A Relação simbiótica entre uma lebre e uma pantera negra - Capítulo 55
“Levem tudo com cuidado.”
Apesar da expressão irritada, a voz grave de Ahin tinha um tom estranhamente gentil. Por alguma razão, ele se virou para a parede, escondendo sua expressão. Os empregados saíram todos e o quarto ficou em silêncio, apenas com Ahin, Evelyn e eu.
<…Ahin?>
Entre o choque e a determinação, corri para a frente de Ahin, para ver seu rosto. Ele girou novamente para ficar de costas, e não consegui ver nada. Continuei correndo e ele, girando, de modo que pareciamos um catavento. Depois de uma perseguição intensa, finalmente consegui colocar Ahin contra a parede, mas ele teimosamente encostou a testa na parede, me dando as costas. Entrei por baixo das pernas dele e fiquei embaixo de sua cabeça. Nesse momento, Ahin olhou para baixo e nossos olhos se encontraram. Era uma ilusão ou os olhos dele pareciam brilhar de felicidade?
<Talvez…>
Até mesmo uma pedra era furada por uma goteira insistente. Percebendo que a firmeza dele estava fraquejando, fiquei em pé nas patas traseiras.
<Aqui está sua chance de levar Vivi com você!>
Logo, Ahin começou a rir alto. Depois de muito tempo rindo, ele me pegou cuidadosamente com ambas as mãos.
“Por que está tão grudenta hoje? Você nunca esteve interessada nas minhas atividades.”
<De jeito nenhum, meu hobby é sair da mansão junto com você!>
Para expressar isso, pus a pata dianteira sobre o coração com determinação. Ahin, fazendo um som de “pffft”, me levantou até a altura de seus olhos.
“Você não iria conseguir me acompanhar.”
Sem poder responder com palavras, toquei na mochila, expressando minha determinação. Depois de manter contato visual por tanto tempo que já estava desconfortável, ele sorriu.
“Vivi. Você não quer que eu vá?”
Uma voz suave alcançou meus ouvidos. Meu coração acelerou. Quem tinha falado pra ele não ir? Vamos juntos… Minha ousadia começou a desaparecer e em vez disso fiquei envergonhada.
“Você quer que eu fique aqui?”
Apesar de ficar frustrada, parecia que Ahin queria que eu falasse sim… Então fiz um círculo com as patas dianteiras indicando uma resposta positiva. Nesse instante, Ahin sorriu largamente, tanto que seus olhos viraram fendas.
“Evelyn, segure-a.”
Sem tempo para entender, fui passada para as mãos de Evelyn. Me segurando, ele começou a andar atrás de Ahin.
“Lorde, se vai até a carruagem, vou auxiliá-lo…”
Ahin abriu a porta e saiu do quarto mais rapidamente do que eu jamais havia visto. Ele fechou a porta com força, o que parecia indicar que não era para nós o seguirmos.
<Mas, o quê…>
A porta fechada refletiu em meus olhos.
<Pensei que ele ia me levar…>
Ele sorriu como se fosse me levar junto! E agora tinha saído correndo assim!? Fiquei boquiaberta, sem conseguir encarar a realidade. Depois de um tempo, Evelyn limpou a garganta e explicou com calma.
“Infelizmente, o Lorde já estava decidido a não levar a Senhorita Coelha com ele de qualquer maneira. Talvez eu devesse ter informado isso ontem a noite, quando a vi preparando a mochila…”
Quê? Por que ele queria me deixar sozinha a qualquer custo? Minha boca tremeu com o desapontamento pela traição.
***
Assim que saiu do quarto, Ahin se encostou contra a porta fechada. Vivi nunca tinha expressado que precisava dele tanto assim antes… Com um sorriso enorme que não conseguia desfazer, ele tocou nas próprias orelhas. Elas estavam quentes.
‘Estou ficando louco…’
Alisando o queixo, ele refletiu. Se ele soubesse que isso ia acontecer, teria deixado claro que iria se ausentar há muitos dias atrás, para aproveitar a situação por mais tempo. Mas era uma pena que o dia no qual Vivi tinha decidido seguí-lo a qualquer custo tenha sido justamente hoje… Com a mão tapando o rosto, Ahin estreitou os olhos por entre seus dedos. Ele sentiu olhares cravados nele vindo de ambos os lados.
