A Relação simbiótica entre uma lebre e uma pantera negra - Capítulo 44
Pela aparência do servo, parecia que estavam faltando algumas partes de sua roupa. Ahin teve a impressão que uma certa ladra de roupas havia passado por ali, então passou a mão pelos cabelos e disse.
“…Meimi.”
Era mais improvável que a ladra de roupas estivesse com Rune dessa vez. Ele também tinha sido arrastado para o templo como representante do clã dos leões.
“Vamos procurar por uma mulher por toda a mansão. Mas mantenha isso em segredo.”
“Uma mulher…?”
Nessa situação, procurar uma mulher… Após receber a ordem, Meimi segurou a pergunta sobre onde estaria a Senhorita Coelha.
“Ela tem cabelos longos e brancos que vão até o joelho e olhos violeta. Provavelmente está dentro da mansão. Ela não é muito grande, então procure inclusive dentro de armários e gavetas.”
Se perguntando o que as ordens de Ahin significavam, Meimi, começando a entender gradualmente, segurou o seu próprio cabelo com força. Os dedos que tocavam nos cachos vermelhos estavam pálidos. Abrindo um armário na biblioteca, Ahin falou em voz baixa.
“Tem uma grande chance de que Ash esteja próxima dela.”
“Por acaso está pedindo que eu procure…”
A voz dela tremeu, o que não combinava com sua personalidade. Abrindo uma cortina preta, Ahin procurou numa prateleira e riu em vez de responder.
“Não acho que ela esteja tentando fugir, então não se preocupe. Não precisa amarrá-la, ela vai parar por conta própria.”
Uma tempestade passou pelos olhos de Meimi quando as suas especulações se confirmaram. Se aproximando da janela, Ahin olhou para o céu. A águia abriu as asas, enviando um sinal e criando uma sombra que ia até o chão. Olhando para baixo, Meimi ficou preocupada. Havia muitas panteras negras saindo da floresta próxima a fronteira e entrando na propriedade, acompanhadas de águias.
“Eles vão procurar por toda a parte externa. Você fica com o anexo.”
Meimi, que não podia fazer perguntas, fez uma reverência.
“…Entendido.”
Observando que a tarde estava bonita e ensolarada, Ahin, de repente, parou de andar. Se aproximando do sofá, ele olhou para Lillian. O rosto sereno dele enquanto dormia, completamente ignorante dos sentimentos que Vivi teve ao quase ser forçada para dentro da cesta, o fez ficar irritado.
As marias-chiquinhas ridículas eram provavelmente uma pequena vingança deixada por Vivi. Ahin sacou uma caneta do bolso de Lillian e levou ao rosto deste. Ele desenhou uma flor em cada bochecha e um sorriso largo e bizarro. Ele não sabia o que os guardas iam pensar, mas quando Lillian acordasse e olhasse no espelho… ainda que desmaiasse outra vez, Ahin não se importava.
***
Alguma coisa macia encostando na minha bochecha me fez despertar. É mesmo, tinha acabado adormecendo… mas parecia que tinha ficado tarde.
‘Quando foi que dormi…?’
O objeto macio era nada menos que as costas de Jane. Ela parecia estar dormindo, a julgar por sua respiração constante. Esfregando os olhos, percebi que parecia uma criminosa em fuga. Havia fugido e arrumado um esconderijo para dormir. Olhei ao redor.
“Ash?”
Mais cedo, o animal que estava oculto na pilha de feno era Ash. Quando ela e Jane se encontraram, houve uma pequena confusão, mas devido ao cheiro de Ahin, logo ficaram amigas. Fiquei aliviada quando ambas ficaram calmas, me cheirando quietamente. Inclusive, o alívio foi tanto que adormeci… e agora, Ash não estava em lugar nenhum.
Ela não costumava desaparecer assim. Me sentindo ansiosa, me levantei, batendo nas calças para tirar os fiapos de feno.
“Ash..?”
Quando abri a porta do estábulo, um vento frio soprou. O meu cabelo voou para todas as direções. Ela poderia ter voltado à mansão? Já estava escurecendo, e devia ser a hora na qual eles começavam os preparativos para o jantar. Era a hora na qual Ahin retornaria. Eu precisava ficar acordada. Por causa do frio, esfreguei meus braços, e então…
“Ash, o que está fazendo aí?”
