A Relação simbiótica entre uma lebre e uma pantera negra - Capítulo 52
Um cheiro de sangue se espalhou pelo ar úmido. O homem amarrado indicou a direção do grito com o queixo. Quando ele sorriu, dentes amarelos foram revelados.
“Pode ir. Você não está atrás das bestas que foram para aquele lado?”
Ele estava falando de Ahin e Evelyn? Os olhos castanhos do homem brilhavam com escárnio.
“Aqueles dois lunáticos.”
Ele parecia completamente louco, rindo sozinho. Empalideci e comecei a andar pelo corredor escuro. Minha ansiedade aumentava com cada passo. A cada esquina havia uma nova cela, mas todas estavam vazias. Ao dobrar a próxima esquina, prendi a respiração. Quinn, que estava me seguindo caminhando, também parou no ato. Quando eu coloquei a cabeça na quina da parede, para espiar com cautela, Quinn também estirou o pescoço para olhar. E o que enxerguei era algo que mais parecia uma cena de pesadelo.
<Um cadáver…?>
Estava longe demais para eu ver com detalhes, mas haviam pessoas dentro da cela. Caído no chão, havia alguém com a pele toda acinzentada, horrível, e o chão estava empapado de sangue. Meu olhar trêmulo então chegou até Ahin, que estava em pé no meio da cela.
Não conseguia nem mesmo pensar direito. Meu rosto estava congelado, e não saberia dizer o que estava sentindo… Até que o odor atingiu meu nariz e me virei, cobrindo a boca com as patas para não vomitar. O enjoo era enorme e meu coração martelava no peito.
Apenas ao ver um pouco de sangue, eu não conseguia fazer mais nada. Quantas vidas eu tinha, afinal, para vir até aqui tão destemidamente? Minhas patas tremiam. Nos últimos tempos, Ahin tinha me tratado com muita gentileza, então eu tinha me esquecido do quão cruel ele podia ser. Depois de um tempo, a voz dele ressoou.
“Esse é o último dos viciados em drogas que capturamos no Qatar?”
“Sim, Lorde. Os outros morreram ontem.”
Evelyn, que estava esperando ao lado da porta aberta da cela, respondeu. Talvez fosse por estarmos no subsolo, mas mesmo a uma boa distância, eu conseguia escutá-los perfeitamente.
“E a fonte das drogas?”
“Parece que foram trazidas do território das hienas por piratas. Depois de chegar ao continente, foram distribuídas por grêmios ilegais através das favelas.”
“Entendo. Qatar tem muitas favelas, então é um bom lugar para eles fazerem a distribuição.”
Eles estavam falando da droga que forçava os feromônios a se ativarem? Talvez, se eu ficasse escutando, pudesse entender melhor… Coloquei a cabeça na quina da parede mais uma vez.
“A maioria das pessoas tem sintomas relacionados com aumento de força ou seus feromônios são forçadamente ativados.”
Evelyn passando as páginas de um documento, continuou explicando.
“Mas às vezes, após tomar a droga, o feromônio da pessoa fica mais forte do que era originalmente.”
“Não acho que seja o caso com esses caras aqui.”
“A probabilidade é pequena. Mas há relatos de pessoas cujos poderes se amplificaram.”
Os feromônios se ativavam forçadamente e seus poderes se fortaleciam? Não conseguia olhar para o cadáver no chão, então voltei meus olhos para Ahin.
“…Talvez…”
Ahin, murmurando algo, chutou o homem morto para virá-lo para cima. Após um silêncio, ele falou, sua voz fria.
“Evelyn.”
“Pois não?”
“Os nobres são divididos por ranking em seus respectivos clãs, verdade?”
Ele falou sobre isso do nada. Como se sondando às intenções de Ahin, Evelyn, com uma expressão complicada, assentiu.
“É isso mesmo.”
“E se, numa família nobre comum, de baixo ranking, surgisse alguém com feromônios que tivessem poderes de cura… Consegue imaginar isso?”
Feromônios de cura. Percebendo que o assunto da conversa era eu mesma, prendi a respiração. A tensão se estendia até meus dedos do pé.