“O que estão olhando?”
Os cavaleiros que guardavam a porta estavam cada um de um lado, e Ahin havia se colocado no meio dos dois todo esse tempo. Ambos baixaram a cabeça rapidamente.
“Não olhamos nada, meu Lorde!”
“Continuem guardando a porta.”
Quem tinha pulado para fora, do nada, e estava encostado na porta esse tempo todo? Sendo repreendidos injustamente, eles engoliram os protestos com lágrimas de sangue.
***
Ao norte da floresta próxima à fronteira com o território das lebres, uma névoa pesada cobria o ambiente. Evelyn olhou para fora da carruagem e tentou enxergar algo.
“Lorde Ahin, os cantos de sua boca continuam subindo.”
Apesar de estar tentando há horas, o sorriso de Ahin ficava voltando toda vez que ele se lembrava das ações de Vivi.
“Se ia ficar desse jeito, meu Lorde, teria sido melhor trazê-la junto.”
“Você parece irritado, Evelyn, Tem alguma reclamação?”
Ahin, com a mão no queixo, sorriu alegremente.
“Sim, tenho muitas reclamações!”
Evelyn, que tinha sido ordenado a dizer a Vivi que ela nunca tinha tido qualquer chance de ser levada junto por ordens de Ahin, estava tentando se rebelar. Naturalmente, após seu mestre tocar na espada, ele tinha obedecido rapidamente.
“Vamos, me diga.”
“…O senhor não tinha que deixar a Senhorita Coelha para trás, não é? Ao contrário de Qatar, essa viagem não será perigosa, então vamos dar meia volta na carruagem e ir buscá-la.”
“Não quero levá-la.”
“É por causa do que dirão os nobres presentes? O senhor nunca se incomodou com a própria reputação. Por que não pode levá-la?”
“Bem.”
Na visão de Evelyn, tinha sido muito cruel que ele tivesse sido a pessoa a contar tudo para ela. Depois disso, Vivi tinha começado a agir como se ele não existisse. Mesmo após se despedir, ela só tinha dado as costas para ele até o último momento. Ele pensou que ela era uma coelha muito fria. Deprimido, Evelyn colocou o rosto entre as mãos.
“Depois de trabalhar tão duro na minha amizade com a Senhorita Coelha, tudo foi estragado graças ao senhor, meu lorde.”
“Você se importa tanto com ela?”
“Se não me importasse, por que acha que eu iria ao quarto do Lorde todas as manhãs?”
“Isso é desobediência.”
“…O senhor deixou ela para trás sem nenhuma razão.”
Ignorando Evelyn, Ahin abriu a pequena janela que conectava o interior da carruagem com o assento do cocheiro. Lile, que tinha sido designado para guiar a carruagem durante essa viagem, assentiu para Ahin.
“Ei, gorila.”
“Pois não, Lorde?”
Vivi se encontrava frequentemente com Lile, já que eram amigos.
“Eu acho que Vivi sabia que essa viagem teria como destino o território das lebres.”
A voz relaxada mudou para uma mais ameaçadora.
“Foi você quem contou?”
“Ah, não! O Lorde ordenou que eu não contasse a Viv- quero dizer, que não contasse nada para a Senhorita Coelha.”
Lile chacoalhou a cabeça, negando.
“Bem, não seria estranho que ela adivinhasse. Afinal, todo ano nessa época acontece esse mesmo banquete no território das lebres… Mas, mesmo supondo que ela soubesse… Por que estava tão desesperada para vir junto?”
“Ela estava, meu Lorde? Talvez ela sinta falta de casa? Ou pode ter outra razão?”
Irritado pela falta de informações conclusivas, Ahin se debruçou contra a janela da carruagem.
“É difícil entender o que se passa na cabeça de Vivi.”
