A Relação simbiótica entre uma lebre e uma pantera negra - Capítulo 42
Quanto mais tempo passava, mais frouxa ficava a mão do servo que me segurava.
“O que está fazendo? Coloque logo ela na cesta!”
“Lorde Lillian.”
Meimi se ajoelhou no chão e se inclinou tanto que sua testa tocou o solo.
“Com todo o respeito, peço que espere até que o Lorde Ahin retorne.”
Houve um silêncio frio na biblioteca, onde só havia Meimi, o servo, o vovô e eu.
<Meimi…>
Olhando para ela, ajoelhada, não pude evitar de me sentir horrível. Se ao menos eu fosse capaz de falar, Meimi não teria que se colocar nesse papel. As lágrimas que eu estava segurando começaram a cair.
“Você…”
Os olhos do vovô, que estava olhando para mim com firmeza, de repente se arregalaram. A razão foram os feromônios que começaram a fluir de mim, por estar emotiva.
“Mas o quê…!”
Ao mesmo tempo, os feromônios que ele mesmo lançou no ar contra atacaram, me atingindo. Meu estômago começou a doer como se alguém tivesse dado um soco. Com minha visão turva, vi Meimi caída no chão.
Tossindo, me aproximei dela. Mal registrei o fato que, em algum momento, tinha me humanizado.
“Ela está dormindo..”
Vendo de perto, felizmente ela estava apenas adormecida. Esfreguei as mãos uma na outra enquanto via Meimi respirar, seu peito subindo e descendo. Estava frio. Além de estar sem roupas outra vez, o ar gelado perto do chão de mármore era congelante.
Olhei sem expressão para o avô de Ahin, que havia colapsado no sofá. O servo dele, assim como Meimi, também estava caído no chão, murmurando enquanto dormia.
“Não acredito que seja uma humana…”
Agora estava claro que, quando liberei feromônios sem perceber, o vovô usou feromônios automaticamente para se defender. De alguma maneira, eu devo tê-los absorvido e me transformado. E o fato de que ele tinha sido nocauteado significava que, na “luta”, os meus feromônios tinham derrotado os dele.
“Não pode ser… Meus feromônios são mais poderosos que os dele..?”
Abracei a mim mesma, sentindo um calafrio. Felizmente, meu corpo não sofreu tanto durante a transformação dessa vez, talvez por ainda estar sob efeito dos feromônios que Ahin havia injetado há poucos dias.
Respirei fundo enquanto checava meu próprio estado. Do outro lado da porta, escutei um dos guardas falar para Ash.
“Sinto muito, mas não posso deixá-la entrar a não ser que o Lorde permita…”
‘Ash, por favor, não faça confusão…’
Olhei ao redor e me aproximei do servo desmaiado.
“Ack.”
Me esforcei para virá-lo e retirei seu paletó, usando-o para me vestir. No entanto, o decote era tão profundo que dava para ver tudo.
“Me desculpe…”
Mais uma vez, virei o homem e tirei seu cinto, usando-o para prender o paletó.
“Funcionou?”
Após colocar o cinto, começou a parecer que eu estava, de fato, vestida. Nervosa, me aproximei de Meimi e a virei. A testa dela estava vermelha, por tê-la batido com força no chão enquanto implorava.
“Meimi, acorde…”
Sussurrei para as pálpebras fechadas dela.
“…Meimi?”
Mesmo forçando os olhos dela a abrirem com os dedos, só dava para ver a parte branca. Seja o que for que meus feromônios fizeram, ela não mostrava sinais de que ia acordar.
“Por favor, acorde!!”
Mesmo com ambos os olhos sendo puxados, Meimi continuava nocauteada. O que fazia agora? Me sentindo perdida, olhei nervosa para a porta da biblioteca. Se eu saísse desse jeito, como os guardas reagiriam? Talvez funcionasse se eu explicasse para eles?
[Olá, na verdade eu sou a coelha que entrou aqui hoje cedo…Eu era uma mulher-besta o tempo todo. Ah, e, sem querer, fiz com que todos dormissem.]
