A Relação simbiótica entre uma lebre e uma pantera negra - Capítulo 40
“Então, todas as vezes que você se humanizou, doeu tanto assim?”
<Bem… Sim?>
Sentada na cama, assenti, sem expressão. Ahin, que estava me encarando, acariciou o meu queixo com o dedo.
“Então, porque você nunca me falou isso antes?”
Eu revirei os olhos para ele. Como poderia? Além disso, me lembrei de que, quando estava na mansão Labian, toda vez que passava mal era maltratada e mais ignorada que o normal. Então, tinha me acostumado a não demonstrar toda vez que ficava doente.
“Você obteve o costume de sofrer sozinha, sem falar para ninguém?”
Não queria me lembrar do passado. Não fiz nenhum sinal como resposta, só olhei para Ahin.
“É hora de dormir.”
Foosh. Ele puxou o cobertor sobre mim do nada e tudo ficou escuro. Rude como sempre. Embaixo das cobertas, chutei as costas de Ahin com a pata traseira. Queria chutá-lo até que caísse para fora da cama.
“Vou estraçalhar todos até a morte…”
Ouvi ele murmurando baixinho.
<Quê!?>
O meu pé, prestes a chutá-lo mais uma vez, se congelou no ar.
***
A sala de conferências estava lotada. Mesmo sendo bem cedo, havia um inflamado debate entre os clãs das panteras negras e dos leões sobre o caso das drogas de Qatar.
“Os guardas questionaram alguns dos homens que foram capturados no prédio abandonado, mas eles eram apenas mercenários, então não sabiam a fonte das drogas.”
Um nobre do clã das panteras negras mostrou um documento.
“A possibilidade de que estejam sendo manufaturadas por gangues ou grêmios de baixa categoria é alta. Também há a possibilidade de que os fundos para custear sua produção estejam vindo de algum nobre. Como está indo a investigação?”
Um nobre do clã dos leões levantou a mão.
“Estamos atualmente analisando a droga. Uma coisa é certa: sua função é ativar os feromônios. Temos um membro do nosso clã que é muito bom com venenos, então daremos uma boa contribuição.”
A reunião já estava terminando. Pensando que estava na hora de encerrar, os nobres que estavam se entreolhando olharam para os assentos mais altos.
“Seu cabelo parece bem melhor que da última vez que o vi, Lorde Manionz.”
“Acho que está com inveja, já que panteras negras não tem jubas?”
Ahin e Rune, sentados nos assentos de destaque, estavam tendo uma conversa sarcástica que mostrava claramente sua animosidade. Ambos estavam sendo tão brutais que continuavam falando palavras grosseiras com sorrisos nos rostos.
Os nobres, que não conseguiam proclamar o encerramento, ficaram observando em silêncio.
‘Esse gato desgraçado…’
Rune franziu os olhos. Na noite passada, mais de 10 assassinos o tinham atacado no seu caminho na volta de uma cidade próxima. Ele desconfiava sobre quem os tinha enviado, mas uma vez que tinham sido mandados pelo grêmio de assassinos, a chance de descobrir o mandante era quase zero. No entanto, considerando o timing, ele estava certo de que o cliente do grêmio era o humilde pantera negra sentado bem na sua frente. Rune, sorrindo, levantou uma sobrancelha.
“Não sei se escutou, Lorde Grace, mas uma certa coelha me contou que a vida dela era um inferno por conta das panteras negras.”
Os nobres do clã dos leões tremeram ao escutar isso. Como uma coelha poderia falar, seja o que fosse? Até as piadas tinham limites! Eles queriam tapar a boca de Rune, mas não podiam.
“Impossível.”
Ahin, sem se abalar em absoluto, sorriu largamente.
“Essa coelha controla o clã das panteras negras com uma só pata. Não há razão para que diga que sofre.”
“É verdade. Inclusive, em breve a Senhorita Coelha irá conseguir a unificação de todo o continente com apenas uma pata.”
