A Relação simbiótica entre uma lebre e uma pantera negra - Capítulo 64
O frio vento noturno castigou o corpo de Vivi. Abaixando o leque que cobria seu rosto, ela olhou para cima e fez contato visual com a senhora que estava na varanda, acima.
‘…Mãe.’
Como sempre, os olhos violeta de Aven estavam olhando para baixo. Ela estava igual a sempre. Seu cabelo branco e liso e seus olhos elegantes a destacavam como uma pessoa de sangue nobre. O cabelo de Vivi de repente lhe pareceu pateticamente desarrumado, por ter pensado que era similar ao da mãe.
No entanto, Aven parecia muito mais magra do que a última vez que a tinha visto. Os ossos que sobressaiam por baixo do vestido de veludo eram proeminentes. Vivi tinha se esquecido dos barulhos altos do lado de fora do salão de banquetes, que a motivaram a sair correndo para checar, mais cedo. Ela tinha vindo ali só por esse momento, mas estava paralisada. Nenhuma das duas se moveu. Passaram segundos, e então minutos. Os lábios de Aven se abriram depois de olhar para baixo por um longo tempo.
“…É você? Vivi?”
Era um tom de voz tão carinhoso como ela não escutava desde a primeira infância. Engasgada, não conseguiu responder.
“Espere um momento, estou indo para aí!”
Vivi assentiu com a cabeça sem perceber. Nervosa, Aven girou rapidamente. A saia longa do vestido atrapalhava seus movimentos.
“Me espere!”
Aven, esquecendo as formalidades e enrolando a saia do vestido para cima, correu. Logo ela chegou ao local debaixo do terraço, onde Vivi havia caído há pouco. O fôlego de Aven estava irregular devido à corrida.
“Vivi…”
Se levantando do chão e espanando a poeira do vestido, Vivi se virou para ela. Uma lamparina brilhante jogava sombras sobre seu rosto. Aven não conseguia tirar os olhos de Vivi, pensando.
‘O cabelo branco, a boca ligeiramente levantada, a pele branca como a neve, e o pescoço gracioso… traços típicos da família Labian. Ela é definitivamente minha filha.’
“Ahhh!”
Ela se aproximou com os pés trôpegos e a abraçou com força.
“Meu bebê!”
Vivi pode sentir o coração dela batendo contra o seu corpo. Seus dedos automaticamente se fecharam contra a cintura da mãe, como se quisessem obter de volta o que tinham perdido. Aven alisou a bochecha de Vivi com a mão trêmula. A outra mão permaneceu em sua cintura.
“É impossível que eu não fosse reconhecer meu bebê, que se parece tanto comigo.”
Ao contrário de Aven, que estava extasiada com o reencontro dramático, as emoções de Vivi a surpreenderam. Estava muito calma. Talvez devido à atitude da mãe, que tinha mudado da noite para o dia. Era como se ela estivesse confirmando que a única razão para ter abandonado a filha era por ela ter falhado em se humanizar.
“Quando e como você se humanizou? Não acredito… Vivi, fale algo, quero ouvir sua voz.”
Pensando que seria melhor se ela estivesse agindo rispidamente, como sempre, Vivi deu um passo para trás.
“…Eu estava te procurando.”
Aven arregalou os olhos ao ouvir a voz de Vivi. Ela esticou o pescoço, e, enxugando lágrimas, se aproximou novamente.
“Eu também, meu bebê. Venha pra perto e deixe eu ver seu rosto.”
Vivi estirou o braço para que a mãe não chegasse mais perto. Contatos desnecessários poderiam causar uma confusão na sua mente, que estava calma e clara.
“Estou feliz de ter encontrado a você, mãe, e não o meu pai. Tem algo que quero perguntar.”
“Claro que sim! Se tem algo a perguntar, deve procurar por mim, e não por seu pai.”
Na verdade, Vivi não se lembrava como era o rosto do seu pai. Depois que completou 5 anos e não se humanizou, ele lhe deu as costas e nunca voltou a olhá-la. Para ele, que tinha tantos filhos, uma criatura falha não era mais que um incômodo. Vivi teria muito mais trabalho se fosse caminhar por todo o salão de banquetes o procurando, uma vez que não sabia como era seu rosto.
“Responderei qualquer coisa que queira saber. Tenho tanto para te contar!”
Aven, que não tirava os olhos de Vivi, parecia animada. Ela respirou fundo.
“Primeiramente, sobre me abandonar na floresta fronteiriça.”
“Não foi um abandono, querida!”
Aven parecia saber que sua atitude atual era contraditória. Respondeu calmamente, deliberadamente mantendo a mão na cintura da filha.
“Deixe-me explicar tudo.”
“Não, eu já sei de tudo. Provavelmente foi por causa da maldição. O sacerdote do templo não se incomodou em falar tudo na minha frente.”
Feliz porque a sua voz não fraquejou, Vivi mordeu os lábios. Essa conversa com a mãe, que estava paralisada e parecendo estar sem fôlego, só foi possível porque ela tinha se humanizado.
“…Mas, não é estranho? O sacerdote disse que eu estava amaldiçoada e por isso não me humanizava, mas, se for assim, como estou perante minha mãe nesse momento?”
“Vivi, me escute…”
“Eu falo primeiro.”
Vivi escondeu os dedos trêmulos por trás das costas. Os olhos de Aven, com lágrimas como se ela realmente a amasse, eram ao mesmo tempo engraçados e de quebrar o coração.
“Estive me perguntando. Se fui amaldiçoada por Deus, mas mesmo assim me humanizei… Como fiz isso? Não me lembro de ter quebrado a maldição.”
