A Relação simbiótica entre uma lebre e uma pantera negra - Capítulo 38
Meus dedos tremeram. Realmente tinha feromônios de cura. Não parecia real, mas explicava perfeitamente o comportamento de Ahin até agora. Ele havia me trazido para sua casa porque minhas habilidades seriam úteis para ele. Até mesmo o que me ensinou, serviria para aumentar minha utilidade.
“Se Vivi fosse humana, seria complicado.”
Ele não queria que eu me humanizasse porque na forma de coelha seria mais passiva, incapaz de fazer as coisas sozinha. Assim, seria mais fácil me usar. A razão pela qual ele escondia meus feromônios com os dele todo o tempo… era para evitar que outras pessoas descobrissem minhas habilidades. Era a cobiça de uma besta…
“Caaaaawww!”
Após ouvir um grito vindo do céu, olhei pra cima. E ali estava a águia mensageira que eu tinha visto mais cedo nocauteada por Rune. A águia de Ahin.
“Então, ele finalmente te encontrou.”
Rune, olhando para o céu também, murmurou insatisfeito.
“Como pensei, Grace não ficaria apenas sentado esperando.”
Em um instante, empurrei Rune, que me carregava, e voltei a pisar no chão. Então, comecei a correr, rápida como o vento. Ou é o que eu gostaria, mas na verdade estava tão lenta como uma tartaruga. Rune me acompanhou sem nenhum esforço.
“Para onde vai?”
“Não me siga!”
“Se ficar parada, Ahin Grace chegará aqui em breve.”
“Falei para não me seguir!!”
Ele parou, com uma cara chocada, chacoalhando a cabeça. Entrei de novo no restaurante, refletindo sobre o ditado “aquele que é perseguido, ao menos nunca estará sozinho.”
Subindo as escadas, cheguei ao andar mais alto do restaurante, que não tinha telhado e servia como comedor ao ar livre. Não tinha muito tempo. Já que tinha usado meus feromônios para curar Rune, voltaria a ser coelha a qualquer momento. Sentindo uma grande agonia, acenei para a águia.
“Aqui!!”
Não esperava que chegaria o dia no qual, em vez de fugir de uma ave de rapina, eu iria querer que ela me avistasse. Levantei o braço.
“Aqui, águia!”
Mas a águia, que me viu e voou um pouco mais perto, de repente deu meia volta e foi embora.
‘Que grosso, o que há de errado com ele!?’
Por acaso o animal seguia a personalidade do dono? Fiquei olhando para o céu, atônita, até que ouvi uma voz familiar lá de baixo.
“Vivi.”
Meu coração afundou, e me aproximei do parapeito. Lá embaixo, brilhante como sempre, estava Ahin, olhando para cima.
“A boina combinou com você.”
Ele falou palavras elogiosas, mas seus olhos não estavam sorrindo e ele parecia estar de mau humor.
“Estive te procurando o dia inteiro.”
Como para provar isso, o cabelo prateado estava todo desalinhado. Apertei o parapeito, que segurava com as mãos. Usando uma roupa prateada nova com uma jaqueta azul escura, ele parecia mais distante que o normal.
“Gostou de sua terceira escapada com esse leão?”
Besta assustadora, ele estava contando nos dedos. Percebi que a maneira dele falar, que no início me pareceu tão bizarra, agora parecia normal. O que eu queria dizer era ‘se ao menos o tempo que você passou comigo não tivesse sido porque pretendia me usar, e sim por simplesmente estar entediado, seria muito melhor….’
Com as mãos no parapeito, fiquei olhando para o chão. Quando visse Ahin, pensei que sentiria raiva e revolta, agora que havia percebido tudo. Não entendia meus próprios sentimentos de alívio ao reencontrá-lo.
“Por que você me procurou?”
Sem querer, acabei fazendo essa pergunta.
“…Você sabe que eu ia voltar de qualquer modo.”
