A Relação simbiótica entre uma lebre e uma pantera negra - Capítulo 45
A brisa noturna soprou. Antes que eu conseguisse compreender as palavras que ele tinha dito, Ahin perguntou.
“Então, você quer que ele não morra?”
‘Por que eu iria querer a morte deste pobre animal!?’
Por dentro, pensei nisso com força, mas por fora, apenas assenti cuidadosamente.
“Então, ordene que ele te obedeça.”
“…Quê?”
“Você salvou a vida dele, então tem que se tornar a mestra dele de agora em diante.”
Meus olhos trêmulos se fixaram em Barra. Como iria mandar em um pantera negra maior que Ash, e com essa cicatriz ameaçadora no olho?
“Está tudo bem. Vivi tem confiança que pode salvá-lo, certo?”
“Sim, mas o que isso tem a ver com mandar nele?”
“Estou ansioso pelo dia no qual você possa comandar todas as panteras com essa mesma confiança.”
Minha vida iria acabar antes que esse tal dia chegasse! Enquanto eu chacoalhava a cabeça, Lile saiu correndo do estábulo em nossa direção.
“Oh, boa noite, Jovem Lorde.”
Quando vi Lile fazendo uma reverência, perguntas que eu tinha deixado para lá voltaram a surgir em minha cabeça. Ahin tinha visto o livro que eu tinha deixado aberto em uma ilustração de chimpanzé, e tinha vindo aqui após deduzir a situação pelo que tinha visto na biblioteca. Mas tinha pontos estranhos. Ele tinha chegado em casa mais cedo que o esperado, e estava usando roupas diferentes das quais usava quando saiu de manhã.
“Ahin, como conseguiu me encontrar?”
“Com uma ajuda.”
“De quem?”
“Da águia que designei para monitorar Vivi.”
“Caaaaaw!”
Como que para mostrar sua presença, a águia deu um voo rasante no céu.
“O resto, acho que você vai preferir não saber.”
“…Então, não me conte.”
Se ele dizia que eu não queria saber, então era melhor não perguntar. De repente, um som de plantas farfalhando surgiu. Olhei ao redor, e vi apenas Lile. Mas instintivamente sentindo perigo, meus cabelos se eriçaram.
Após ajustar minha visão à escuridão, pude ver vários pares de olhos brilhando por dentro dos arbustos. Logo, um grupo de panteras negras, que estavam se escondendo, surgiu. Uma, duas, três… o número de cabeças não parava de aumentar, e tentar contar logo se tornou inútil. Olhando fixamente para elas, mal consegui perguntar.
“….O que é aquilo?”
“As panteras que vivem na floresta próxima à fronteira.”
Eu sabia que um grupo de panteras negras selvagens viviam naquela floresta. Aqueles que cruzavam a fronteira vindos do território das lebres imprudentemente eram tratados como presa. Isso também queria dizer que, se algum dia eu fosse voltar ao território, teria que passar por elas…
“Se eles vivem na floresta, por que estão na mansão?”
“Queria encontrar Vivi rapidamente, então as chamei para ajudar na busca.”
‘Para me buscar… isso não é um pouco estranho?’
Olhei para trás e percebi que Lile também parecia assustado. Me senti melhor. Ele também era um herbívoro, e era apenas natural ficar assim ao ver um número tão grande de predadores surgir, certo? Era apenas natural ter medo… então fechei meus olhos, sentindo o vento no rosto. E, poucos segundos depois, senti meu corpo pesar como se tivesse sido engolido por um buraco negro.
***
Um silêncio pesado surgiu nos jardins da mansão, que até então estava ocupada com os preparativos para a noite. Os empregados, chocados, viravam as cabeças à medida que o jovem Lorde Ahin passava. Quando os passos dele não podiam mais ser escutados, as criadas, que até então estavam com as cabeças abaixadas, começaram a fofocar.
“Oh, céus! Viu aquilo!?”
“Sim, vi!”
“O Lorde estava carregando uma mulher desacordada usando roupas de trabalhador de estábulo! O que foi isso?”
“Ele nunca trouxe uma pessoa para casa antes… Bem… Não sei se era uma pessoa viva. Ela estava respirando?”
“Vocês duas não se preocupem, ela está respirando muito bem. E vocês poderão ver outras coisas interessantes no futuro, também.”