E então, todos iriamos rir… e logo em seguida, eles iriam cravar a lança em meu pescoço. Com ambos Ahin e Valence fora, a mansão iria virar de cabeça pra baixo. Deixando minha imaginação voar, olhei para o avô de Ahin com o canto do olho. Se ele me visse assim, o que será que diria?
Eu já era maior de idade. Na verdade, tinha completado 19 anos. Mas, uma mulher-besta que não tinha passado pela humanização definitiva nessa idade… certamente eu era a única do continente. Qualquer um pensaria que eu era muito suspeita, e que as pessoas da mansão, que continuaram agindo como se eu fosse uma coelha normal, eram estranhas.
Na verdade, a reação do vovô era a reação óbvia. No entanto, eu olhei para trás com tristeza, pensando como tinha sido bem tratada nestes últimos meses. Ahin e Evelyn, e seus absurdos… eu nunca tive dias tão pacíficos assim…
Ou talvez não. Panteras negras, leões, raposas e lobos…
‘Os tempos… têm sido difíceis…’
Olhei de novo ao redor da biblioteca, desesperada. Se usasse meus feromônios de novo, voltaria a ser coelha, mas não queria fazer isso, pois para virar humana de novo depois teria que sentir muita dor e preferia ficar nessa forma, se possível.
Criei um novo plano: ficar escondida até que Ahin retornasse. Cambaleando, me levantei e consegui andar até a varanda. Assim que pisei na parte externa do balcão, o sol tocou meu rosto.
‘Mas, como vou pular se estamos no terceiro andar? Talvez seja melhor me esconder debaixo de alguma prateleira lá dentro?’
Olhando vagamente para baixo, me sentei no chão. Percebi que era impossível me esconder debaixo de uma prateleira com um corpo humano. Agachada como uma tartaruga, olhei para baixo. A área embaixo da varanda da biblioteca era bem agitada, então frequentemente jardineiros e outros criados passavam por ali.
‘…O que vou fazer?’
Se eu ficasse na biblioteca e o vovô acordasse, sabe-se lá o que poderia acontecer… Enquanto olhava para baixo, de repente arregalei os olhos. A razão foi porque fiz contato visual com um homem bem familiar.
“Você…!”
“Oh!”
Ao mesmo tempo, eu e o homem tampamos nossas respectivas bocas e olhamos ao redor para verificar se não havia ninguém mais.
Havia me reencontrado com o homem-besta que parecia um gorila e que tinha nos ajudado em Qatar.
***
A roda da carroça passou a andar sobre um chão de pedra em lugar de terra batida, como até então. Embaixo de uma pilha de feno, sentada e abraçando os joelhos, eu olhei para cima. A luz entrava por entre os maços de feno, enquanto a carroça chacoalhava.
“Senhorita Coelha, aguente só mais um pouco, apesar do desconforto.”
Os olhos de Lile, que estavam brilhantes, apareceram por entre os maços.
“Estou bem.”
Dá para aguentar. Acenei com a mão para indicar “sou forte!”. Ainda assim, ele pareceu ansioso enquanto recolocava mais feno para tapar o buraco.
“Lile, meu turno terminou a partir de agora~ Jane não parecia confortável, melhor você ir checá-la.”
“Sim, pode deixar. Bom trabalho hoje.”
Escutei Lile falando com alguém enquanto empurrava a carroça. Toda vez que não tinha ninguém por perto, ele falava comigo, perguntando se eu estava assustada e contando a história de sua vida.
Enquanto escutava sobre a vida dele, me senti muito triste. Era difícil escutar a história dele sem chorar. Ele havia saído do território dos cavalos para realizar seu sonho de trabalhar num criadouro de coelhos, mas acabou sendo enviado para o cartel de drogas em vez disso, por conta de sua aparência durona. Ele queria se demitir, mas não podia ou correria risco de vida, e assim teve que continuar ali… até que surgiu a oportunidade de trabalhar na mansão Grace. E fim.
Apesar de tudo ter começado e terminado com coelhos, dos quais ele tanto gostava, era um final agridoce, pois ele havia sido jogado para trabalhar nos estábulos sem que ninguém tivesse me dito uma única palavra.
