A Relação simbiótica entre uma lebre e uma pantera negra - Capítulo 61
Eu caminhei pelos corredores, sendo puxada pelo garoto teimoso e seguida por Ash. Felizmente, não encontramos com ninguém pelo caminho, que era curto.
‘Será que Rune está me procurando?’
Rune já tinha dito no passado que achava estranho o fato de eu me manter na forma de coelho bebê por tanto tempo. Era melhor evitar me encontrar com ele o máximo possível, mesmo que ele não tenha perguntado de propósito para investigar meus segredos.
‘É melhor ir até Ahin, no fim das contas.’
O machucado em minha mão era insignificante demais para levar para um médico olhar. Enquanto pensava isso, o menino abriu uma porta para um quarto de hóspedes que cheirava a ervas medicinais. Sentada em uma mesa, de costas para a porta, estava uma senhora.
“Professora Janna.”
O menino nos puxou até ela, enquanto eu pensava que aquelas costas me pareciam familiares. Eu e Ash, segurando as mãos do garoto com a mão e cauda, respectivamente, nos aproximamos cautelosamente. Quando cheguei perto da mesa, o menino deu um tapinha nas costas da mulher.
“Professora Janna!”
“Russel, se me chamar de mãe, eu responderei… Onde você estava? Apesar de essa mansão ser um lugar seguro, você…”
“Mãe, eu trouxe alguém muito durão!”
“Quê? Do que está falando?”
A senhora se virou devagar e então se levantou, em choque.
“A paciente!?”
“Doutora?”
A mãe do menino era a médica que eu tinha conhecido no Qatar, mas no momento, estava usando um vestido elegante, e não um jaleco. Eu tinha pensado que ela se portava como uma nobre naquele dia… Parecendo menos surpreendida, ela mandou os criados se retirarem. Todos saíram de uma vez, com os rostos um pouco pálidos.
“Por que eles estavam assim?”
“Deixe eu ver o seu ferimento primeiro.”
Sentei no sofá e deixei ela me examinar.
“É um arranhão. Você roçou a mão em algo pontudo?”
Ela pegou uma maleta médica e começou um tratamento.
“Eu só me machuquei sem perceber…”
“Mais uma vez, você está com problemas. Como chegou aqui com Russell?”
Com essa pergunta, meu olhar naturalmente foi para os meus pés, onde o garoto, que estava sentado ao lado de Ash, levou o dedo à boca e fez um “shh!”. Então ele falou.
“Nos encontramos no corredor por acaso.”
“Esse tipo de coincidência pode ser o destino.”
A médica se apresentou enquanto tratava minha mão. Ela era uma nobre de ranking não tão alto no território das capivaras e professora na Academia Belhelm.
“Belhelm? Essa Academia não é super famosa? E é frequentada por ambos herbívoros e predadores…”
Arregalei os olhos, sabendo que a escala disso era enorme.
“Por que está tão surpresa? Bem, é verdade que eu não pareço ser professora, nem nobre.”
“Não é isso!”
“Eu sei, eu sei. O nome Academia Belhelm impressiona.”
Ela riu alto e deu um tapa no meu braço. Esfregando meu braço dolorido, me lembrei das características do clã das capivaras. Eles eram conhecidos por serem muito sociáveis, então interagiam com várias pessoas, independentemente de status. Mesmo após acabar o tratamento, a médica continuou conversando.
“Só foram convidados para esse banquete pessoas de alto ranking de outros territórios e nobres do território das lebres, mas eu sou próxima do líder do clã. E você…”
Ela coçou o queixo enquanto falava.
“Ah, eu vi a carruagem dos Grace ontem, então você deve ter vindo junto com Ahin Grace.”
“Você sabia quem Ahin era?”
Eu pensava que eles nunca tinham se visto antes daquele dia. Para não falar o que não devia, tapei a boca com as mãos. A médica, parecendo se recordar de algo, explicou.
“Foi logo antes de vocês irem embora de Qatar… Ele se apresentou como o jovem mestre da família Grace e me recompensou.”
