A Relação simbiótica entre uma lebre e uma pantera negra - Capítulo 69
A conversa não durou muito tempo. O líder do clã, olhando Aven deixar a sala de estar, levantou sua terceira xícara de chocolate quente. O odor do chocolate encheu o ambiente, enriquecido pelos cubos de açúcar de Aven.
“Então ela falou que, além da presença de uma pessoa que não foi convidada no banquete, o incêndio ainda por cima foi causado de propósito?”
Ele estava irritado. O prestígio da família Amon estaria abalado. O secretário, afastando a xícara de seu mestre, assentiu.
“Se não foi um acidente, como falou a Sra. Labian, então será um problema maior. Mas como ela sabia que a mulher-besta lebre presente na hora do incêndio não tinha sido convidada?”
“Ela aceitou testemunhar com a condição que nós não fizéssemos nenhuma pergunta. Quando enviarmos cestas de agradecimento aos convidados, vamos incluir uma carta pedindo que colaborem com qualquer informação que ajude a investigação.”
“É uma boa ideia, meu Lorde.”
“Não fale como se não tivesse nada a ver com o caso! E por que ela mencionou Ahin Grace?”
“Por alguma razão, ela soou agressiva. Deve ter algum ressentimento em relação ao Lorde Grace.”
O secretário, depois de passar por todo tipo de coisa, não se surpreendia por nada.
“Mas que senhora mais cheia de reclamações! Para começar…”
“Meu Lorde, melhor não falar demais. Pode ter algum homem-besta rato escondido por aí, escutando.”
A sala de estar nobre era construída de modo a não permitir interrupções. O secretário, sabendo disso, olhou ao redor só para garantir.
“De qualquer modo, conte tudo para meus filhos. Este velho não tem condições de comparecer à reunião. Minhas mãos estão tremendo porque baixou o açúcar no meu sangue.”
O líder saiu falando animado, em contraste com o tema pesado que tinha sido discutido naquela sala. O secretário suspirou. Três xícaras de chocolate quente vazias tinham ficado para trás.
***
A luz do sol bateu no meu rosto e me acordou.
“Hmm..”
Abri os olhos, os apertando por causa do sol. O teto que enxerguei era um que nunca tinha visto antes, e o fato que eu estava olhando para ele significava que estava deitada de barriga pra cima. Parecia que meus maus hábitos quando dormia não tinham mudado.
‘Uma cama…?’
Pensava que tinha adormecido no sofá, depois de colocar outra toalha úmida na testa de Ahin. Deitada sob o braço, refleti sobre o que tinha acontecido de madrugada e olhei para o lado. Enquanto eu estava tomando a maior parte da cama, Ahin, que era o doente, estava encolhido de maneira a ocupar o menor espaço possível.
‘Ele me moveu para a cama em algum momento?’
Esticando o braço com cuidado, toquei a testa de Ahin. A febre tinha baixado, e a cor dele tinha voltado ao normal. Sem perceber, comecei a encarar os lábios dele. Meu coração acelerou. Eu não podia negar minha mente suja. Reconheci isso calmamente, porque já o vinha percebendo há algum tempo. O sólido castelo de areia de minha mente estava se desmanchando devido às ondas persistentes que Ahin representava.
Desde quando…? Talvez o castelo tenha começado a se desfazer no dia em que ele me chamou pelo nome. Mas eu tentei tanto não ser uma coelha desavergonhada… Não podia me esquecer. Nós éramos de clãs diferentes, e com status bem distintos. Além disso, a questão mais ambígua era que eu não conseguia me manter sempre na forma humana. Eu sempre repetia para mim mesma que só poderia ficar próxima a Ahin enquanto mantivesse essa relação estranha. Afinal, o amor só vira realidade quando o sapo dos contos de fada vira príncipe. Além disso, a realidade – afinal, não estávamos em um conto de fadas – era pesada demais.
A atitude de Ahin estava diferente de como era no começo, mas ele ainda me tratava mais como um bicho de estimação. Não sabia se ele tinha afeição por mim como pessoa ou era apenas um desejo de ser meu dono, o que incluía minhas habilidades com feromônios.
‘Mas prefiro não saber o que ele pensa.’
Se eu pudesse olhar dentro dessa cabeça com um parafuso a menos, certamente iria enlouquecer também. Após olhar para ele dormindo por um tempo, percebi que ambos estávamos com uma aparência horrível. Meu vestido estava todo amassado, com a saia amarrada. Ahin, que sempre usava paletó e gravata, só ficava desalinhado enquanto dormia. Pensei que seria melhor cobri-lo com o cobertor antes que despertasse.
‘Vamos cobrir…’
Enquanto puxava o lençol para cima, vi o pescoço de Ahin, exposto através do colarinho. Logo, percebi que havia algo ali, arregalando os olhos.
‘O que é isso?!’
Haviam marcas de dentes, a prova de que uma mordida com muita força havia acontecido ali. Era claramente diferente dos caninos de Ahin, que no passado tinham deixado marcas no meu pescoço. Meus olhos tremeram violentamente enquanto olhava as marcas vermelhas.
‘….Preciso curar isso.’
De qualquer maneira, não importava o que custasse. Mesmo se eu voltasse a forma de coelha. Se um médico ou qualquer outra pessoa visse essa marca, me esconder para o resto da vida em uma toca não seria o suficiente. Na verdade, não poderia permitir que nem mesmo Ahin a visse, caso olhasse para o espelho.
‘Que bom que eu percebi antes que ele.’
