A Relação simbiótica entre uma lebre e uma pantera negra - Capítulo 41
O ritual do templo era um evento que ocorria todos os anos. No continente dos homens-besta, só se adorava um único deus, o Deus das Bestas. Nesse dia, uma cerimônia era feita no templo em sua honra, com a presença de representantes de todos os territórios.
Valence e Ahin, comparecendo em nome do clã das panteras negras, cumprimentavam os outros nobres, que estavam sentados nos bancos do templo, formando uma verdadeira multidão.
“No início, o nosso continente de Vestia…”
O discurso inútil do sacerdote continuou por quase duas horas. Os olhos de Ahin quase se fechavam de tédio.
“Se ia ficar tão entediado assim, deveria ter trazido a coelha.”
Valence sussurrou para ele. Ahin a olhou de soslaio. Apesar de ser a mãe dele, ele não tinha contado nada a ela. Ahin imaginava que ela soubesse vagamente que Vivi era uma mulher-besta e não um animal comum, mas ela continuava se referindo a ela apenas como “coelha” ou “bebê.”
“Eu tentei trazê-la.”
Virando para o sacerdote novamente, Ahin deu de ombros. Não era como se ele não tivesse pensado em colocá-la no bolso. O templo não era um local carregado de feromônios de atração sexual como tinha sido o baile, e Vivi agia assustada quando saia da mansão, mas ele via que seus olhos brilhavam.
Naquela manhã, ele não queria tê-la deixado pra trás na mansão, então tinha dito.
“Vivi, hoje há uma cerimônia no templo-”
Antes de terminar a frase, ela havia saído correndo, deixando um rastro de poeira no chão. Depois de fingir estar chateado, ele havia soltado uma risada.
“Ela não gosta do templo.”
“Oh, mas por quê?”
Por quê? Ahin inclinou a cabeça, sem saber o que responder.
“…Não sei..”
É mesmo, por que ela fugia tão desesperadamente do templo? As costas de Vivi, fugindo como condenada, apareceram em sua memória. Para Vivi, o templo era mais perigoso que um predador. Isso queria dizer que ela tinha medo… Na hora, ele não tinha pensado no assunto, e deixou pra lá.
Ele não queria fazer muitas perguntas para Vivi – era suficiente que ela ficasse ao seu lado. Ahin apoiou o queixo em uma mão e deu toquinhos no apoio do banco com a outra.
‘Vivi.’
Às vezes, quando ele chamava seu nome, ela o ignorava, mas quando precisava dele, levantava a pata dianteira. Quanto estava brava, o chutava, mas quando estava assustada corria por todo o quarto e se escondia.
Toda vez que ele a chamava, a reação era diferente. Isso era divertido. No início, era apenas engraçado.
Com o passar do tempo, ele começou a imaginar sobre o que ela tanto pensava em sua pequena cabecinha. Com os olhos cheios de vida, ela dava ordens a Ash e Evelyn. Uma outra emoção surgiu no rosto cansado de Ahin.
Tuk. Toda vez que batia no apoio do banco, a cena em sua cabeça mudava. Quando ele a encontrou como humana na barraca, ficou surpreso. O rosto dela com lágrimas nos olhos ficou em sua mente por muito tempo. Vivi assustada. Vivi sorrindo sem olhar nos olhos dele. Vivi com o rosto vermelho, após ser coberta pelos feromônios dele, lhe deu uma sensação de calor no estômago.
“Ahin, um herbívoro vivendo no meio de predadores. Como isso aconteceu?”
A pergunta, que saiu completamente do nada, fez com que as fantasias sumissem completamente da cabeça de Ahin. Valence continuou como se ele soubesse do que ela falava.
“Os predadores andam por toda parte, mas os herbívoros não entram em nosso território a não ser que haja circunstâncias muito especiais.”
O sacerdote proclamou algo e todos os presentes levantaram os braços. As vozes deles clamando se misturaram a de Valence, que continuou.