“Vivi…”
Antes, Vivi nem mesmo conseguia pensar na maldição. A voz do sacerdote aparecia em seus pesadelos, a atormentando. Quando o sonho chegava na pior parte, Ahin puxava suas bochechas para acordá-la. Mas, ao despertar, ela não se lembrava direito dos pesadelos.
“Sei que a minha existência atrapalhava os prospectos de Kairi se tornar o sucessor da família. Por não me humanizar mesmo após alcançar a maioridade, certamente isso colocaria uma má fama sobre ele.”
Respirando fundo, ela continuou antes que a mãe pudesse falar algo.
“Todos os meus meio-irmãos se humanizaram mais rápido que a média. Por isso, alguns falavam que eu era resultado de uma aventura extra-conjugal de minha mãe.”
“Não acredite nisso! Você definitivamente tem o sangue dos Labians!”
“É claro que esse rumor era falso. Minha mãe é uma mulher orgulhosa demais para fazer algo assim.”
Ela também era uma pessoa com um forte desejo por poder. No entanto, Vivi não falou essas palavras em voz alta.
“De qualquer modo, seria ambíguo simplesmente dizer que eu não era uma Labian, então seria necessário criar uma desculpa. Algo para justificar minha não-humanização ao mesmo tempo que silenciasse os rumores sobre minha mãe e não prejudicasse meu pai.”
Vivi sentiu que estava chegando na resposta certa. As mãos de Aven estavam suando.
“Por isso, não tinha plano melhor do que inventar uma maldição.”
Não dava para provar se a maldição existia ou não, por ser algo desconhecido, e, no entanto, todos acreditariam. O fato de um sacerdote ter proclamado sua existência também dava credibilidade.
“No caminho pra cá, fiquei lembrando da última visita que fui ao templo com você, mãe. E o sacerdote que disse que eu estava amaldiçoada… O sobrenome dele era Eugenia, não é?”
Vivi falou após morder os lábios.
“…Ele era da sua família, mãe.”
Aven Eugenia. Esse era o nome de sua mãe antes de se casar com o Lord Labian.
“Me diga. Estou amaldiçoada ou não?”
Vivi sabia que não era uma maldição, apenas queria uma confirmação.
“Isso…”
Aven ficou sem fala. A Vivi que ela conhecia era apenas um coelho bebê que sempre se escondia nos cantos, e nunca soube que tinha esse espírito tão determinado. Então ela tentou mentir para se aproveitar dessa natureza gentil, mas Vivi, inesperadamente, não se deixou levar pelos apelos de Aven. Fechando a boca, ela sentiu um misto de vergonha e alegria.
Depois de completar a maioridade, Vivi era uma candidata a sucessora muito melhor que Kairi, que só se preocupava em se divertir. Ela tinha que trazê-la de volta à família. Aven estava mais do que satisfeita com a Vivi que a levou a tirar essa conclusão.
“Sim, eu combinei com o sacerdote para que falasse aquilo. É verdade.”
A expressão de Vivi, enquanto se esforçava para manter a calma, ficou dividida. Não tinha ideia se deveria ficar feliz ou se ressentir pelo fato de que a maldição era completamente falsa.
“Você sabe, o mundo dos nobres é como uma selva. Para sobreviver, alguns animais inclusive abandonam suas crias.”
“Não somos animais, somos homens-besta.”
“É verdade, somos mais cruéis e fracos que os animais. Te mandar para lá foi uma escolha que fiz pensando na sobrevivência da família. E me arrependo dessa escolha.”
“…Você mandou pessoas para confirmar se eu tinha mesmo morrido.”
“Oh, claro que não! Estava esperando que eles pudessem te trazer de volta.”
Aven fez uma voz doce, que ela sabia que Vivi gostava.
“Me perdoe. Tenho certeza que, no meu lugar, qualquer um faria essa mesma escolha.”
Um pedido de desculpas, que Vivi nunca pensou que escutaria, saiu da boca dela. Com uma expressão confusa, Vivi abaixou um pouco a cabeça. Aven aproveitou para olhar para o rosto dela em detalhes.
“Eu era a pessoa mais ansiosa de todas para te ver humanizada. Não imaginei que seria uma pessoa tão bonita e tão forte.”
Ela retirou um adereço de cabelo de si mesma e o fixou em Vivi. Era uma violeta, a flor-símbolo da família Labian.
“…Mãe, você não precisa criar desculpas para justificar ter me jogado fora. Na verdade, estou grata por isso.”
Vivi falou, após ter ficado em silêncio por muito tempo.
“…Vivi?”
Aven, que esperava que ela demonstrasse gratidão pelos elogios, franziu a testa.
“Eu pude ir ao território das panteras negras, e descobri a verdade. Se tivesse ficado apenas dentro da mansão Labian, nunca teria descoberto.”
“Do que está falando?”
“…Mãe, eu me humanizei porque absorvi feromônios.”
“Quê?”
Vivi brevemente explicou sobre seus dias no território das lebres. Não era como se ela nunca encontrasse feromônios, o que acontecia até mesmo em relação aos feromônios sexuais que os criados exalavam enquanto tinham seus encontros secretos dentro de seu quarto. Mas, naquele momento, ela não tinha apresentado resposta nenhuma, até ser exposta aos feromônios de um predador. Julgando pelas diferenças de situação…
“Meus feromônios são tão poderosos que somente respondo a feromônios extremamente fortes.”
“…Seus feromônios?”
Vivi assentiu, fechou os olhos e voltou a abri-los.
“É um nível tão alto que não condiz com a linhagem dos Labians.”
“Que absurdo, como isso pode ser…?”
“Por isso, queria te perguntar diretamente. Por acaso, alguma vez…”
Cara a cara com Aven, ela abriu a boca um momento depois.
“Você já me deu alguma droga fortalecedora de feromônios no passado?”
Tradução: Nopa.
Revisão: Holic.