A Relação simbiótica entre uma lebre e uma pantera negra - Capítulo 43
Jane, que continuou se aproximando até estar a um passo de mim, abriu as narinas. O nariz dela estava a centímetros da minha cabeça.
‘Tenho que fugir…!’
Paralisada, olhei para o portão do estábulo. Se eu corresse agora, ela iria atrás de mim? Eu correria como um pato, pois ainda não tinha me acostumado a usar duas pernas…
Dezenas de pensamentos passaram por minha cabeça em um instante. Enquanto estava distraída bolando um plano de fuga, Jane, de repente, jogou a sua cabeça na lateral da minha, efetivamente me dando um tapa na bochecha.
‘Ela me bateu…!’
Jane, que repetiu o movimento, mais uma vez jogou a cabeça contra minha bochecha.
‘Combo duplo!’
Enquanto eu ficava atônita, Jane inclinou a cabeça para o lado, como se estivesse confusa. Então, ela começou a me cheirar sem parar, empurrando o focinho contra mim. Fiquei ali, petrificada.
“Céus, Senhorita Coelha!!”
Assim que vi Lile entrar correndo, minhas pernas perderam a força e caí sentada. O rosto de gorila dele, totalmente apavorado, era mais assustador que Jane, que tinha se aproximado novamente.
As roupas que Lile tinha trazido eram para uso dos trabalhadores do estábulo, uma blusa, um macacão e botas de borracha. Eram simples e consegui colocá-las sozinha sem muito esforço, apesar de que precisei dobrar as mangas da blusa 4 vezes.
Enquanto eu acabava de me vestir, algo úmido tocou nas minhas costas. Era o focinho de Jane, que continuava me farejando com o seu olhar arrogante característico.
“Sai daqui.”
Com cuidado, usei as mãos para empurrar a cabeça dela para longe. No início eu tinha quase desmaiado, mas como já fazia quase uma hora que ela tinha começado, eu já estava algo acostumada.
“Gorila- não, Lile, sente-se aqui comigo.”
Dentro da baia de Jane, que era o lugar mais limpo e confortável do estábulo, eu me sentei numa pilha de feno e acenei para Lile, que pareceu confuso.
“Escutei que com exceção de mim, que sou um homem-besta cavalo, Jane ataca todas as pessoas que entram…”
“Provavelmente ela sentiu o cheiro dos feromônios de Ahin. Ele sempre fica me cobrindo com o cheiro dele…”
Lile entrou na baia e se sentou ao meu lado. Jane o seguiu, balançando as orelhas e parecendo feliz. Ela então se sentou também, empurrando mais uma vez a cabeça contra mim. A esse ponto, não tinha mais escolha. Com cuidado, alisei e penteei a crina negra de Jane, que não mostrou nenhuma resistência.
“O cheiro do Lorde Ahin…?”
Lile, que estava me olhando com uma expressão complicada, perguntou.
“Não o sinto, mas é o que dizem… Você não consegue sentir, Lile?”
“Bem, meu olfato não é particularmente bom, também.”
Lile também era um herbívoro, então, como eu, não conseguia sentir os feromônios tão bem. Enquanto eu farejava meu pulso, tentando pegar o cheiro de algo, perguntei.
“Lile, como você soube que eu era aquele coelho bebê?”
Aparentemente, ele havia percebido assim que Ahin me carregou para fora do prédio abandonado.
“Bem, eu estava em dúvida naquele momento, mas então o Lorde Ahin pediu que eu desse uma carona para levar vocês na médica. Mas, como é que você…”
Lile, que não conseguia saber como perguntar sobre a minha história, enrolou as palavras.
“É só que… é um pouco estranho…”
Como eu podia explicar pra ele? Eu me encostei em Jane, que continuava me farejando, e abracei os joelhos.
“Bem… Eu fui abandonada.”
“O quê!? Pessoas malvadas fizeram isso com você, Senhorita Coelha?!”
As narinas de Lile inflaram enquanto ele se emocionava. Evitando o seu olhar, continuei explicando vagamente.