Ela juntou o dedo indicador com o polegar para indicar moedas de ouro.
“Foi muito útil para minhas pesquisas.”
“Então você não o conhecia?”
“Bem, o diretor da Academia é o avô do jovem mestre Ahin.”
“O avô de Ahin… é diretor da Academia Belhelm… Quê!??”
Com os olhos arregalados, cobri a boca com as mãos. Como quando estava na forma de coelho, minha voz não queria mais sair.
“É como eu disse, esses felinos são cheios de surpresas.”
A médica, que parecia estar tentando não rir, simpatizou comigo.
“De qualquer modo, eu só tinha visto o Jovem Mestre Grace uma vez antes, quando ele era muito jovem, mas ele pareceu muito esperto.”
De qualquer modo, ele sabia tudo sobre a droga que potencialmente me deram e não contou nada para mim. Minha raiva surgiu com força. Graças a isso, eu estava aqui nessa situação, para tentar obter informações.
“Parando pra pensar, estou muito atrasada em me apresentar. Sou Bensi Janna, a líder da família Janna. Pode me chamar de Senhora Janna ou Professora, sem formalidades. A criança que te trouxe aqui é meu filho, Russell.”
Meus olhos se voltaram para baixo outra vez. O menino, sentado, estava brincando com a cauda de Ash.
“Ele é menor que os outros meninos da idade, mas já tem 6 anos. E você, qual é o seu nome?”
“Ah, ela é a Vivi! E o sobrenome é…”
Fiz contato visual com Russell, que respondeu a pergunta por mim. Os olhos negros, sem nenhuma emoção, continuaram com firmeza.
“Vivi Guerreira.”
“Russell, do que você está falando?”
“Ela é uma guerreira que atira pedregulhos nos monstros!”
O menino logo perdeu o interesse e voltou a se focar na cauda de Ash.
“Pedregulhos…?”
A médica olhou para minha mão ferida com suspeita nos olhos. Estaria pensando que me machuquei jogando pedras em alguém? Chacoalhei a cabeça ao perceber o meu erro em exagerar nas histórias.
“Bem, isso é novidade. Russell é tímido e não fala nada para desconhecidos. Acho que ele gostou de você.”
“Como assim?”
“Para simplificar, ele sentiu boas energias. Os feromônios dele tem o poder de distinguir a energia de outros seres vivos.”
Então, queria dizer que ele tinha me avaliado como sendo uma boa pessoa. Quando estirei a mão para apertar a do garoto, ele segurou minha mão no meio das suas com força.
“Esse tipo de feromônio é poderoso e raro em homens-besta capivaras. Por isso, ele só passou por sua humanização definitiva uns dias atrás.”
“Quê??”
“Talvez por isso ele ainda tenha dificuldade em falar e saber como agir. Bem, ele é muito jovem.”
Ela falou como se não fosse nada demais, mas isso não era um assunto que pudesse ser deixado para lá.
“A humanização de Russell…. foi retrasada?”
Petrificada, alternei o olhar entre Russell e a doutora. Ela estava sorrindo.
“Sim, igual a você, Senhorita Vivi.”
“??”
Como ela sabia que eu tinha me humanizado tarde? Será que Ahin contou para ela? Pedi para ela repetir, sentindo como se tivesse levado uma martelada na cabeça.”
“O que disse?”
“Igual a você, Senhorita Vivi.”
Um silêncio seguiu. Me levantei de supetão e dei um passo para trás.
“Como você…”
Ash, sentindo a mudança na atmosfera, me cercou com a cauda como para me proteger e rosnou baixinho. Em um instante, a médica tomou Russell nos braços e se escondeu atrás da cortina.
“Eu quero te explicar, mas… esse predador é um pouco….Pode mantê-la longe, por favor?”
“Professora Janna, eu não me importo com ela.”
“Bom pra você, Russell. Você é o orgulho do clã das capivaras. Mas eu me importo.”
