A Relação simbiótica entre uma lebre e uma pantera negra - Capítulo 58
Ash, com um tecido vermelho amarrado na cabeça, continuava parecendo mais um predador manchado pelo sangue dos inimigos do que um animal de estimação enfeitado, mas era melhor do que nada. Mordi a língua e assenti para Ash, que parecia orgulhosa de si.
<Não acredito que Rune pensou que isso iria funcionar.>
No entanto, estava devendo uma a ele, então segurei a raiva. Restin continuava reclamando como uma matraca, enquanto seu mestre parecia tão tranquilo que, pelo visto, mesmo que alguém o espetasse com uma agulha, não piscaria um olho.
“Lorde, daqui a pouco chegaremos ao ponto de checagem e vão olhar o interior da carruagem. O senhor acha mesmo que vão acreditar que essa pantera negra é um gatinho de estimação? Por que me faz passar por isso?”
“Se insistirmos que são meus pets, já que fui convidado, vão nos deixar entrar. Relaxe.”
Restin continuou reclamando, o que fez minhas orelhas doerem. Enquanto eu as dobrava sobre a cabeça, Rune, com um pedaço de carne seca pendurado entre os dentes, tirou outro pedaço da sacola e usou para cobrir minhas orelhas. Mesmo sem eu ouvir, as discussões sobre como eu e Ash entraríamos na mansão do líder do clã continuaram.
“O Lorde Rayman não trouxe um animal de estimação carnívoro para o banquete anterior?”
“Sim, mas era uma doninha! Vamos deixá-las do lado de fora. Se for visto com esse animal selvagem, os outros convidados vão achar que é louco, meu Lorde.”
Quando Restin ficou mais incisivo, Rune falou.
“…Essa pantera negra aqui é bonitinha… Às vezes.”
“Se acha que ela é bonitinha, por acaso o senhor sofreu algum dano nos olhos?”
O que ele falou sobre Ash? Esse leão era maldoso.
<Ash, mostre a ele o que é sofrer dano.>
Como instruída, Ash imediatamente chicoteou Restin com a cauda. Um grito ecoou para fora da carruagem.
***
Velas iluminavam o quarto de hóspedes onde Ahin estava passando a noite. Não havia estrelas no céu e a caneta de Ahin havia parado de se mover sobre os papéis nos quais trabalhava. Evelyn, que tinha montado uma mesa de trabalho temporária ali, perguntou, sem tirar os olhos dos próprios documentos.
“Está procurando algum pássaro mensageiro? Não esperamos nenhuma carta em particular, verdade?”
Não houve resposta. Evelyn, percebendo a resposta para a própria pergunta, levantou a cabeça.
“Ah, o senhor pediu que ela escrevesse uma carta antes de sair da mansão… Deve estar esperando por isso.”
Essa era a razão pela qual Ahin olhava para a janela uma vez por minuto. O rosto tipicamente sem expressão de Evelyn começou a se contorcer quando os cantos da sua boca tentaram subir ao olhar a expressão de Ahin.
“Vivi, me escreva uma vez por dia.”
Logo antes de entrar na carruagem, ele havia dito isso. Pedido cartas para a coelha que, após ter implorado para ir junto, tinha sido cruelmente deixada para trás… Evelyn concluiu que ele nunca ia receber carta nenhuma.
“Meu Lorde, eu receberei a carta, caso venha a chegar. Por que não vai se deitar?”
“Não vou conseguir dormir sozinho.”
Evelyn pensou que ele soava como uma criança, e se encheu de ânimo.
“Quer que eu cante uma canção de ninar, como costumava fazer?”
Ele tinha sido secretário de Ahin desde que ambos eram muito pequenos. E no fim do dia, Evelyn às vezes cantava antes que Ahin fosse se deitar. No entanto, o mestre chacoalhou a cabeça com ênfase.
“Você é desafinado demais.”
“As vezes eu conseguia cantar muito bem!”
“Então vamos pedir a opinião de Vivi da próxima vez.”