“Me disseram que você a recolheu na floresta próxima à fronteira após ela ser abandonada. É como se alguém quisesse que ela morresse, mas sem ter o trabalho de fazer isso eles mesmos, e a abandonaram ali para que nós terminássemos o serviço.”
“…”
“A barreira entre vocês dois não poderá ser quebrada tão facilmente assim. A coelha pode até depender de você, mas não confiará em você.”
Valence baixou as mãos, sorrindo.
“Tenho certeza que você mesmo já ameaçou a coelha muitas vezes, para piorar.”
Ahin, cerrando os punhos, respondeu seco.
“Aceitarei os seus conselhos.”
“Ah, e esqueci de falar, mas seu avô está aqui, então vá vê-lo quando retornarmos à mansão.”
“O velho- não, meu avô?”
“Já que seu aniversário está próximo, ele está hospedado na mansão desde anteontem. Acho que devia ter mencionado isso antes.”
Pensando que já fazia muito tempo, Ahin, que estava se espreguiçando, se endireitou rapidamente, se lembrando que Lillian era um ranzinza.
“Mãe.”
“O que foi, por que essa voz ansiosa?”
“Como meu avô vai agir em relação a Vivi?”
“Eu a mencionei para ele enquanto tomávamos chá. Ele é tão durão que espero que ela não desmaie caso se encontre com ele…”
Os dois, sentindo calafrios de repente, se encararam.
“Caaaaw!”
Os olhos de Ahin se voltaram para o céu quando ouviu um grito familiar. A águia que ele tinha designado para vigiar Vivi estava ali. Julgando por como ela abanava as asas, parecia que tinha acontecido algo com ela.
“Me chamou, Lorde?”
Com um aceno de mão, Ahin chamou Evelyn, e começou a afrouxar a gravata.
“Evelyn, vamos trocar as nossas roupas.”
“…Quer que eu fique aqui fingindo ser o Lorde?”
“Sim, me imite bem para que os nobres não percebam.”
“Mas eu não trouxe uma peruca…”
Alguns minutos depois, Evelyn, sentado no banco e usando as roupas de Ahin, alisava seu cabelo. Felizmente, a uma certa distância não dava para perceber a troca, e ele só precisava sair minutos antes do final do ritual para não ter que cumprimentar os nobres diretamente.
“Seu cabelo está lindo. É uma visão rara.”
Valence elogiou, com a voz alegre.
“É uma honra, minha senhora.”
Evelyn respondeu, com a voz orgulhosa, imerso no papel. Um esfregão prateado encaixado em sua cabeça flutuava com a brisa.”
***
Sentada quieta no sofá da biblioteca, olhei ansiosa para o homem idoso ao meu lado, que tinha desmaiado. De acordo com Meimi, ele era o avô de Ahin, Lillian Payne.
Ahin não estava na mansão por causa de um compromisso, e justo agora, o seu avô tinha tido um colapso. Por outro lado, não tinha sido minha culpa que ele tivesse se exaltado tanto com um corpo tão frágil.
Se eu visse Ash lendo um livro algum dia, provavelmente teria ficado surpreendida… Pensando nisso, fiquei em pé nas patas traseiras e toquei na mão dele, ansiosa.
<Vovô, acorde.>
Pouco depois, os olhos por baixo das grossas sobrancelhas brancas se abriram um pouco. Nas íris vermelhas, características do clã das panteras negras, uma luz de desaprovação brilhou.
“Um coelho que compreende palavras humanas. Como se já não tivéssemos problemas o suficiente!”
Percebendo que ele me odiava, dei um passo para trás.
“O que diabos é você, afinal?”
Eu não tinha como explicar. Piscando, me virei para Meimi.
<Explique pra ele, por favor.>
“Ela é… do Lorde Ahin…”
“Se não falar alto, não vou conseguir escutar!”
Como se tivesse uma escolha complicada na cabeça, Meimi abriu e a fechou a boca algumas vezes. Então…
“Ela é o lanche emergencial do Lorde Ahin.”