Na verdade, caso eu virasse coelha, seria mais fácil sair daqui. Estiquei o braço em silêncio, preparando feromônios. Minha mão chegou ao colarinho de Ahin, tremendo violentamente. Puxei a gola para baixo, devagar, sem conseguir tocar diretamente na pele. Assim que ia lançar os feromônios através de minha mão trêmula, encontrei os olhos de Ahin, que ele tinha aberto não sei em que momento.
Um profundo silêncio seguiu. Os olhos dele passaram pelo meu rosto, minha mão estirada e o colarinho sendo puxado. O olhar dele parecia frio.
“…Da última vez, você prometeu que não ia me tocar enquanto eu dormia.”
Logo, o rosto dele mudou para um sorriso. Em pânico, chacoalhei a cabeça com tanta força que minhas bochechas voaram.
“Não é isso!! É que tem um ferimento no seu pescoço, eu ia curá-lo… Durante a madrugada, eu… mordi, e….”
Parecia uma desculpa falsa até mesmo em meus ouvidos. Minhas orelhas queimavam. Com certeza, meu rosto era como o de um ladrão sendo pego roubando.
“Já chega.”
Ahin, calmamente arrumando os botões de sua camisa, deu as costas para mim. A atmosfera parecia fria.
“Ahin, me escute…”
Saltei da cama e andei para o lado para o qual ele estava virado, para ver seu rosto. E o Ahin que vi estava mordendo o lábio com tanta força que quase sangrava, e tapando a boca, para não rir. Cerrei os punhos e agarrei um travesseiro. Odiei o Ahin de hoje, que parecia saudável novamente. Queria fazê-lo ficar mal outra vez.
***
Depois de uma manhã caótica, fui ajudada por criadas a me vestir para o café-da-manhã. Todas elas tinham olhos violeta-claro, como os meus, e seus cabelos estavam amarrados com laços vermelhos. Enquanto isso, uma refeição tinha sido servida na mesa da sala de visitas, com pratos como sopas de batatas e sanduíches. Pude perceber que foram feitos com capricho.
Enquanto tentava colocar creme em um croissant, abaixei os olhos. Ash, que Evelyn tinha trazido para cá, estava piscando para mim. Os olhos dela encaravam o croissant como se ela fosse uma pantera faminta e abandonada na chuva.
O tecido vermelho amarrado em torno de seu pescoço, novamente colocado para simbolizar que ela era um pet inofensivo, parecia fazê-la se sentir desconfortável. Mas não podia deixá-la sozinha, devido à confusão que acabou arrumando ontem… Acabei passando o croissant para Ash, que o engoliu em uma só bocada.
“Ash já comeu, então se concentre em si mesma.”
Ahin, sentado do outro lado da mesa, falou. Vestido todo de preto, como um policial, ele sorriu como se estivesse satisfeito demais. Ao ver essa cara, supus que estava mesmo totalmente curado. Silenciosamente peguei outro croissant, que já estava frio devido à demora para chegar à mesa, fruto do incidente matinal.
Apesar de não termos podido conversar sobre o assunto, estava claro que ele tinha tido ataques de feromônios antes, e não só uma ou duas vezes. Enquanto eu pensava, concentrada, Ahin foi colocando mais pratos à minha frente, empurrando também uma xícara de chocolate quente.
“É estranho.”
Ahin falou, pegando o croissant para ele mesmo.
“Quando você está na forma de coelha, você come que nem uma esganada, mas quando se humaniza, não quer comer nada?”
‘Quem é esganada?!’
Comecei a falar, mas me calei.
“Não tem nada que eu queira comer aqui…”
O croissant que Ahin segurava foi apertado com força em sua mão, enquanto ele ainda sorria. O perigo dos caninos aparecendo por entre os lábios acresceram à sensação de medo.
“Ahin, você é realmente…”
“Uma besta maldosa? Depois da noite passada, me pergunto qual de nós dois é a verdadeira besta.”
Ahin, levando uma xícara à boca, sorriu alegremente. Nem parecia uma alma que ficou entre a vida e a morte a noite toda. Ignorando-o, comecei a comer sem falar nada. Ahin, depois de me olhar comer por muito tempo, falou.
“Me diga como você chegou até aqui. Ash causou uma cena no banquete, mas quero saber de tudo.”
Aí vem… Abaixei a colher e peguei um guardanapo.
“Não foi nada demais, só que Rune…”
A testa de Ahin se franziu automaticamente ao ouvir esse nome. Mudei o título mais rápido que a luz.
“O futuro líder do clã dos leões – ele me deu uma ajudinha.”
“Hm, sei…”
Ele jogou cubos de açúcar no próprio chocolate quente, mexendo com uma colher. Ahin não parecia estar ofendido, apesar de seu mau relacionamento com Rune. Encorajada por essa reação, continuei falando.
“Nos encontramos com ele no portão sul da floresta fronteiriça. Quando eu saí da mansão…”
“Fale enquanto come.”
Ahin me deu o croissant de volta, já tendo passado creme nele. Mordendo-o por obrigação, eu continuei.
“Ash entrou como bicho de estimação de Rune – não, do leão, e eu me escondi.”
“Onde?”
“…No bolso dele.”
Ahin ficou em silêncio, mexendo o chocolate quente sem parar. Um tempo depois, falou.
“Sim, e depois?”
“Quando chegamos à mansão, era muito tarde da noite, então pensei em te procurar quando amanhecesse e passar a noite ali mesmo.”
“…No quarto do leão?”
Tradução: Nopa.
Revisão: Holic.