Ele nem mesmo sabia porque ela tinha chorado naquele dia. Enterrando o queixo nos braços, ele se lembrou da frustração que tinha sentido naquele momento, a qual fazia seus dedos dos pés se enrolarem, mesmo agora.
Tentando entender porque ela tinha se escondido embaixo da cama, ele tinha ficado a encarando por um longo tempo. Mas a bola de algodão raivosa tinha respondido com um olhar que dizia “o que está olhando?” e um chute no ar com a pata traseira.
Depois, ela tinha ficado deitada na almofada olhando para o nada por dias. Ele tinha chamado o médico várias vezes, mas ela tinha resistido e se negado a ser examinada. Tinha até mesmo entrado debaixo do sofá para não tomar um remédio. Felizmente, o médico tinha dito que ela estava perfeitamente saudável.
Ahin penteou a franja para trás. Após ter agido estranhamente distante por dias, logo antes de ele sair da mansão, ela tinha feito aquilo. Ele tinha ouvido que coelhos eram animais caprichosos.
“Será que isso inclui homens-besta…”
Ahin murmurou, encarando a janela. Evelyn pensou que não tinha nada mais difícil do que tentar decifrar a cabeça de seu mestre. Com a testa franzida, Evelyn pensou que talvez ele estivesse sentindo um vazio no bolso.
“Peço perdão se estou sendo rude…”
Evelyn se curvou e pegou algo debaixo do assento da carruagem. Era um pequeno boneco de coelho que ele usava para atormentar Vivi. Ele o colocou no bolso do paletó de Ahin, para preencher o espaço.
“Isso foi bem rude.”
Ahin colocou de volta os braços na janela. Sentindo o ar frio, ele esticou a mão. A névoa branca passando pelos seus dedos o lembrou do cabelo de Vivi. Ele havia a deixado com sua mãe, então ela estaria segura ainda que Lillian tentasse algo. Tinha sido a escolha certa não levá-la nessa viagem. Afinal, ela poderia ter um ataque de feromônios, ou sofrer um ataque de assassinos outra vez.
Ahin fechou a mão, mas a névoa escapou de seu punho sem deixar rastros. Ele apertou tão forte que suas unhas entraram na carne. Todas essas razões eram apenas desculpas. Na verdade, ele não queria ver como Vivi reagiria ao estar de volta ao território das lebres. Ele tinha medo que ela estivesse com saudade do lugar. Além disso, como já tinha ocorrido algumas vezes, ela poderia desaparecer, do nada. Mas ao contrário do território das panteras negras, ali, ele não conhecia a região para conseguir encontrá-la…
Ahin lambeu os lábios. Suas razões eram puramente egoístas, fossem para os parâmetros de uma pessoa ou de uma besta. Mas ele não se importava, ao ponto em que já ignorava o que dizia sua racionalidade.
***
Duas carruagens levando Ahin, Evelyn e vários empregados saíram da mansão Grace. Eu, claro, fui deixada para trás. Será que deveria ter me escondido na mala desde o começo? Tudo que tinha restado eram arrependimentos, um coração partido e uma pequena mochila em minhas costas.
Nos braços de Meimi, após ver as carruagens partindo pelo portão principal, fui levada através do jardim. Ahin tinha ordenado que eu ficasse ao lado da Senhora Valence enquanto ele não estivesse, então estávamos indo para o escritório dela.
“Bebê, vou chamar um estilista. O tempo está esfriando, então tenho que mandar fazerem um casaco. Farei isso após a reunião com o clã dos leões. Ah, você pode vir comigo, claro. Prepararei uma cadeira.”
A Senhora Valence parecia estar feliz de passar um tempo comigo. A essa altura, o risco de eu ser abraçada até sufocar era alto. Ela não devia superestimar a resistência dos coelhos…
Caminhando pelo jardim, saí das mãos de Meimi e escalei até seu ombro. A mão dela, segurando minhas costas, não estava firme. Quando olhei por cima do ombro de Meimi, vi que Ash e Barra estavam nos seguindo.
<É agora.>
A minha última chance de alcançar Ahin. Decidida, sinalizei com a pata para Ash.
Tradução: Nopa.
Revisão: Holic.