“Para ter um poder tão forte e raro, teria que, no mínimo, ser um descendente do líder do clã… Mas por que pergunta isso?”
“É por causa de uma coelha.”
A boca de Evelyn, que estava aberta, permaneceu assim.
“Não pode ser… Os feromônios da Senhorita Coelha…”
“Sim. Os feromônios de Vivi têm poderes curativos.”
“Não… Não pode ser…”
Evelyn gaguejou, o que era uma visão muito rara.
“Então, ela é filha do líder do…”
“Não, é impossível que ela seja, mesmo que ilegítima. Alguém de tão alto pedigree… Se realmente quisessem matá-la, teriam feito isso eles mesmos em vez de jogá-la no nosso território.”
Evelyn, massageando a testa, assentiu, confuso. Ahin riu dele.
“Para começar, é difícil imaginar Vivi como a herdeira e próxima líder de um clã, não é?”
Segurando a vontade de ir até ele e chutá-lo, mordi os lábios.
“Não concordo com isso. A Senhorita Coelha é mais corajosa que qualquer outro homem-besta que eu já encontrei.”
Surpreendentemente, Evelyn me defendeu. Eu realmente não sabia de que lado ele estava, no final das contas.
“Como assim?”
“Noite passada mesmo, ela se envolveu numa luta com o cozinheiro-chefe.”
“Vivi, com o chef?”
Os olhos vermelhos de Evelyn cintilavam.
“Sim. Tudo começou quando a Senhorita Coelha errou de caminho e foi parar na cozinha…”
Pare! Não precisa falar mais nada!!
“E assim que ela deu de cara com o chef, ficou furiosa e o chutou. Foi uma batalha de vida ou morte.”
“Ela errou de caminho e por isso atacou o chef?”
Envergonhada, escondi o rosto com as patas. Queria cavar um buraco e me enterrar.
“A razão foi porque o chef estava afiando a faca de cozinha dele bem na hora. Talvez ela achou que ele estivesse se preparando para cozinhá-la. O chef tentou se defender com uma espátula, mas eventualmente se rendeu.”
“Oh, que pena que eu não pude ver isso.”
Como se imaginasse uma cena maravilhosa, Ahin pôs a mão no queixo. Enquanto isso, eu estava vermelha até as orelhas.
<Por que não continuam conversando sobre o assunto importante em vez disso!?>
Era admirável que eles tivessem conversas assim mesmo nesse tipo de ambiente. Quando olhei para trás, esgotada, vi que Quinn parecia alegre, sabe-se lá o porquê. Esses predadores… Realmente, não tinha como compreendê-los. Enquanto tentava controlar minhas emoções, Ahin tirou do bolso um envelope contendo um pó cinzento e o sacudiu.
“De qualquer modo, essa droga… Aquela médica de Qatar disse que ela não teve nenhum efeito sobre os feromônios de Vivi. Cogitou que teria sido pela quantidade ingerida ter sido pequena, mas… e se, em vez disso, for uma tolerância ?”
“Como assim, tolerância, Lorde?”
Eu fiquei remoendo essas palavras. Não me lembrava de jamais ter ingerido drogas antes, então era impossível que meu corpo tivesse desenvolvido tolerância a elas… Certo? Comecei a me sentir muito ansiosa.
“Temos que considerar essa possibilidade. E se…”
Ahin apertou o envelope com força em sua mão.
“E se alguém desse esse tipo de droga para uma criança recém-nascida, que ainda não tivesse passado por sua primeira humanização… O que aconteceria?”
Não podia ser…
“Se for antes de os feromônios da pessoa se estabelecerem, a chance de obter o efeito de fortalecimento dos poderes seria muito mais alta, não acha?”
Assim que entendi o que Ahin estava falando, minhas pernas começaram a tremer. Evelyn, dobrando os papéis que carregava, falou.
“…Está sugerindo que essa droga pode ter relação com os poderes curativos da Senhorita Coelha?”
“É uma hipótese. Não acha mais plausível do que a aparição de um poder milagroso assim em uma família comum, de baixo ranking?”
Os olhos de Ahin, que estavam olhando para o chão, pareciam querer matar alguém.
