A Relação simbiótica entre uma lebre e uma pantera negra - Capítulo 39
A lua cheia brilhava como se fosse devorar o céu noturno. Ahin estava sentado no parapeito da janela, balançando um saco transparente na frente dos olhos. Dentro dele, estava o pó que ele tinha obtido com Lile – com a gangue de Qatar, para ser exato.
A opinião do médico da família Grace tinha sido a mesma da médica capivara – não havia qualquer sinal de drogas no corpo de Vivi, o que, uma vez que ela comprovadamente as tinha inalado, podia demonstrar que seu corpo tinha resistência.
“Leve esse saco para o departamento médico e analise os componentes. E mantenha isso tudo em segredo.”
O médico, ficando tenso, assentiu e saiu. Os olhos por trás dos óculos tremiam devido ao tom de voz do Lorde.
“Lorde Ahin.”
Evelyn, entrando no quarto, se aproximou.
“Como ordenado, arrumei um posto na mansão para o senhor gorila. Pelo menos por um tempo, poderemos mantê-lo por perto-”
Ahin interrompeu Evelyn ao colocar o dedo indicador na frente da boca. Um clima de tensão fez as costas do secretário se arrepiarem. Enquanto Evelyn colocava a mão na sua espada embainhada, Ahin colou a orelha na porta do quarto.
Do outro lado, escutando que de repente, tudo havia ficado em silêncio, Vivi, que estava com as próprias orelhas coladas do lado oposto da mesma porta, franziu a testa. Nesse instante, Ahin abriu a porta de supetão.
“Se for ficar espionando assim, vou mandar diminuir suas cenouras.”
Assim que a poeira baixou, Ash miou alto. Foi porque Vivi, que estava colada na porta, havia caído no chão quando ela abriu.
“Melhor planejar melhor da próxima.”
Ahin sorriu após confirmar que ela havia se erguido, montado em Ash e saído em disparada para fora do quarto. Apesar de ela ser tão pequena, ele não podia baixar a guarda nem por um minuto.
“Lorde, não tem chances de ganhar, melhor se render.”
“Evelyn, você está do lado de quem?”
“Sou o leal servo do Lorde Ahin, claro.”
“Está mais para cachorro leal.”
“Por favor, não me compare com um cachorro.”
Evelyn, que tinha passado por maus bocados nos últimos dias, ficou com mais dificuldade de controlar as emoções que de costume.
“Lorde Ahin, me diga. A razão pela qual me proibiu de entrar naquela casa, e a mulher que carregava nos braços naquele dia…Quem é ela?”
Durante os dois dias nos quais Vivi dormiu, Evelyn passou todo o tempo com Lile, acampado do lado de fora da casa da médica. Eles cortaram lenha do bosque para acender uma fogueira e não congelarem à noite, e usaram os gravetos como varas para pescar e não morrer de fome. Em uma ocasião, tentaram entrar na casa escondido durante a noite, mas foram expulsos por Ash, que os chicoteou com a cauda.
“Não posso te falar.”
“…Por quê?”
“Acho que você já pode imaginar, uma vez que não me perguntou ‘onde está a Senhorita Coelha?’ durante todos esses dias, certo?”
Apesar de Ahin sorrir casualmente, Evelyn derrubou os documentos que segurava no chão.
“Não faça bagunça. Apanhe isso.”
“Sim.”
Evelyn, que apanhou os documentos com calma, como se nunca os tivesse derrubado, pensou sobre a coelha. Além da bela aparência que chamaria a atenção em qualquer lugar, o primeiro problema era que se tratava de uma herbívora, e sua vida estaria em perigo desde que continuasse estimulando o instinto de caça dos predadores.
E o segundo problema era que o lunático chamado Ahin – o mestre deste Evelyn – parecia estar completamente obcecado com a coelha. A percepção se estabilizou e ele engoliu em seco.
“Então está dizendo que aquela mulher era a Senhorita Coelha, que se transformou em humana. É isso?”
Ahin lambeu os lábios.
“Bem, eu chequei e ela não tem a marca, então a transformação foi só temporária.”