As duas criadas giraram para ver quem estava interrompendo sua conversa. E ao ver, ficaram sem ar.
“S-senhora Valence…!!”
Valence, que estava bem atrás delas, inclinou a cabeça.
“Por favor, nos puna! Como pudemos ousar falar coisas sem permissão…!”
“Chega. Vocês acham que o próximo líder do clã tem algo de errado na cabeça?”
As duas criadas se entreolharam, envergonhadas. Elas não viam nada de certo, por outro lado…
“A partir de hoje, estão transferidas e passarão a trabalhar no estábulo.”
“Sim, senhora!”
Valence, sorrindo, se afastou. As duas criadas comemoraram o fato que suas vidas tinham sido poupadas. No entanto, se iam trabalhar no estábulo, não iriam conseguir ver a próxima criatura que o jovem Lorde traria para casa…
Enquanto isso, Ahin, carregando a “trabalhadora de estábulo” nos braços, chegou à entrada da mansão. Evelyn, que tinha voltado para casa junto com Valence, o seguiu. O olhar de Ahin estava fixado no rosto de Vivi, que estava enterrado em seu peito.
“Amanhã de manhã, os rumores de que o Lorde sequestrou uma mulher vão ter alcançado as terras fora da mansão.”
“Não é tão ruim assim.”
“Meu Lorde, não é uma coisa boa…”
“Está tentando pedir para morrer de uma maneira indireta?”
“Sinto muito.”
Evelyn andou olhando para Vivi, se perguntando se estava dormindo ou desmaiada. O rosto dela mostrava angústia e ansiedade. A testa de Evelyn, a observando, acabou se enrugando por reflexo.
“Evelyn, vou mandar arrancar seus olhos.”
“Por favor, me dê um tempo para ficar surpreso, meu Lorde. A propósito, a Senhorita Coelha parece um coelho mesmo na forma humana.”
“Não mude de assunto. Caminhe do meu lado.”
Evelyn imediatamente se moveu para ficar ao lado de Ahin, ângulo no qual quase não podia ver Vivi. Inconscientemente, Ahin estava dando tapinhas nas costas dela. Evelyn, olhando a mão se mover em velocidade constante com o canto do olho, falou em voz baixa.
“O Lorde colocou um esfregão na minha cabeça e saiu correndo do templo. Posso ver que a razão teve a ver com a Senhora Coelha.”
“Ela se encontrou com meu avô enquanto lia na biblioteca.”
Depois de escutar toda a história, Evelyn lamentou o ocorrido. Era difícil imaginar o que Lillian teria dito a Vivi, e o que diria de agora em diante, ao reencontrá-la.
Tuk!
Duas criadas que estavam andando enquanto encaravam a cena de Ahin carregando Vivi, ao lado de Evelyn, com tanta intensidade que acabaram dando de cara com a parede. Os criados estavam cometendo vários erros à medida que o grupo passava, como tropeçarem ou esquecerem de cumprimentar o jovem Lorde. Evelyn, sentindo os olhares cravados em suas costas, perguntou calmamente.
“Ainda é impossível levá-la ao templo para uma análise?”
“Sim. Ela não estaria se escondendo no estábulo se simplesmente pudesse ir lá.”
“Então temos que revelar tudo aos empregados da mansão o quanto antes. Se isso voltar a acontecer num dia no qual o Lorde esteja fora, como hoje…Não sabemos quando ela vai voltar a forma de coelha, também.”
“É verdade.”
Evelyn de repente sentiu um sutil cheiro de feromônios saindo de Ahin. Eles estavam sendo direcionados à coelha, para cobri-la. Ele não tinha percebido que Ahin estava tentando ocultar os feromônios dela, mas por outro lado, seguiu pensando que seu mestre estava seriamente doente da cabeça.
“Então, vai designar o pantera Barra para a Senhorita Coelha, também?”
“Por enquanto.”
“Não tem outra pantera que possa fazer o trabalho de escolta melhor que ele?”
“Bem, estou pensando nisso.”
Meimi, que podia se comunicar com facilidade, além de uma águia e duas panteras negras. Se ele colocasse mais escoltas, Vivi iria certamente protestar.
“Bem, então não devemos primeiro fazer algo quanto à cara de Barra? Se ele vai morar dentro da mansão…”
“Faz sentido.”