“Então, Ahin me recolheu e me trouxe aqui. Não sei ainda se isso foi uma coisa boa ou não.”
Era a primeira vez que eu falava sobre mim mesma desse jeito, e meu coração acelerou. Enquanto eu descrevia meus dias de guerra com os predadores, os olhos de Lile, que estava escutando com atenção, começaram a lacrimejar.
“Lile, você está chorando?”
“Senhorita Coelha, você passou por tantas dificuldades…”
Não sei como ele simpatizou tanto assim. Ele tinha um espírito frágil e gentil como vidro, ao contrário de sua aparência, que parecia ser capaz de esmagar rochas com os punhos.
“Você pretende voltar ao seu território natal algum dia?”
Eu, voltar para o território das lebres? Me acomodei melhor em Jane, alisando suas costas. Pude sentir sua temperatura corporal me aquecendo.
‘Voltar…’
Minha prioridade agora era conseguir me manter para sempre na forma humana. De repente, me lembrei da médica que conheci no Qatar.
“Esses predadores carregam uma ferocidade dentro de si. É como se sempre buscassem conflito, ao contrário de nós, que buscamos conforto. Eles são cruéis e violentos. É sua natureza.”
A médica, uma mulher-besta capivara, parecia estar jogando conversa fora, mas na verdade eram conselhos disfarçados de conversa. Talvez herbívoros não fossem compatíveis com a vida em um território de predadores. Os olhos dela, que ficavam indo nervosamente para a marca que Ahin fez no meu pescoço, voltaram à minha mente.
“Algum dia…”
Com os olhos fechados, murmurei. Enquanto as razões para Ahin me manter ali fossem suas intenções ocultas, eu não ia ser enganada e me deixar usar por ele. Uma vez que fosse capaz de controlar meus feromônios completamente e me manter humanizada, talvez fosse seguro sair daqui e me mudar para um território de herbívoros. E quando isso acontecesse, Ahin teria que desistir de me usar, e das minhas habilidades.
“Algum dia…”
Quando eu fosse dormir e acordasse, não veria mais Ahin todo enrolado no lençol, como uma lagarta. Perdida em pensamentos, chacoalhei a cabeça com força. Por trás daquelas pálpebras fechadas e tranquilas, não tinham olhos vermelhos malignos? E aquela suave mão não era a mesma que segurava uma espada? E que também, jogava coelhos na panela… Ele era um homem cruel, no fim das contas.
“Algum dia, terei que voltar…”
Apesar de ser em um futuro distante que eu ainda não conseguia imaginar. Estirei os braços e cerrei dois punhos, e não patas dianteiras.
“Lile, você também é um herbívoro. Não tem medo dos predadores?”
Lile ainda estava chorando, e secou suas lágrimas com suas mãos do tamanho de pás. Me sentindo constrangida, passei para ele o paletó do servo, que havia tirado ao vestir o macacão.
“A Senhorita Coelha é tão amável…Obrigado.”
Lile assoou o nariz no paletó. Me sentindo mal pelo servo, que ainda devia estar dormindo na biblioteca, dei tapinhas nas costas de Lile.
“Eu nasci e fui criado no Qatar. Não tenho medo porque convivo com todo tipo de homens-besta desde pequeno. Tirando os caninos, eles são pessoas como nós.”
Eu assenti para ele. Na verdade, grande parte do meu medo vinha de ter um corpo de coelha. Como não ter um instinto covarde, quando se vê um predador gigantesco, se aproximando de você? Isso já estava gravado em mim.
“Eu ainda tenho medo.”
“Eu entendo. O que estou dizendo é que os predadores comuns são assim, mas aqueles que têm muito poder são diferentes. Senhorita Coelha, este lugar aqui…”
Mais uma vez ele se emocionou e as lágrimas caíram.
“Deve ter sido muito difícil. Com seu corpo tão pequeno…”
Continuei dando tapinhas nas costas dele, mas minha mão tremia levemente.
“Ei, Lile. Eu estou na forma humana, pode parar de me chamar de Senhorita Coelha…”
“Não, não posso.”