Todos os homens-besta, após passarem por sua primeira humanização por cerca dos três anos de idade, obtinham uma pequena marca em forma de flor em sua nuca, que simbolizava essa transformação. Mas Ahin havia checado e o pescoço de Vivi estava liso, sem nenhuma marca.
“Mas então… Ela era uma pessoa vivendo com um corpo de coelho por quase 20 anos… Por que não vamos ao templo perguntar o que fazer?”
“Isso não.”
Após ouvir a recusa imediata de Ahin, Evelyn se lembrou da ocasião na qual Vivi fugiu do templo desesperada.
“Entendo, a Senhorita Coelha era atéia. Mas, o que fará agora, Lorde?”
“Sobre o quê?”
“Não pode mais descrevê-la como seu lanche emergencial. Se perguntarem qual é sua relação com ela, o que dirá?”
Assim como mesmo um relógio quebrado que consegue acertar a hora duas vezes ao dia, Evelyn fez uma rara pergunta pertinente. Ahin se sentou novamente no parapeito da janela e olhou para o céu noturno, respondendo sem emoção.
“Preciso mudar a resposta? O lanche apenas cresceu um pouco, nada mais.”
“Mas ela cresceu demais! Essa desculpa não vai… Não, vai funcionar sim, estou certo que todos irão concordar.”
Se fosse Ahin falando, mesmo que ele insistisse que uma mulher era um coelho, todos os empregados iriam concordar. No entanto, se Ahin saísse por aí com uma mulher solteira, que não era sua noiva… rumores iriam começar, e os anciões da família poderiam querer intervir. Em contraste com a expressão preocupada de Evelyn, Ahin olhava para fora tranquilo.
‘Quando foi que o Lorde me escutou? Nunca na vida…’
Evelyn, tentando apagar sua ansiedade, entregou os documentos que havia apanhado do chão.
“Oh, é um documento sobre a aliança. Eu não sabia que o Lorde Rune sabia da identidade da Senhorita Coelha e ainda a levou daquela casa.”
“Não foi nada demais.”
“Lorde Ahin, deve ter levado em conta a necessidade de evitar fricções entre os dois clãs. Este Evelyn está agradecido por sua sabedoria.”
Ahin, pegando o documento, assentiu. Evelyn, percebendo que ele parecia generoso, continuou.
“Mas, noite passada, escutei que assassinos atacaram o Lorde Rune. Felizmente, ele não se feriu.”
“Puxa, que horror.”
“Por acaso foi o senhor que contratou os assassinos, meu Lorde?”
Somente o som dos papéis se movendo encheu o quarto silencioso. A falta de resposta de Ahin era uma resposta em si. Evelyn deu um passo para trás e vagamente pensou que queria entregar uma carta de demissão.
***
Após me preparar para dormir como sempre fazia, Meimi saiu do quarto de Ahin para levar Ash para passar a noite no quarto de Evelyn. Fiquei um pouco surpresa pelo fato de que Meimi, que normalmente não tinha mais contato que o estritamente necessário, passou um longo tempo penteando meu rabo de pompom, para deixá-lo bem arrumado. Talvez tenha sido porque passei mais de uma semana fora? Meimi havia terminado a tarefa e saído do quarto com a mesma cara inexpressiva de sempre.
Olhei ao redor do quarto de Ahin, que agora me parecia um lugar seguro, e dei um pequeno suspiro. Pensar que o território das panteras negras era um lugar seguro significava que eu realmente tinha passado por maus bocados. Andei até a varanda e ao ver algo, corri para debaixo da mesa, confusa.
<Meu Deus!>
Empoleirada no parapeito, estava a águia mensageira que eu tinha visto no Qatar. A vigilância sobre mim tinha aumentado nos últimos dias. Coloquei só a cabeça para fora e lancei um olhar assassino para o animal. Quando tinha saído para caminhar pela mansão mais cedo, também tinha visto várias águias voando pelo céu acima da mansão.
<Essas águias…>
Na minha visão, águias eram animais que voavam alto para em seguida mergulhar abruptamente e capturar coelhos para comer, então eu me escondia nos pés de Meimi toda vez que via uma.
No meio da minha guerra de olhares com a águia, ouvi o som da porta do banheiro abrindo.