“Os pais de Vivi podem ser pessoas ainda piores do que eu tinha imaginado.”
O choque foi tão grande que parecia que alguém tinha me acertado com um martelo. Perdi as forças e caí sentada no chão. Na verdade, eu mesma já tinha me perguntado isso. Como feromônios tão raros e poderosos podiam pertencer a alguém da família Labian, uma linhagem de nobres medianos…
<Não consigo acreditar.>
Eu apertei os punhos. Não podia aceitar a teoria de Ahin. Se fosse verdade, queria dizer que meu pai ou minha mãe teriam me drogado com a esperança de gerar poderes mais fortes, e depois me jogado fora porque não me humanizei.
Se fosse verdade…. O que eu faria? Queria acreditar que tinha sido só uma coincidência. Era uma probabilidade pequena, mas não impossível, certo? Meus pais podiam ter me abandonado, mas não seriam tão cruéis assim… Mas, ao contrário da minha vontade ardente de acreditar nisso, minha racionalidade me dizia que a hipótese de Ahin era a verdade.
“Vivi, meu bebê. Você terá feromônios excelentes. A mamãe aqui te garante.”
No meio do meu desespero, não conseguia nem mesmo chorar. No chão, me lembrei dessa memória da minha infância… E nesse dia, depois daquilo… senti dor. Muita dor. Era tão forte que parecia que meus braços estavam sendo arrancados, e só conseguia agonizar. Era semelhante à dor que havia sentido recentemente no ataque de feromônios. A razão começou a surgir na minha mente, ficando assustadoramente óbvio. Eu tinha sido drogada, e graças a isso tinha adquirido feromônios raros e poderosos, mas não tinha conseguido me humanizar.
<Que diabos….?>
Quanto mais eu me lembrava do passado, mais vazio se tornava meu coração. Se as coisas tivessem sido como deviam, e meus feromônios tivessem se estabelecido naturalmente, eu não teria ficado na forma de coelho bebê. Teria me humanizado na mesma idade que todo mundo. Teria tido uma vida normal. Não ficaria recebendo olhares de escárnio nem sofrendo tanto.
<Essa habilidade…>
Minha boca estava sangrando de tão forte que estava mordendo. Vivi em desespero por quase duas décadas. Não por acaso ou por azar, mas pela ganância de outras pessoas. Não conseguia mais pensar em nada. Parecia que minha mente estava afundando num pântano negro. Ahin e Evelyn continuavam falando, mas mal podia ouvir.
“O que fará sobre o convite para o aniversário do líder do clã das lebres, meu Lorde? A Senhora Valence disse que o representante dela seria seu filho.”
<…Clã das lebres?>
Ao ouvir isso, despertei do transe. Parando para pensar, todos os anos, em torno dessa época, havia um banquete para o líder do clã. As criadas da casa ficavam discutindo o assunto por semanas, muito animadas.
“Vou mandar meu avô no meu lugar. Ele não tem nada pra fazer.”
“O Lorde Lillian está de cama graças ao senhor, Lorde Ahin.”
“Você sabe que ele só está fingindo.”
“Ainda assim, ele não pode ir em seu lugar.”
Se era um banquete no território das lebres, as chances de que alguém da família Labian compareça eram altíssimas. Isso era preocupante.
“Se eu for, ficarei vários dias fora.”
Ahin grunhiu, sacudindo a cabeça.
“E se levar a Senhorita Coelha junto consigo, como fez em Qatar…”
“Espere.”
Ahin, que interrompeu Evelyn, voltou os olhos para a direção onde eu estava. Eu e Quinn, rapidamente puxando as cabeças de volta, nos grudamos contra a parede.
“Que irritante…”
A voz grave ressoou no corredor.
“Acho que temos ratos aqui.”
Como ele era incrível, nos notando mesmo de uma distância tão grande… Olhei para Quinn, que me olhou de volta. Não sabia se deveria fugir ou não. O som dos passos foi se aproximando cada vez mais, e a sombra longa sobre o chão foi ficando mais curta.
Tradução: Nopa.
Revisão: Holic.