Ele sabia que ali era o único lugar que eu tinha para retornar. Mesmo nessa situação, não tinha opção a não ser depender dele. Os olhos vermelhos de Ahin se arregalaram, e depois voltaram ao normal. Após um momento de silêncio, ele falou com uma voz gentil.
“Eu pensei que Vivi estaria assustada. Me enganei?”
“…Não sou tão covarde para ficar assustada só por ficar umas horas longe de você.”
“Tem certeza? Acho que você é a única que pensa isso.”
Não podendo falar nada, apertei os lábios. Na verdade, minha consciência doeu por quando eu havia chamado Restin de covarde pouco tempo atrás. O rosto chocado dele passou por minha mente.
“Vamos voltar.”
Ahin, falando as mesmas palavras que eu havia escrito na palma de sua mão dentro do armário, estirou os braços. De algum modo, senti que ia chorar e apertei os punhos.
“…Para onde?”
“Para casa.”
O rosto dele estava tingido pelo pôr-do-sol.
“Pule, eu te pego.”
“Ahin, sabe de uma coisa?”
“O quê?”
Se eu falasse que ia virar coelha a qualquer momento, ele poderia descobrir que eu já tinha desvendado como meus feromônios funcionavam e que, portanto, já sabia do segredo.
“…Não, não é nada.”
Ele não queria que eu me mantivesse na forma humana tanto quanto eu desesperadamente queria ser humana. Enquanto eu hesitava, o sorriso de Ahin se aprofundou.
“Então, está com medo de pular?”
“Quê!?”
Quem ele pensava que eu era!? Bufando, passei uma perna pelo parapeito.
‘Bem…’
Era mais alto do que eu tinha pensado. Quando coloquei as duas pernas pra fora, meu corpo começou a tremer todo. Senti calafrios.
“Vai pular agora? Por que não grita enquanto isso?”
“…Por quê?”
“Pensei que seria engraçado.”
Preferiria descer pelas escadas do que ser objeto do riso dessa besta. Sempre gostei de escadas. Tentei passar pro lado de dentro do parapeito outra vez, após ter mudado de ideia, mas perdi o equilíbrio.
“Ah!”
Nesse momento, uma luz forte me ofuscou e o mundo virou de cabeça pra baixo. Os braços estirados de Ahin pareciam cada vez mais próximos. E poof. De repente, estava na mão de Ahin, girando a cabeça. A boina, que agora era grande o bastante para cobrir meu corpo de coelha por completo, foi removida, e vi o rosto de Ahin.
“Da próxima vez, me avise com antecedência antes de se transformar.”
E então sorrindo, ele me falou.
“Oi.”
<Oi.>
Estirei minha pata dianteira e cumprimentei a mão enorme.
***
Sentada no sofá de seu escritório na mansão Grace, Valence bebia um chá preto amargo. Só fazia uma semana, mas ela se sentia vazia sem nenhuma coelha bebê andando pela casa. Ela já tinha se acostumado à rotina de recebê-la todas as manhãs para um chá, enquanto a penteava até seu pelo brilhar.
Talvez tenha sido por ela ter ficado por meses na mansão, mas Valence não era a única. Meimi, que costumava atendê-la todos os dias, o dia todo, tinha desenvolvido o hábito de ficar olhando para um rascunho que ela mesma tinha feito da coelha lendo um livro.
“Onde está Ahin? Está chovendo, ele vai se resfriar lá fora!”
O avô de Ahin, Lillian, colocou sua xícara no pires com irritação.
“Ele foi visitar a região de Qatar.”
Valence falou, olhando pela janela.
“Ele já enviou uma carta dizendo que está retornando, então no máximo, amanhã de manhã deve chegar. Enquanto isso, meu sogro veio nos visitar sem se incomodar de mandar uma única carta antes.”
“Ah, tsk. De qualquer modo, o menino leão que encontrei no meio do caminho mandou um oi.”
“Está falando de Rune?”
“Sim. Parece que foi ontem que ele estava tendo sua primeira briga de socos com Ahin, mas agora já está todo crescido. Ele sempre foi tão alto?”