Ahin, sorrindo, tapou os ouvidos enquanto falava. O cabelo prateado se moveu junto à cabeça inclinada. Já fazia mais de 6 meses que ele dormia na mesma cama que Vivi todos os dias. A ausência dela significava que não haveriam seus feromônios, e a pequena cura e tranquilização que eles sempre proporcionavam tinha preenchido todas as noites de Ahin pelos últimos meses, como uma serpente composta de feromônios lentamente se arrastando sobre ele. Sentindo uma leve dor no peito, ele o pressionou e rolou a caneta sobre a mesa sem emoção.
Evelyn, deixando de olhar Ahin, que parecia entediado, voltou seu olhar à janela. A figura de um pássaro solitário apareceu no céu noturno.
“Parece que a Senhorita Coelha não desapontou o Lorde Ahin.”
Ahin, pulando da cadeira, abriu a janela. Com um flap, o pássaro pousou na moldura da janela.
“Hilla?”
Os olhos de Ahin se encheram de desconfiança. Quem estava ali, usando uma bolsa de correspondência atada na perna, não era Quinn, e sim a coruja de Valence. Os olhos amarelos brilhantes da coruja o encararam.
“Minha mãe me enviou uma carta?”
Vivi estaria ao lado de Valence noite e dia de qualquer modo, então não seria estranho que o pássaro dela carregasse a mensagem… Pensando assim, Ahin abriu a bolsa e retirou o bilhete. A parte de dentro estava em branco, estranhamente, mas quando ele virou o verso, havia algo ali. Eram garranchos que só podiam ter sido escritos pelas patas de Vivi, e o bilhete era extremamente curto. Depois de ler, ele ficou parado como se tivesse tomado um choque. Evelyn, lendo o bilhete por cima do ombro de Ahin por curiosidade, engoliu o riso. O que tinha escrito ali era apenas…
[Tente se puder]
Ahin piscou várias vezes, varrendo seu cérebro.
“…Isso é uma expressão indireta sobre eu comê-la?”
Evelyn tomou cuidado com os cantos de sua boca, que tremiam. No meio de todas as emoções, surgiu pena por Ahin.
“Valeu a pena a espera. É uma carta cheia de informações que certamente o levará a uma auto-reflexão…”
“Cale a boca.”
“Sim”.
Ahin dobrou o bilhete e guardou em seu bolso, voltando a sentar na mesa. Logo, ele escreveu uma resposta e a coruja, a levando, sumiu no céu noturno.
“Então, me esforçarei para corresponder às expectativas.”
Quando se reunissem, ele iria mostrar a ela. Ahin, fazendo esse juramento, ficou olhando para o lugar onde a coruja havia desaparecido.
Enquanto isso, na carruagem de Rune, de repente, uma sensação de perigo percorreu o corpo de Vivi, que começou a tremer sem razão.
“O que foi? Está com frio?”
Rune deu seu lenço de bolso a Vivi. Talvez fosse o ar noturno… Vivi, se enrolando no lenço, estremeceu, ansiosa.
<Deve ser só impressão…>
Foi uma noite estranhamente assustadora.
***
A carruagem, que andava cruzando o ar noturno, finalmente parou no portão da casa do líder do clã das lebres. Logo, um dos guardas, do lado de fora, falou.
“Bem-vindo, representante da família Manionz.”
Rune rapidamente me colocou dentro de seu bolso e abriu a porta da carruagem.
“Por favor, pode me mostrar sua identificação e convite? Obrigado…”
Depois que a porta se abriu, os guardas ficaram sem fala. Rune pode ter querido parecer com um amante de animais, mas parecia mais um nobre louco.
<Ao menos tire esse pedaço de carne seca pendurado em sua boca!>
Dentro do bolso, estava sufocando um pouco, e me remexi. Rune colocou a mão e me ajudou a pôr a cabeça para fora um pouco, de modo que os cavaleiros não percebessem. Eles estavam checando de novo e de novo os documentos e o escudo marcado na lateral da carruagem. Rune, papel, escudo. O cavaleiro, cujo pescoço ia de um lado para o outro, assentiu envergonhado.