Evelyn, que estava de pé atrás da cadeira de Ahin, deu um passo à frente, o defendendo. Sua expressão era determinada. Por outro lado, os nobres do clã das panteras negras ficaram boquiabertos. Esse nível de absurdo era normal para esses dois, mas dizê-lo em público, e ainda por cima na frente do clã dos leões…!
“A coelha governará o continente… É verdade, senhor Evelyn?”
Havia alguém escutando com seriedade. Restin, de pé atrás de Rune, perguntou. Os nobres do clã dos leões não sabiam se deveriam rir ou não. Enquanto isso, Rune estava pensando, em agonia.
Era verdade que aquela coelha era diferente de tudo que ele já tinha visto. Ela conseguia se manter na forma animal por vários dias, o que em si já era estranho. Mas além disso, ele não podia ignorar o fato de que o ferimento em sua bochecha tinha sumido sem deixar uma marca quando ela havia o tocado.
E se ela tivesse um feromônio que ninguém imaginaria? Isso seria razão suficiente para trazer um herbívoro para casa. Se essa hipótese fosse verdade, a família Grace tinha conseguido um poder inimaginável.
“Continuem falando.”
Rune, fazendo a mesma expressão séria, falou para Ahin e Evelyn. Ao mesmo tempo, os nobres do clã dos leões taparam os rostos com as mãos. O seu jovem mestre estava querendo mais detalhes sobre como uma coelha iria conquistar o continente…
“Ah, acabo de me lembrar. A coelha me falou que não queria mais ter nada a ver com leões.”
“Quê?”
“Não se lembra da maneira como ela fugiu de você, Lorde Manionz, lá em Qatar?”
“Faz sentido. Afinal, o inimigo natural dos coelhos são os leões, como vários contos de fada já dizem.”
Evelyn, estirando o pescoço, acrescentou. Ahin, rindo, se reclinou na cadeira.
“Os panteras negras não têm esse papel. Mas os leões sempre são os vilões das histórias.”
Nem mesmo existia um conto de fadas que mencionasse uma pantera negra, para começar. Os nobres do clã dos leões tentaram enviar uma mensagem com os olhos de “o ignore, Lorde Rune!”. Era uma provocação infundada. Eles olharam para Rune, esperançosos.
“Maldito…”
‘Mas sobre que parte ele ficou chateado!?’
Então, frases como ‘a coelha cresceu de tamanho’ e ‘o gorila tinha um coice impressionante’ continuaram sendo ditas por Ahin e Evelyn. Rune e Restin ficaram assentindo, escutando com expressões sérias. Inicialmente, pareciam besteiras, mas sabendo que as partes sobre a coelha eram verdade, todo o resto também poderia ser.
Os nobres dos clãs dos panteras negras e dos leões, sem entender nada do que estava acontecendo, ficaram se entreolhando.
‘Vocês também devem passar por maus bocados…’
Esse tipo de empatia nasceu em seus corações, de um clã para o outro. Foi um momento de solidariedade entre os dois grupos.
***
O cheiro familiar da biblioteca encheu meu nariz depois de um longo tempo. Depois de cumprimentar os cavaleiros na entrada, caminhei entre as prateleiras, determinada.
<B-02…>
Era a seção de livros sobre feromônios. Quando chegamos, Meimi me levantou nos braços com naturalidade.
<Meimi, prateleira Z!>
Entendendo cada sinal que eu fazia, ela estirou os braços para que eu tocasse a prateleira Z. Após escolher um livro grosso que se chamava “Descrição de feromônios raros”, ela me colocou no chão, no meio da biblioteca.
<Meimi, me dê um pouco de espaço.>
Após eu acenar com a pata, Meimi recuou até um ponto onde ela não conseguiria enxergar o conteúdo do livro. Ela era ótima em me entender, nota 10. Ash se aproximou e se deitou ao meu lado. Encostando-me no pêlo negro, comecei a ler com cuidado o livro no suporte à minha frente. Ele falava de humanização tardia, mudanças corporais causadas por feromônios, e, por fim…
<…Habilidades de cura por feromônios.>
A minha pata dianteira, que trocava de página com rapidez, se congelou. A descrição sobre feromônios de cura era bem complicada.
