A Relação simbiótica entre uma lebre e uma pantera negra - Capítulo 60
Depois de um longo tempo me olhando, o menor e mais tímido dos meninos se aproximou. Ele juntou as mãos num círculo e cochichou em meu ouvido.
“…Você…”
Foi tão fofo que quase explodi. Me virei sorrindo.
“Sim?”
“A senhorita Aria quer saber porque você está vestida com uma toalha de mesa.”
Meu queixo caiu com o que saiu da boca da criança. Minha aparência, com o cabelo branco até os joelhos e o tecido marfim estava uma bagunça… Precisava usar roupas, para começar.
***
“E então, eu estava em perigo. Na minha frente, um abismo sem fundo, e atrás de mim, a quimera assassina. Os meus olhos se encontraram os da quimera de três cabeças. Já que não tinha como fugir, eu saquei minha espada. Então saltei, preparando minha lâmina…!”
“E então? E então??”
As quatro crianças, sentadas em círculo, engoliram em seco. Elas estavam tão nervosas que seus olhos tremiam.
“Depois de uma batalha intensa, minha armadura se partiu, e tive que contar com a ajuda de minha mais leal companheira.”
“Está falando dessa pantera negra aqui?”
“Claro.”
Todos os pares de olhos se voltaram para Ash.
“Senhorita Guerreira, você derrotou a quimera?”
Cobri a boca com ambas as mãos ao ser chamada por um título que nunca pensei que escutaria na vida. Não conseguia parar de sorrir.
“Ah, bem. No último segundo antes de morrer, a quimera me jogou esse relógio de bolso. É um tesouro raro, que todos os guerreiros sonham em obter.”
Me senti um pouco culpada ao comparar Ahin com um monstro de três cabeças. Após limpar a garganta, balancei o relógio, que estava amarrado como um bracelete em meu pulso.
“Não importa o quão forte seja uma quimera, se você atacar do jeito correto…”
“Ela morre?”
“Isso mesmo.”
Mostrei os músculos (que não tinha) em meu antebraço.
“Que legal! Muito legal!”
“A lenda da quimera era verdadeira… Ela deve ser uma Guerreira de verdade!”
“Eu disse, tem até mesmo um livro sobre mim. Na capa tem uma pantera negra e tudo!”
As crianças, acreditando, conversaram entre si, animadas. Na verdade, o livro que eu tinha lido na biblioteca dos Grace contava a história de uma heroína que se parecia muito mais com a Senhora Valence do que comigo… Talvez eu tenha exagerado, mas não tinha ninguém ali para me corrigir.
“Façam silêncio… Nesse exato momento, estou aqui no território das lebres em uma missão secreta.”
Quando levei o dedo indicador à boca, as crianças, cobrindo a boca, assentiram.
“A pantera negra merece muito crédito. Sem ela, eu não teria derrotado a quimera. Ash, diga oi.”
Graças à prática na carruagem de Rune, Ash deu a pata imediatamente. As crianças a rodearam imediatamente, brigando para serem a próxima a pedir a pata. A cauda de Ash balançava devagar.
‘Sinto muito, Ash.’
Aproveitando a deixa, eu me movi para trás de um móvel para vestir as roupas. Uma blusa violeta claro e calças brancas haviam sido colocadas dentro da mochila de Ash por Meimi. Considerando o fato de que eu não tinha muita experiência em vestir roupas, ela preparou um conjunto que era fácil de colocar mesmo sem nenhuma ajuda.
‘Meimi…’
Mordi os lábios para não chorar. Depois de jogar para longe a emoção fora de hora, comecei a repassar o que tinha acontecido, passo a passo. Ash tinha notado que eu estava estranha, e me trazido para esse quarto, e, aqui, eu havia me transformado em humana. Depois, tinha sido encontrada por essas crianças, que aparentemente estavam brincando de esconde-esconde. Elas não eram predadores, mas tinham olhos de cores diferentes umas das outras. Devem ser os filhos dos líderes dos clãs que tinham sido convidados para o banquete de aniversário. Me levantei, já vestida, e me aproximei da janela. Pude ver, à distância, uma carruagem conhecida se aproximando da mansão.
“Ahin.”
Bastava olhar para o cocheiro, com seus ombros largos, e para a égua negra, que qualquer um saberia que era a carruagem da família Grace. Ele tinha saído e agora estava voltando? Para onde? Me sentindo preocupada, apertei a moldura da janela até minha mão ficar branca. Pensando bem, permanecer na forma humana podia ser uma boa ideia. Um coelho bebê seria facilmente reconhecido pela minha família, mas eu teria que estar com Ahin ao vê-los. Além disso, me comunicar seria impossível. Ahin e Evelyn, usando capas, desceram da carruagem. A essa distância, eu podia ver quem era quem pelas cores de cabelo.
‘Mas hein?’
Meus olhos se encheram de lágrimas. Por que parecia que fazia séculos, quando eu os tinha visto ainda ontem? Pensando que isso era besteira, me abaixei, rapidamente. Ahin estava olhando para cima.
“Que predador é esse que tem os olhos no topo da cabeça?”
Murmurei besteiras e mordi os lábios.
“E se eu encontrar os Labians ao lado de Ahin, e eles me tratarem mal…? Não queria que ele visse isso.”
O banquete era essa noite. Aqui não era longe da mansão Labian, então meus pais deviam chegar no horário da festa. Tremi, sentada no chão, pensando. Até que um dos meninos se aproximou.
‘Ele é do clã das capivaras?’
O menino tinha olhos escuros e cabelo azul marinho.
“Ferida…”
Com uma voz doce, ele apontou para minha mão. Tinha um arranhão, que devia ter feito quando apertei a moldura da janela, sem perceber. Antes que pudesse responder, ele começou a me puxar pelo pulso.