No meio de um arbusto denso, podia ver a cauda de Ash para fora, balançando devagar. Ela estava querendo brincar de esconde-esconde? Não era incomum ela fazer isso no quarto de Ahin, então eu ri e me aproximei. Uma passo, dois passos… fui devagar e silenciosamente e, como um predador encurralando sua presa, abri o arbusto de uma vez só.
“Te encontrei!!”
Fiquei com as mãos em garra paradas no ar. Ash levantou a cara, surpreendida. Só que…
“Quem…?”
Olhando para ela comecei a perceber… Estava mais magra? E Ash tinha uma cicatriz no olho esquerdo? E também parecia maior?
“…Quem é você?”
Perguntei, atônita, mas obviamente, não houve resposta. Uma pantera negra dentre as que eram criadas na mansão, ou a verdadeira aparência de alguém que havia se transformado… Nenhuma das duas parecia ser a resposta correta. Os olhos amarelos eram selvagens demais para ser uma pantera de estimação. Como para comprovar essa teoria, o corpo estava cheio de pequenas cicatrizes.
“Grrrr….”
O chão vibrou com o rosnado. Uma hostilidade profunda emanava através do arbusto. Fiquei congelada e obriguei minhas pernas trêmulas a se levantarem. Se eu mostrasse minhas costas, seria morta. Sentindo isso por instinto, me levantei com as costas viradas para o estábulo. Mesmo que conseguisse voltar para dentro, só teria Lile e Jane para me ajudarem… E se tentássemos fugir… seria impossível correr mais que esse pantera negra enorme.
‘Pode ser que todo mundo morra…’
Um calafrio correu até meus dedos dos pés. O medo, que eu não conseguia mais esconder, se transformou em lágrimas que se penduraram em meus olhos. Só existia uma saída. Usar meus feromônios de modo a anestesiar por completo esse pantera negra. Se eu não fizesse um bom trabalho e voltasse a ser coelha por ter liberado feromônios demais… uma imagem horrível passou pela minha cabeça. Sem conseguir respirar ou mesmo dar um passo para trás, mordi meus lábios com força.
‘Você consegue, Vivi…’
Eu não podia desmaiar. No momento em que o pantera negra se preparasse para saltar, deveria usá-los. Minhas palmas suavam pelo nervosismo. Logo, os olhos da besta, que pareciam estar procurando comida, se ergueram. Ele estava vindo.
Os olhos amarelos se fixaram em meu pescoço. No mesmo instante em que o pantera negra se preparou para saltar, uma espada voou na direção dele.
Tssssss!
A espada ficou cravada no chão, após a besta ter conseguido se desviar por muito pouco. Se ele tivesse saltado naquele momento, ela teria se cravado bem no meio de seu corpo.
“Ei. Barra.”
Uma voz familiar chegou aos meus ouvidos. Minhas pernas enfraqueceram e caí sentada no arbusto.
“Falei para ninguém encostar nela.”
A cauda do pantera negra, que parecia assustado, estava no meio de suas pernas. Nesse instante, Ash, que apareceu por detrás de Ahin, saltou sobre o pantera, o atingindo com toda a força. Ele saiu voando e caiu, rolando à grande distância. Se abaixando e me carregando nos braços, Ahin olhou para o meu macacão.
“Por acaso conseguiu um emprego no estábulo?”
Assim que escutei as provocações relaxadas dele, me acalmei como se o terror de instantes antes tivesse sido de mentira. Quase chorei, então escondi meu rosto, o enterrando no ombro de Ahin.
“Vivi?”
“Não estou chorando!”
“Eu não falei que estava.”
Ahin, que no fim era cruel e malvado, tentou afastar meu rosto.
“Levante a cabeça.”
Usei toda a força para manter a cabeça enterrada no peito dele, extraindo a prática da força que usava para mastigar feno. Ahin, rindo, deu tapinhas nas minhas costas. Esse toque estranhamente acalmou minha mente confusa.
“Vivi, apertar o nariz com os dedos não vai te fazer parar de chorar.”