[É muito difícil haver registros de habilidades de cura, pois aqueles que as possuem são extremamente raros neste mundo. As habilidades mais comuns dentre aqueles que possuem poderes curativos são indução de sono e anestesia.]
Sono e anestesia? De fato, comprovei que tinha a habilidade de fazer os outros dormirem ao praticar com Ash. Mas anestesia…
Fiquei repetindo a palavra para mim mesma. Parando pra pensar, os homens-besta lobos na barraca não conseguiram mover seus corpos. Talvez essa fosse a habilidade de anestesia…
[As habilidades anestésicas emanam odores que estimulam o apetite.]
Minha pata, segurando a página, tremeu.
“Essa é a tal coelha que tem cheiro de pão assado?”
“Ela também tem cheiro de manteiga.”
A descrição batia com esses fenômenos, incluindo o cheiro dos meus feromônios.
[Há registros de um homem-besta leão que possuiu habilidades de cura tão avançadas que, além de ferimentos, era capaz de curar até mesmo doenças infecciosas.]
Em instantes, os ferimentos de Ash e de Rune tinham desaparecido sem deixar marcas. Sono, anestesia, e cura de ferimentos. Tudo se encaixava.
‘Mas, como?’
As chances de que eu tivesse uma habilidade tão rara eram poucas. Uma coelha, que nem mesmo era da linhagem do líder de seu clã… Com o corpo de um pequeno herbívoro, eu não conseguiria suportar uma habilidade tão poderosa. Enquanto enterrava o nariz no livro, uma possibilidade me atingiu como um raio. No livro que a Senhora Valence tinha me dado anteriormente, tinha escrito…
[Os feromônios da criança do clã das raposas eram tão poderosos que isso atrasou sua humanização.]
Um suor frio escorreu pelas minhas costas. Se meu corpo produzisse feromônios de cura poderosos, com os quais ele não conseguia lidar, o que, portanto, o fez lutar para suprimi-los, isso explicaria o porquê de eu não me humanizar mesmo após completar a maioridade.
<Será?>
Não podia ser… mas fazia sentido. O controle dos próprios feromônios era essencial para a humanização definitiva. Olhei para trás com os olhos tremendo. Ash, que percebeu, lambeu minha bochecha como se estivesse preocupada.
<Estou bem, calma, Ash.>
Eu era quem precisava me acalmar. Dando tapinhas em Ash, olhei para minha pata com olhos desfocados.
<Então, se eu conseguir controlar meus feromônios poderosos, posso estar mais perto da humanização definitiva.>
Mas como dominaria algo tão forte? Minha cabeça estava doendo. Ao escutar um barulho vindo da entrada, girei o pescoço. E ali havia um senhor idoso, que tinha acabado de derrubar sua bengala no chão.
“O que é isso?”
Julgando pelos olhos vermelhos, ele era do clã das panteras negras, apesar de eu nunca tê-lo visto antes da mansão. Pelas roupas luxuosas, ele não devia ser um mordomo ou servente, mas sim alguém de alto status. Me escondi atrás da cauda de Ash, cautelosa. Um longo silêncio seguiu. O senhor idoso se aproximou de um dos cavaleiros que guardavam a entrada da biblioteca e falou.
“Ei, o que é aquilo?”
“Se trata de um coelho, meu Lorde.”
“Está me fazendo de idiota? Estou perguntando se está enxergando o mesmo que eu ou se é uma alucinação.”
O cavaleiro, constrangido, não respondeu. O homem fez “tsk” com a língua e levantou a voz.
“Aquele coelho por acaso está lendo um livro, deitado em uma pantera negra, e massageando as têmporas?”
O senhor idoso se aproximou e me agarrou pela pele da nuca, enquanto gritava.
“Lorde Lillian!!”
Ao mesmo tempo, o grito de Meimi e dos cavaleiros que guardavam a entrada ecoaram pela biblioteca.
Tradução: Nopa.
Revisão: Holic.