“B-bem-vindo, Lorde Rune Manionz… Sinto muito perguntar, mas… essa pantera negra, que tipo de…”
“Por favor, compreenda. Ela ainda é um bebê, não podia deixá-la sozinha em casa.”
Os olhos dos cavaleiros se fixaram no tecido vermelho amarrado na cabeça de Ash. Por serem homens-besta lebres, eles pareciam bem relutantes com um animal carnívoro.
“Pare de se remexer, isso faz cócegas.”
Rune sussurrou para mim, se curvando. Restin falou alto, para encobrir.
“Como podem ver, o Lorde está cansado da longa jornada…”
Os cavaleiros continuavam encarando. Restin, então, falou para Ash, como tínhamos combinado.
“Vamos, dê a pata.”
Ash obedeceu. Foi um “dar a pata” perfeito, sem hesitação. Respondendo ao olhar de expectativa de Ash, os cavaleiros bateram palmas, sem nenhuma emoção.
“Como podem ver, ela é uma garota muito esperta.”
“Por favor, esperem um minuto…. Temos que relatar a presença de um animal de estimação carnívoro para o nosso superior…”
“Quando entrarmos na mansão, colocaremos uma coleira nela. O convite diz que podem entrar três pessoas por família, então, se há algum problema, podem me dizer.”
Os olhos dourados de Restin brilharam, ameaçadores. Os cavaleiros ficaram com os lábios tremendo. Eles pareciam querer dizer “um animal de estimação não entra na contagem de três pessoas!”
“Bem, se não tem nada contra, adeus.”
Restin lançou um último olhar ameaçador e bateu a porta da carruagem. Começando a se mover novamente, entramos na mansão sem mais obstáculos.
<Finalmente…>
Coloquei a cabeça completamente para fora e encostei a pata na moldura da janela. Depois de passar por várias árvores, o telhado da mansão apareceu. Ahin estaria ali, e talvez eu possa descobrir a verdade… Minha boca estava seca como se tivesse comido areia.
***
Restin estava com dor de estômago por nossa causa, e saiu murmurando coisas incompreensíveis. Graças a isso, Ash, deitada na cama do quarto de hóspedes de Rune, pôde dormir tranquilamente. Ela nem mesmo aceitou tirar a mochila, apenas caiu e dormiu. Fiquei feliz porque ela parecia confortável. Fiquei olhando para seu estômago, subindo e descendo e passei a pensar sobre como mirar os feromônios. Tinha surpreendentemente obtido sucesso com Barra, e seria possível escapar de vários perigos no futuro se eu aprendesse a controlar bem essa habilidade.
<Como era mesmo?>
Ficando de pé nas patas traseiras, movi minha pata dianteira diagonalmente como se desse um soco. Consegui sentir feromônios sendo liberados no ar, felizmente.
“Está fazendo exercícios noturnos?”
Encarei Rune, que estava deitado no sofá, com os olhos entreabertos.
“Não me encare assim. Já é tarde. Amanhã te levarei até o Grace, então por hoje, fique por aqui.”
Ele tinha dado a cama para nós, e, deitado no sofá… Suas pernas não cabiam, e estavam penduradas no encosto de braço.
<Teria sido melhor que nós ficássemos com o sofá.>
Suspirei e andei para a beirada da cama, o olhando. Era estranho que ele tivesse tanta consideração. Ele tinha suspeitado de mim no começo, então talvez estivesse tentando se redimir.
“Mas, a propósito, o cheiro do Grace está começando a desaparecer. Que bom, pensei que meu nariz ia cair.”
<Desaparecendo…?>
Levei minhas patas dianteiras ao nariz, e percebi algo que me deixou petrificada. O cheiro de Ahin desaparecer significava que o odor de meus feromônios poderia ficar perceptível para todos.
Tradução: Nopa.
Revisão: Holic.