Chocada pela resposta da doutora, me sentei no chão e acalmei Ash.
“Ash, shhh….”
Quando ela se tranquilizou, a respiração da médica se normalizou. Estava tão indiferente pelo meu tempo na mansão Grace que tinha esquecido que a presença de Ash era algo assustador em um território de herbívoros. Como pude me esquecer disso? Dizem que as pessoas são animais muito adaptáveis…
Agora entendi porque os criados estavam tão pálidos quando entramos. No fim das contas, Ash era um predador também. Alisei as costas dela, me sentindo conflitada. Ash colocou a boca na minha mão que não estava machucada e a “engoliu”. A médica, vendo isso, ficou com o queixo caído.
“Está tudo bem, ela só está brincando.”
Eu não estava com medo, nem um pouco… Para tranquilizá-la, sorri e enxuguei as lágrimas. Mas a mão, que tinha acabado de sair da boca de Ash, estava úmida. Quando toquei minha testa, senti uma gota de água cair na minha cara.
“Senhorita Vivi!”
Foi um choque semelhante ao dia no qual Ash tinha me trazido um rato morto como presente.
***
A doutora tinha muitas razões para suspeitar que eu havia me humanizado tardiamente. Para começar, eu era uma herbívora com feromônios fortes o suficiente para provocar um ataque de feromônios, e além disso, não sabia andar direito. Quando não sabia como me mover, começava a copiar os movimentos que via os outros fazendo. Ela tinha experienciado a humanização tardia de Russell em primeira mão, e imaginou que eu seria um caso semelhante.
A humanização tardia era muito rara, mas não era impossível. No entanto, como os casos eram tratados como lendas ou invenções, principalmente porque quase sempre ocorriam apenas em famílias nobres de altíssimo ranking, especialmente em líderes de clãs, que tinham os feromônios mais poderosos. Por isso, o caso de Russell, que era de uma linhagem de baixo ranking de nobreza, era muito especial.
“Ouvi rumores que o Lorde Grace estava criando um coelho bebê de estimação, e pensei que talvez pudesse ser a Senhorita Vivi…”
A doutora, baixando sua xícara de chá, olhou para o meu cabelo.
“Especialmente pelo comprimento do seu cabelo. Era mais plausível pensar que você nunca o tivesse cortado na vida por circunstâncias fora de seu controle, em vez de deixá-lo desse tamanho de propósito.”
Ela era muito esperta. Como eu devia responder? Sentada, torcendo as mãos no colo, olhei para a varanda. Russell e Ash estavam ali, parecendo se divertir. Russell estava agachado, sorrindo ao ver uma borboleta que tinha pousado no nariz de Ash. Ela estava muito paciente e não tinha deixado que a criança curiosa a irritasse em nenhum momento.
“Ela é o predador mais bem comportado que vi, mesmo em meu tempo no Qatar. No entanto, nunca se sabe quando uma besta pode mudar, então é melhor ter cuidado.”
“…Eu concordo.”
No momento em que um predador morde, sua vida pode se acabar num instante. Especialmente para nós, herbívoros. Como a pessoa que tinha passado sua vida inteira na forma de um coelho bebê, eu sabia isso melhor que ninguém. Talvez eu nunca conseguisse compreender completamente um predador. Mas, se chegasse o dia no qual Ash me mordesse de verdade, eu aceitaria feliz.
‘Pensando bem, eu passo…’
Ainda não tinha a determinação para virar uma presa por completo. Enterrei o rosto nas mãos. Ao mesmo tempo, o relógio amarrado em meu pulso bateu em minha bochecha. Percebendo que muito tempo tinha passado, o abri para checar.
‘Faltam 4 horas para o baile…’
Olhando para a janela, onde o sol estava se pondo, apertei os lábios. Os nobres dos outros territórios já estavam ali. E, logo, os nobres do território das lebres deviam chegar na mansão. Hoje podia ser minha primeira e última chance de encarar meus pais diretamente.
Tradução: Nopa.
Revisão: Holic.