune Manionz. Mas quem está com a pantera no momento é o Lorde Ahin Grace.”
“O Lorde Manionz trouxe a minha pantera negra para cá sem minha permissão. Apesar de esse fato, como ela me pertence, tomarei a responsabilidade por qualquer coisa que tenha acontecido.”
Ahin, com a voz macia, respondeu imediatamente. Rune, sabendo que essa mentira ficaria registrada no relatório da reunião como um fato, massageou as têmporas. O punho de sua irmã furiosa apareceu nos seus pensamentos.
“A mansão já estava um caos, e ela não fez nenhum dano direto, então vamos deixar isso para lá. No entanto, garanta que ela ficará sob controle durante o resto de sua estadia, Lorde Grace.”
“Pode deixar.”
“O segundo item na pauta é uma mulher-besta lebre não identificada.”
Assim que acabou de falar, Alain Amon sentiu os olhares agudos de Rune e Ahin nele. Sem entender porque esses dois estavam sérios pela primeira vez desde que entraram, ele continuou.
“De acordo com a nossa testemunha…”
Ahin, sem tirar os olhos de Alain Amon, apoiou o queixo nas mãos.
“Quem é essa testemunha?”
Alain Amon respondeu.
“Sinto muito, mas precisamos garantir o anonimato dessa pessoa.”
“Não basta convidar nobres de vários territórios, nem mesmo conseguem manter o controle sobre todos.”
Rune falou pela primeira vez em muito tempo, bocejando.
“Sabem… Não é uma regra que testemunhos dados durante reuniões tenham a identidade de seu informante revelada antes de começarem a falar?”
Quando os dois homens, que até então pareciam inimigos, de repente juntaram forças, os nobres do clã das lebres ficaram constrangidos.
“Não posso dizer a identidade da testemunha, mas espero que entendam que a informação foi passada diretamente ao líder do clã.”
Alain Amon, mantendo a expressão neutra, tentou acalmar os ânimos.
“O incêndio de ontem à noite começou numa área deserta ao lado do portão lateral do salão de banquetes. Estamos tentando identificar a causa do fogo, mas só há um suspeito até agora. É essa mulher-besta lebre não identificada que mencionei.”
Ahin, imaginando que a fonte só poderia ser Aven, assentiu.
“A testemunha disse que essa mulher tem alguma relação com ambos Ahin Grace e Rune Manionz. Não temos nenhum registro dessa pessoa ter passado pelo portão de entrada. No entanto, ao entrar no salão de banquetes, ela foi registrada como acompanhante do Lorde Manionz.”
Rune, sem falar nada, deu de ombros.
“E a testemunha ainda falou que essa pessoa foi vista ao lado de Ahin Grace, incluindo a pantera negra selvagem. Também foi dito que, nesse exato momento, ela estaria nos aposentos do Lorde Grace.”
Ahin estava sorrindo. Alain Amon o encarou, pois o pantera negra parecia alegre e sereno naquele momento. Logo ele voltou a falar, com determinação.
“Primeiro, preciso que revelem a identidade dessa mulher-besta lebre. Se sabem de algo, por favor, me digam.”
Ahin lambeu os lábios. Ele ia inventar uma mentira, mas não sabia por onde começar. Ele olhou para Rune, cuja expressão era a definição de “preguiça”. O problema é que os dois tinham que contar uma mentira consistente, sem tempo para combinar nada. Ele não conseguia ler nada nos olhos apáticos de Rune. Com mais ódio pelo leão que o normal, Ahin ia começar a falar, quando a voz de Rune ressoou primeiro.
“Dançarina.”
Essa foi uma declaração inesperada. Os olhos de Ahin se arregalaram. Alain Amon, por outro lado, parecia constrangido ao ouvir a informação. A maioria dos dançarinos era nômade e não tinha identidade confirmada.
“Todos sabem que a aliança entre os clãs dos leões e das panteras negras está abalada ultimamente. Então eu a trouxe como dançarina para uma festa de união dos dois clãs que estou planejando para o futuro.”
A atenção de Ahin e de todos na sala de reuniões estava voltada para Rune.
“Ela dança tão bem que faz qualquer um perder a cabeça. Não é mesmo, Lorde Grace?”
Os olhos de todos os nobres do clã das lebres se voltaram para Ahin. O queixo dele ainda estava meio caído.
“Eu…”
Tradução: Nopa.
Revisão: Holic.