“Vivi?”
Tive o instinto de fugir quando ouvi Ahin me chamar, mas hesitei. À medida que passavam os dias desde que percebi que ele queria me usar, mais eu notava que ele pensava em mim como um capacho que sempre viria alegremente quando ele me chamasse.
“Vivi, onde está?”
Debaixo da mesa, me vi com uma escolha difícil. Queria pensar em uma maneira de corrigir essa impressão dele. Talvez ele parasse de se achar tanto se eu não demonstrasse medo dele.
“Vou fazer filé de coelho pro jantar.”
Droga. Três segundos depois, o plano virou pó. Olhando para as costas de Ahin, que procurava pelo quarto, tremi em silêncio.
<Pantera negra maldosa…>
Enterrei a cara nas patas dianteiras de vergonha.
“Você tem esse hábito de desaparecer.”
Meu corpo foi erguido no ar e logo colocado na cama macia. Quanto tirei o rosto das patas, vi Ahin, sentado ao meu lado, e congelei.
Além de estar com o roupão aberto, amarrado abaixo do umbigo, o cabelo dele estava molhado, pingando água no lençol branco.
<Apesar de eu ser uma coelha, ele deveria tomar mais cuidado…!>
Mesmo meses depois, era difícil me acostumar com esse tipo de visão. Cavei rapidamente para entrar embaixo dos travesseiros, evitando olhar para ele. Estava com medo que até mesmo meu pêlo ficasse vermelho de vergonha.
“Para onde vai?”
Infelizmente, ele me agarrou pelas patas traseiras logo antes de eu conseguir me enterrar por completo. Tentei me agarrar no lençol, mas fui puxada.
Ahin estava me olhando com o queixo apoiado sobre a mão. Depois de ver seu corpo, revelado pelo roupão aberto, fechei os olhos com força.
‘Por que ficar me colocando à prova assim!?’
Enquanto recitava a história do Império, ano por ano, em minha cabeça, ouvi a voz de Ahin.
“No que está pensando?”
<Na guerra entre territórios de 300 anos atrás…>
Ele não tinha ideia dos meus esforços! Desesperada, virei de costas para ele.
“Só fomos capazes de conversar um pouco.”
O dedo de Ahin tocou minha orelha, de leve.
“É frustrante que você não possa falar.”
<Eu sinto o mesmo, na verdade.>
Após deixar de ser coelha, percebi o quão conveniente era poder expressar diretamente o que se quer dizer. Enquanto somente imaginava como isso seria, ficava chateada, mas após ter sido capaz de fazê-lo e perder essa habilidade, sentia que era injusto demais.
Deitei na cama, fingindo que tinha dormido. Mas pouco depois, a mão de Ahin me rolou como uma pedra, e fui forçada a virar. Ele estava perto, e dava para ver todos os detalhes. Ahin, me segurando, falou sorrindo.
“Se eu usar meus feromônios agora, você se humanizaria?”
<Não, não pode fazer isso!>
Surpreendida, me desvencilhei e chacoalhei a cabeça.
“Por quê?”
Toda vez que me transformava, sentia muita dor. A única vez que isso não aconteceu foi quando inalei aquela droga. No entanto, depois, tive um ataque de feromônios. No meio da dor, me humanizei. Em vez de me transformar de novo, deveria buscar pistas sobre como ocorria a transformação a partir de amanhã.
Da última vez que havia sinalizado meu estômago na frente de Valence, ela tinha entendido que eu tinha fome e mandado trazerem feno. Então, dessa vez… Fingi que estava me estrangulando com as patas dianteiras.
“Está com sede?”
Não! Fazendo um X com as patas, mais uma vez fingi que estava sendo estrangulada.
“Sente dor?”
Sim! Sorrindo, fiz um círculo com as patas dianteiras para indicar a resposta correta. Ahin, assistindo com o queixo nas mãos, murmurou.
“Dói muito?”
Perfeito! Quase chorei e aplaudi a performance de Ahin. Mas ao contrário de mim, que estava radiante, a expressão dele não mostrou sinais de alegria.
Tradução: Nopa.
Revisão: Holic.