Lillian, apontando para o ar acima de sua própria cabeça, perguntou. Mesmo após terem tido suas cerimônias de maioria de idade, Lillian ainda olhava para Ahin e Rune como se fossem bebês.
“Mas ele ainda parece um preguiçoso. De qualquer modo, vou ficar morando aqui por uns tempos.”
“Já mandei eles prepararem um quarto para você, sogro.”
Desde que Ahin tinha nascido, Lillian visitava a mansão com frequência. Também estava na época de férias da academia, então ela já tinha previsto que ele iria aparecer.
“Também mandei trazerem as maçãs do territórios das lebres que você tanto gosta.”
No rosto carrancudo de Lillian surgiu um sorriso.
“Sempre gostei de você. Como foi terminar casando com um cara como meu filho? Melhor largá-lo.”
“Bem, ele é um bom marido. Só foi um problema para Ahin porque o pai dele foi muito mole em sua criação.”
“Não precisa cobrir por ele. Só de pensar que um vagabundo desses é esposo da líder do clã, fico com raiva.”
Lillian continuou falando mal do filho por vários minutos. Valence, com um leve sorriso no rosto, ficou calada. Apesar dos cabelos brancos, o rosto de seu sogro não havia mudado nada com o passar dos anos.
“Está difícil ser o reitor da academia?”
“Cada dia inventam algo novo, ao ponto que acho que fazem de propósito para me matar. Vou renunciar.”
Lillian parecia nervoso, massageando as têmporas. Após reclamar da academia por um longo tempo, ele voltou a tomar chá.
“E quanto a casamento…?”
“Oh, céus, sogro, Ahin ainda não pensa nisso.”
“Oh…”
Valence tomou um gole do chá, que já tinha esfriado. Os cílios longos lançaram uma sombra sobre os olhos vermelhos.
“Ele nunca falou nisso. Está prestando atenção em outros assuntos.”
“Isso também pode ser um problema. O relógio não para. De quem ele puxou essa personalidade tão relaxada?”
“Na verdade, muitos dizem que ele é igualzinho ao avô.”
Lillian, cujos olhos tremeram, tossiu para disfarçar.
“Tsk, ser relaxado não quer dizer que não se tem preocupações. De qualquer modo, quero ver meus bisnetos antes de morrer de velhice.”
“Bem, se fala de cartas com propostas de casamento, já recebemos várias.”
“Ele não só é a cara do avô, mas também herdou sua popularidade. Oh, sou um pecador~”
Aos lamentos que seguiram, Valence deu um sorriso vazio.
“…Ainda não encontraram uma maneira de evitar os ataques de feromônio?”
“Ainda não.”
Valence respondeu batendo com o dedo no braço da cadeira. Uma bebê coelha com feromônios misteriosos passou por sua cabeça. Quando sentia os feromônios dela, ficava mais calma…
“A propósito, o que há com esse rumor ridículo?”
A pergunta abrupta de Lillian chamou a atenção de Valence.
“Do que está falando?”
“De que Ahin foi pra um baile levando um coelho como acompanhante.”
Imaginando que era uma invenção para tentar diminuir a influência da família Grace, Lillian riu. Apesar de Ahin ser um pouco peculiar, os fofoqueiros tinham exagerado para chegar nesse ponto. Valence, o encarando, sorriu também.
“É tudo verdade. Estivemos bem ocupados ultimamente. Mandei fazerem roupinhas tamanho coelho… Ah, falando nisso, está na hora de fazer um novo pedido de feno importado.”
Valence, cobrindo a boca, tocou o sino que chamava os criados, e passou a discutir com o mordomo qual seria melhor, o feno do território dos cavalos ou dos cervos. Quando a conversa passou a ser sobre reformar o jardim para acrescentar habitats que fossem mais acolhedores para coelhos, Lillian derrubou a xícara no chão.
Tradução: Nopa.
Revisão: Holic.