“…?”
“Não posso chamá-la pelo nome. De jeito nenhum.”
“…Por que não?”
Boquiaberta, eu o encarei com um olhar inquisitivo.
Talvez isso tenha sido desconfortável, porque Lile começou a chorar ainda mais forte.
“Parando para pensar… Senhorita Coelha é um bom nome.”
Em pânico, agitei as mãos e comecei a falar o que vinha na cabeça.
“Qualquer um que veja concordaria com esse apelido… Não acha, Jane?”
Olhei para trás, para Jane, que estava quieta. Ela parecia focada em um ponto específico do estábulo. De repente, o pêlo dela se eriçou e Lile se ergueu.
“Tem algo aqui dentro.”
Escondido debaixo de uma pilha de feno, algo nos observava.
“Senhorita Coelha, se esconda atrás de mim.”
Jane se levantou e começou a trotar. E se houvesse um confronto?! A situação estava tensa. Com toda a coragem, ergui o braço, bloqueando Lile.
“Se for preciso, usarei meus feromônios…!”
“Aaaah!”
O grito de Lile foi tão alto que meus ouvidos doeram. Nesse momento, uma besta saltou da pilha de feno em nossa direção.
***
Ahin saltou do cavalo e correu na direção para a qual a águia voava. Fosse lá o que estivesse acontecendo, a mansão estava tranquila como sempre. Logo depois, a águia dobrou as asas e pousou no parapeito de uma varanda no terceiro andar.
“É a biblioteca.”
Ahin, que não cogitou entrar pela porta nem por um segundo, saltou para a varanda com pouco esforço. Dentro da biblioteca, ele não conseguia sentir o cheiro de Vivi. Cruzando as prateleiras, encontrou três corpos caídos.
Ahin, que parou estupefato, ergueu as sobrancelhas. Lillian, Meimi e um servo estavam dormindo, e alguém tinha colocado cobertores neles, deixando só as cabeças de fora. O mais surpreendente de todos era Lillian. O cabelo comprido e branco dele, que sempre ficava trançado, estava em marias-chiquinhas.
“…O que diabos aconteceu?”
O rosto de Ahin se franziu. Ele se curvou e deu tapinhas na bochecha de Meimi, pensando que ela seria a melhor dos três a ser despertada.
“Meimi.”
Apesar do esforço dele, ela não parecia que ia acordar com facilidade.
“Meimi, abra os olhos.”
Depois de a chocalhar algumas vezes, ela abriu os olhos e em seguida os esfregou. As roupas de Evelyn, que Ahin usava, apareceram em sua visão turva. Meimi, após perceber que se tratava de Ahin, se levantou apressada.
“Lorde Ahin!! A Senhorita Coelha…!!”
“Me explique o que aconteceu.”
“Oh…”
Ela explicou como Lillian havia descoberto Vivi e sobre tudo que ocorreu até ela adormecer, sem nem mesmo ter percebido. Ahin, escutando a história, olhou ao redor e encontrou a cesta que Meimi havia mencionado. De algum modo, parecia que todas as cestas eram um símbolo de rancor e dor para Vivi.
Tuk. Ahin chutou a cesta para longe e abriu a porta da biblioteca.
“Oh, Lorde Ahin? Estava aí!?”
Os olhos dos dois guardas que estavam na entrada se arregalaram. A porta não tinha se aberto desde que Lillian havia entrado.
“Quem entrou e saiu dessa biblioteca?”
“O quê? Oh, o Lorde Lillian disse que ninguém podia entrar, então ninguém veio..”
“E Ash, onde está?”
“Ela estava conosco faz uma hora, mas de repente saiu correndo.”
Ahin, sem terminar de ouvir, fechou a porta na cara deles. Dando a volta, ele levantou o cobertor de Lillian, e depois, do servo. As roupas deste estavam desalinhadas, e seu paletó tinha desaparecido. Os olhos de Ahin se moveram para as calças do homem, que estavam caindo, sem cinto. Ele rangeu os dentes.
Tradução: Nopa.
Revisão: Holic.