Evelyn, que lançava provocações à coelha todos os dias, tinha certeza que uma pantera selvagem, vivendo na floresta da fronteira, iria causar uma má impressão. Ela teria que se acostumar aos poucos para não tremer perante os caninos dele. Evelyn, sentindo pena dela, colocou as mãos atrás do corpo.
“Mas, se ela se tornou humana, será que vai continuar querendo morar aqui?”
“…Ela não se humanizou definitivamente ainda.”
“Mas, e quando esse dia chegar?”
Houve um silêncio, no qual os dois apenas continuaram caminhando. Ahin parou e chacoalhou Vivi em seus braços.
“Vivi, quer continuar vivendo aqui?”
Ela não mostrou nenhuma resposta.
“Vivi.”
Ele continuou perguntando e chacoalhando o corpo dela, até que Vivi ergueu um braço e estapeou a cabeça de Ahin, ainda dormindo.
“Ela disse que sim.”
“…Como?”
“Acertar os outros na cabeça significa uma resposta positiva no clã das lebres.”
“Eu nunca escutei isso na vida, meu Lorde.”
Enquanto eles discutiam, Meimi, que esperava na porta do quarto de Ahin, os cumprimentou.
“Bem-vindos.”
Ao contrário dos guardas, que perderam o timing porque estavam encarando Vivi com o queixo caído, Meimi, com as mãos no colo, parecia tranquila.
“Meimi, mande me chamarem quando ela despertar.”
“Sim, jovem Lorde.”
A reação foi tão calma que Ahin suspeitou que ela já tinha visto Vivi como humana antes, em algum momento. Mas as suspeitas sumiram no momento seguinte, quando Meimi tentou entrar no quarto e deu de cara na porta, a qual ela tinha esquecido de abrir. Ela pediu perdão pelo equívoco, algo que nunca tinha acontecido antes.
“Perdão, meu Lorde.”
“Meimi, seu nariz está sangrando.”
“…Perdão.”
***
Quando abri meus olhos, enxerguei um teto familiar e vi que estava usando uma camisola desconhecida. Teria sido Meimi que me trocou enquanto dormia? As roupas que tinha pegado emprestado com Lile tinham desaparecido.
“Preparei essas roupas na pressa, então podem não caber perfeitamente.”
“Tudo bem.”
Então, ela preparou um banho de banheira para mim, e me ajudou, o que foi estranhamente constrangedor. Meimi parecia estar se sentindo desacostumada. Por isso, nem mesmo consegui perguntar porque o nariz dela estava sangrando. Meimi nunca tinha cometido um erro na vida, como tropeçar os bater na quina da mesa. Era difícil conversar com ela, então ficamos em silêncio.
“Então, até amanhã, senhorita.”
Depois de terminar o serviço, ela me cumprimentou como fazia quando estava na forma de coelha. No momento em que Meimi ia saindo do quarto, me aproximei dela, segurando a saia da camisola bordada que usava.
“Meimi…”
Tinha muitas coisas para falar para ela, mas na hora, minha boca não queria abrir. Ficando envergonhada sem razão, corei até as orelhas. Olhando bem, as orelhas de Meimi também estavam vermelhas. Parecíamos um casal que tinha acabado de começar a sair.
“Você ficou surpreendida, não foi?”
Depois de muito tempo, ela assentiu sem expressão. Como esperado, se um coelho de repente vira uma pessoa, deve ser um fardo para ela. Era esperado, mas ao encarar a realidade, me senti amarga.
“Na biblioteca, mais cedo…”
O que eu ia falar? Minha mente ficou em branco e parei no meio da frase. Meimi, que era mais alta que eu, olhou para baixo para me encarar e falou.
“Peço perdão por não ter servido a senhorita adequadamente devido à minha falta de experiência.”
Meimi sorriu por um milissegundo.
“Eu apenas fiquei um pouco surpresa, mas não me importo que a Senhorita Coelha tenha uma forma diferente. Por favor, se sinta em casa, como sempre.”
Ela não desgostava de mim… Incapaz de controlar minha alegria, abracei Meimi. Como se estivesse envergonhada, ela deu um passo para trás.
“O que estão fazendo?”
Nós duas, ainda abraçadas, viramos quando uma voz ressoou de repente. Alguém havia entrado e estava encostado na porta do quarto.
Tradução: Nopa.
Revisão: Holic.