Eu sabia que ele tinha voltado junto conosco para a mansão, mas Ahin não tinha falado uma única palavra sobre ele. Não sabia se tinha sido de propósito ou não, mas era a primeira vez que eu escutava os detalhes.
“Pode sair agora. Ninguém nunca vem aqui, por causa da Jane.”
“Quem é Jane?”
“É a égua preta do Lorde Ahin. Ela tem uma personalidade horrível e odeia pessoas, então não deixa ninguém se aproximar. Parece que ela não gosta do cheiro de humanos.”
“Então ela é a cara do dono.”
“É verdad- Oh, céus, minha boca!”
Lile tapou a boca com as mãos que pareciam pás. Fingindo que não tinha escutado nada, olhei para o lado. Atrás de uma baia decorada, uma égua negra de pelo lustroso levantou o queixo e olhou para mim com uma expressão arrogante.
Uma olhada me fez perceber que ela era a única a ter uma baia individual. Como se tivesse passado por diversos tratamentos, a pele dela brilhava e estava usando um colar com joias decorativas.
“O que está olhando?”
Sentindo que eu precisava me impor, levantei o queixo e a encarei de volta. Graças a Ash, um cavalo, que no fim das contas era apenas um herbívoro, não era páreo para esta Vivi.
“Oh, céus!”
Enquanto eu estava no meio de uma guerra de olhares, Lile, que me ajudava a descer da carroça, pareceu envergonhado. Era porque minhas pernas estavam completamente de fora, devido ao comprimento do paletó do servo.
“Vou arrumar umas roupas, espere aqui um momento. Jane nunca sai da baia dela, então é só não chegar muito perto. Cuidado, o coice dela é muito forte.”
“Vou esperar quieta… ou devo ficar escondida na carroça?”
“Não… Eu voltarei rápido!”
Lile, que não conseguia olhar diretamente para mim, falou olhando para cima, e saiu correndo do estábulo. Olhando para as costas dele, diminuindo no horizonte, distraidamente tirei uns fiapos de feno das minhas pernas.
O que estaria acontecendo na biblioteca nesse momento? Meimi teria acordado? Eles perceberam que usei meus feromônios? Tinha muitas preocupações. Foi muita sorte me encontrar com Lile, ou eu teria que tentar soltar mais feromônios para voltar a ser coelha e esperar meu destino na biblioteca.
Soltei um pequeno suspiro de alívio. Quando Ahin voltasse, Lile iria entregar a mensagem sobre onde eu estava. Era só esperar aqui e poderia me encontrar com ele sem ver ninguém mais no caminho. Parada ali, voltei a olhar para Jane. Ela me lembrava tanto de Ahin, bufando desdenhosamente para mim, que queria dar um tapa no seu flanco.
‘O que está olhando?’
Me segurei para não falar em voz alta essas frases provocativas. Lile tinha dito que assim que ele havia começado a trabalhar nos estábulos, tinham designado ele para cuidar de Jane. Ela, que odiava todas as pessoas, parecia gostar mais dele. Da mesma maneira que Ahin com as panteras negras, Lile, o homem-besta cavalo, parecia ser capaz de se comunicar com cavalos normais.
‘Então, se eu encontrasse um coelho normal…’
Talvez algum dia eu arrumasse um coelho de estimação. Imaginando a mim mesma comandando um exército de coelhos por um segundo, estapeei minhas bochechas para quebrar a ilusão. E então…
Woosh. Jane saltou e saiu da sua baia. Congelada, fiquei tremendo. Lile tinha dito que ela nunca saia, e que também odiava o cheiro de humanos! Será que ela me considerava não como uma pessoa, mas sim um coelho? Eu mesma tinha dúvidas, mas no fim ainda era humana… Ou será que era porque só era humana de vez em quando?
Ao contrário de mim, que fiquei parada, hesitando, Jane começou a andar na minha direção, decidida, e se aproximava cada vez mais.
Tradução: Nopa.
Revisão: Holic.