“Eu nunca vou entender a personalidade desse menino. A cada dia, fico mais perto da morte por culpa dele. O que ele está pensando, com essa bizarrice?”
“Bem…”
Quando Meimi não pôde responder, um silêncio pairou no ar.
Eu, o centro das críticas, observei Lillian. Segurando as têmporas, ele endireitou o corpo, que estava jogado no sofá. Cada movimento exalava experiência e autoridade.
“O cheiro dela está misturado com o de Ahin, o que é muito desagradável. A maioria dos homens-besta não perceberia. Ela é uma mulher-besta?”
“Ela esteve na forma de coelho bebê o tempo todo, meu Lorde.”
“…Não sei se isso é uma coisa boa ou não. Então, você é o tal coelho que Ahin levou como acompanhante para o baile?”
Baile? De repente me lembrei que tinha ido e até mesmo sido levada para “dançar” por Ahin, o que tinha me deixado muito tonta. Assim que assenti para ele, o rosto do vovô ficou mais pálido ainda.
“Não devemos ter nada a ver com uma criatura estranha como essa!”
Assim que ele começou a gritar de novo, Ash, que tinha sido expulsa da biblioteca, começou a arranhar a porta pelo lado de fora. Os olhos vermelhos de Lillian, que gritou de novo, se arregalaram.
“Silêncio! Não sei o que vai acontecer, mas já pensei numa solução. Como sou brilhante!”
Meus ouvidos doeram com a voz grossa. Antes que eu conseguisse entender o que ele tinha falado, ele olhou para Meimi.
“Onde está Ahin? Traga-o aqui imediatamente!”
“Ele está no ritual do templo junto com a Senhora da casa. Eles devem voltar a tempo do jantar.”
“Então, era hoje. Bom, que conveniente. O templo deve estar lotado de gente. Chame um servo e prepare uma carruagem.”
“Desculpe, mas, para onde o senhor pretende ir?”
“Óbvio – vou levar esse coelho estranho para ser examinado no templo.”
Os olhos de Meimi tremeram levemente.
“Por que ninguém aqui sabe pensar? Eles vão saber o que é essa coisa. Não preciso do meu neto, que tem a cabeça oca.”
O espírito do avô teimoso queimava. Comecei a me encolher.
<Não posso ir ali!>
Desesperadamente, acenei com as patas dianteiras para sinalizar que iria em qualquer lugar, menos no templo.
“Ah, bem.”
O avô, que deu de ombros me ignorando, começou a se preparar para a viagem. Ele pensava que o templo seria capaz de desvendar esse mistério irritante, e que como recompensa, Ahin, quem sabe, até mesmo aceitasse firmar um noivado com uma nobre, como ele tinha estado esperando há tempos.
<Meimi!!>
Acenando as patas, olhei para ela. O rosto inexpressivo mostrava uma certa vergonha. Seria difícil desobedecer uma ordem direta de um Grace, ainda mais do senhor Lillian. Como uma criada, uma ação errada poderia facilmente resultar que cortassem o seu pescoço.
Decidi fugir sozinha, mas então, empalideci. O servo do vovô, aparecendo por trás dele, estava carregando nada menos que.. uma cesta de palha.
“Mais um pouquinho e entraremos no território das panteras negras.”
“Vamos acabar com isso de uma vez.”
As vozes, que eu nunca mais queria escutar, ressoaram em minha memória. Como se estivesse tendo um pesadelo, meu corpo inteiro se estremeceu.
<Não quero!!>
As mãos implacáveis de Lillian me seguraram. Me contorci, mas minha força era ridícula em comparação à daquelas mãos.
“Coloque ela aí dentro.”
Assim que ele me passou para o servo, mordi seu dedo com toda a força.
<Por favor, me deixe ir! Finja que se surpreendeu e me soltou por engano!!>
Enquanto continuava mordiscando, percebi uma hesitação dos olhos do servo.
Tradução: Nopa.
Revisão: Holic.