Ele tinha olhos no lado da cabeça? Tirei a mão do nariz e mordi os lábios.
“Não morda os lábios. Vai se ferir.”
“…Eu não estou mordendo.”
“Então, deixe eu ver seu rosto.”
Eventualmente, não consegui continuar negando, então levantei a cabeça devagar. Os olhos vermelhos estavam sorrindo largamente.
“Feia.”
Sua besta louca! Usando as duas mãos, estiquei as bochechas de Ahin, afinal, ele merecia.
“Me ponha no chão!”
Apesar da minha demanda, ele me apertou com mais força.
“Woangwaon.”
Ahin tentou falar algo, mas não pude entender nada devido as bochechas estiradas.
“…Você não vai falar nada estranho… Certo?”
Os olhos vermelhos passaram uma certa confiança. É claro, era impossível, mas soltei as bochechas dele.
“Quer que eu te ponha no chão no meio de uma briga?”
“Briga?”
Olhei para o lado e percebi que o pantera negra ainda estava apanhando de Ash. Receber uma patada dela na cara não seria equivalente a receber uma martelada? Me encolhi com a sensação de que o pantera negra Barra ia virar carne moída.
“…Parando pra pensar, minhas pernas estão meio cansadas.”
“Então não tenho opção a não ser continuar te carregando.”
De alguma maneira, sentia que estava sendo enganada, mas não me atrevia a ir para o chão, então me segurei em Ahin como uma corda de salvação.
“A propósito, Vivi, você não devia ter deixado o livro aberto na ilustração de um chimpanzé.”
Por que ele estava falando de chimpanzés de repente? Piscando, me lembrei que tinha deixado pistas na biblioteca para caso ele passasse por lá.
“Se estava com o gorila, deveria ter deixado aberto numa ilustração de gorila.”
“Não tinha tempo de ficar procurando livros com gorilas.”
Por medo que os guardas pudessem entrar, apressadamente busquei um livro com ilustrações. Me senti mal por Lile, mas era a pista mais óbvia que consegui deixar. Enquanto coçava o pescoço, percebi que, então, Ahin tinha encontrado a cena da biblioteca.
“Vou levar esse coelho estranho para ser examinado no templo. Eles vão saber o que é essa coisa.”
Como eu ia explicar o que fiz com o avô dele? Devia contar? Enquanto abria a boca devagar, um grito ecoou. Tinha sido Barra, que continuava apanhando de Ash. Ahin olhou para os dois panteras.
“Ele é amigo de infância de Ash.”
“…Amigo?”
Ash estava batendo nele sem dó nem piedade, como se quisesse matá-lo.
“Agora que Ash tem seguido Vivi por toda parte, parece que Barra tem estado chateado. Ele gosta de Ash desde que eram pequenos.”
Aquele rugido ameaçador não vinha da vontade de me devorar, mas de ciúmes. Enquanto olhava os dois, de repente olhei para Ahin, que me segurava nos braços. Seu rosto, sem nenhuma emoção perante a cena, me fez ter calafrios. Entendi o que ele pretendia. Apertei o ombro de Ahin.
“…Barra… ele não quis me ferir…”
“…”
“Não o mate.”
Ahin, que olhou para mim sem emoção, perguntou.
“Por que você acha que vou matá-lo?”
“Porque você acabou de decidir isso, nesse instante.”
A surpresa que passou pelos olhos vermelhos desapareceu rapidamente.
“Ele desobedeceu as regras. Aqueles que fazem isso podem até mesmo ser decapitados.”
Encarando o lado sem misericórdia de Ahin, me senti desconfortável. Seria por medo que algum dia esse lado se voltasse contra mim? Talvez, quando eu dissesse que iria embora… O cheiro de sangue pesava em minha cabeça.
“Então, se eu te desobedecer, vai me matar também?”
Não houve resposta. Depois do longo silêncio, percebi o quão destemida e ousada era essa pergunta, e arregalei os olhos. Me congelei e queria tapar minha boca. Estava escurecendo, e as luzes da mansão se acenderam. Nas sombras do rosto de Ahin apareceu um pequeno sorriso.
“…Se você pedir do jeito certo, posso considerar não matar Barra.”
Tradução: Nopa.
Revisão: Holic.