“Vamos!”
“O quê?”
Sendo puxada e andando junto por reflexo, olhei para a criança, atônita.
“Você se feriu lutando com a quimera, não é? Vamos!”
“A mãe do jovem mestre Russell é uma médica excelente!”
“Ela está logo aqui embaixo, vamos lá!”
As outras crianças se uniram e começaram a me empurrar por trás. O arranhão foi uma besteira, feito em uma janela… Enquanto olhava para trás, envergonhada, as vi batendo continência para mim, cheias de respeito e orgulho. Foi um momento embaraçoso.
***
A coelha tinha desaparecido. Na madrugada anterior, Rune, que tinha sido descuidado e dormido, agora estava amargamente arrependido e corria por toda a mansão.
“Droga…!”
Era uma coelha do tamanho de uma mão, mas ele achou que a encontraria rapidamente porque ela desapareceu junto de uma pantera negra. No entanto, estranhamente, ele não achou nenhum sinal das duas.
Rune, que estava correndo um um corredor com carpete roxo, parou de repente. Dois homens muito mal-vindos estavam virando a esquina. Os olhos dourados se fixaram em Ahin. Os bolsos do paletó estavam vazios, e não tinha nenhuma pantera negra por perto tentando afastar Rune. Apressado, ele começou a circular Ahin e Evelyn, sem perceber, olhando para os bolsos de suas roupas, inclusive as calças.
Na terceira volta, Ahin, que o estava seguindo com os olhos, desembainhou a espada. As pessoas que passavam engoliram em seco, e Evelyn o alertou.
“Lorde Ahin, seja cuidadoso em lugares públicos.”
“Já estou irritado pelos meus bolsos vazios.”
“E o que isso tem a ver com sacar a espada?”
“Ele está olhando pros meus bolsos com esses olhos sujos.”
De repente, ciente que rodar em torno de alguém era estranho, Rune parou de supetão.
“Não é isso-”
Ele parou no meio da frase, quase contando que a coelha tinha desaparecido. Ahin estava olhando para o outro lado. Seguindo o olhar dele, Rune olhou para o final do corredor. Woosh. Três cabeças se esconderam atrás do pilar, desaparecendo. Eram crianças, filhos de algum nobre herbívoro, com cerca de 5 anos de idade. Logo, eles começaram a discutir entre si.
“Viu os olhos vermelhos? Acho que é uma pantera negra. Nunca vi um predador antes na vida!”
“Sim, mas olhando os olhos, dois deles são panteras e o outro deve ser um leão.”
“Hm… Mas os olhos dourados…?”
Depois de um momento de silêncio, três pares de olhos se ergueram de trás do pilar. As crianças piscaram ao ver Ahin, Evelyn e Rune, os encarando de volta.
“Eles têm caninos afiados! Devem ser dos clãs das panteras negras e dos leões!”
“Mas a guerreira… Ela disse que as panteras negras não eram malvadas. Mas olhando de perto, essa pessoa é…”
O menino coçou a bochecha, abismado. Ao contrário do que Vivi tinha contado, as pessoas do clã das panteras negras, que ele estava vendo na vida real agora, pareciam calmos e belos.
“Mas acho que o que ela falou sobre os leões serem preguiçosos era verdade. Os olhos dele são tão suspeitos!”
Guerreira? A pronúncia das crianças não era muito boa, mas as sobrancelhas de Ahin, Evelyn e Rune, que entenderam parcialmente, estavam erguidas. Ahin queria saber de onde era essa tal guerreira que estava difamando o nome do seu clã daquele modo. Apertando a espada, ele sorriu e apontou para Rune.
“Seus olhos são suspeitos.”
Rune inclinou a cabeça e limpou o ouvido.
“Acho que estou ouvindo sons estranhos.”
As crianças, ouvindo a conversa, botaram as cabeças para fora outra vez.
“Olha o tamanho dele… Acha que ele consegue saltar até o céu?”
“Jovem mestre Evena… Não dá para tocar o céu.”
“Com a boca fechada, não dá pra enxergar os caninos deles… Que pena.”
Os olhos deles estavam cheios de admiração e expectativas quanto aos predadores. Se agachando, Ahin puxou os lábios para fora, mostrando a arcada dentária, para corresponder às expectativas.
“Graaa!”
“Aaah! Fujam!!!”
As crianças saíram correndo e rindo pelo corredor.
“Essa é a imagem que as panteras negras têm para as jovens crianças herbívoras…”
Evelyn olhou calmamente para Ahin. Ele não queria interromper porque parecia ser a primeira vez que ele se divertia desde que foi ao grêmio de informações.
“Se eu fizesse isso para Vivi, ela ia se fingir de morta.”
“Na verdade, seria um plano para pegar o senhor de guarda baixa e chutá-lo no rosto.”
Escutando a conversa sobre Vivi, Rune virou a cabeça para a direção na qual as crianças tinham desaparecido. Só para garantir, ele se apressou e as seguiu. Ahin, o olhando correr, estreitou os olhos.
“Que suspeito…”
“Fala dos olhos dele?”
“Não, da maneira de agir…”
“Verdade, ele não costuma ser assim. Quando ele apareceu checando os bolsos do Lorde, me perguntei se não estava procurando a Senhorita Coelha.”
Ahin jogando o cabelo para trás, olhou pela janela. A essa altura, Vivi deveria estar tomando um chá matinal com Valence na mansão Grace.
“…E a resposta de Vivi à minha carta?”
“Se a coruja voar a toda velocidade, a resposta da Senhorita Coelha deve chegar à noite.”
“Não posso esperar tanto. Chame o gorila.”
Diziam que às vezes as preocupações viravam realidade. Ahin estava com um mau pressentimento.
Tradução: Nopa.
Revisão: Holic.