A Relação simbiótica entre uma lebre e uma pantera negra - Capítulo 37
Ahin, que tinha acabado de voltar após fazer preparativos para retornar à mansão Grace, ficou boquiaberto perante a cena que encontrou.
A médica estava desmaiada na porta de entrada, assim como Evelyn e a águia mensageira que ele havia ordenado que vigiasse Vivi. Lile estava amarrado, sentado no meio no quintal, chorando lágrimas tão grandes como cocôs de galinha.
E, o mais importante de tudo, ele podia sentir os feromônios de Rune Manionz presentes, ainda que de leve. Ele havia ficado naquela cadeira ao lado da cama de Vivi por dois dias, e essa tragédia aconteceu quando ele tinha saído por apenas uma hora. Era uma situação na qual parecia que Rune estava determinado, já que tinha derrotado até mesmo Evelyn.
Um confronto explícito entre os dois poderia virar uma guerra entre territórios, então Rune devia ter escolhido um caminho indireto. Como Ahin havia deixado para trás Rune, que estava preso na forma de leão, no prédio abandonado, ele imaginou que o outro teria ficado ressentido. E o método que havia escolhido para se vingar havia acertado em cheio.
“O leão deve ter deixado alguma mensagem.”
Ahin sorriu olhando para Lile, a única pessoa acordada.
“B-bem…”
Uma marca de pegada estava impressa na cara de Lile, que aparentemente tinha levado um pisão antes de desmaiar e acordar novamente. Ahin, olhando o gorila chorão, esperou com calma.
“E-ele… ele queria levar a coelhinha…”
“Continue.”
“Mas como ela não estava, em vez disso… disse que ia levar a coelha grande.”
“Isso é tudo?”
“Tem mais… ele falou… vá…”
“Vá…?”
“Vá pro inferno…”
***
Ao contrário do cenário noturno, com as lamparinas vermelhas, a atmosfera de Qatar durante o dia estava animada. Sentada em um sofá dentro de uma loja de roupas, eu olhei ao redor, ansiosa.
“Por que está agindo assim? Parece que é a sua primeira vez numa loja de roupas.”
Rune, sentado despreocupadamente no sofá em frente ao meu, perguntou.
‘É porque essa é a primeira vez.’
As únicas roupas que usei na vida até hoje foram meu pêlo e essa camisola. Nunca tinha tido uma roupa antes.
“Por que estamos aqui?”
“Você não pode sair andando por aí de camisola.”
Era tudo culpa dele. A barra da camisola estava suja de lama. O encarei com ódio.
‘Como ele ousa…’
“Não me olhe assim. Não pude evitar o que aconteceu com aquela pantera negra selvagem. Se eu deixasse, ela ia arrancar meu braço.”
Depois de uma luta intensa, Rune havia nocauteado Ash e me carregado sobre o ombro, enquanto eu gritava e chutava.
“Como não vejo a coelhinha, vou levar essa coelha grande aqui.~”
Ele tinha dito, enquanto se afastava da casa. Devia ser a vingança dele pelo que Ahin fez no prédio abandonado.
Mas por que trazer uma coelha para o meio de uma briga entre dois predadores? Quanto mais eu pensava, mais me sentia injustiçada, assim como Rune tinha se sentido em relação a Ahin. Me afundei no sofá e olhei para a rua através da vitrine da loja de roupas. Eu ainda não conseguia andar direito, então não tinha a possibilidade de fugir. Enquanto era carregada para cá, me esforcei para memorizar o caminho, mas não sabia se conseguiria voltar para aquela casa em segurança. No meio do meu nervosismo, me foquei no cabelo rosa de Rune. Me endireitei no assento e pedi.
“Me mande de volta para a casa da médica. “
“…”
“Por favor.”
“Te levarei de volta quando escurecer. A essa altura, Grace já deve ter infartado de raiva.”
Rune falou, rindo como um vilão. Então era esse o plano dele.
“Ahin não vai vir me procurar.”
“Bem, será mesmo?”
Virando a cabeça, olhei para Rune, que parecia despreocupado. Enquanto seus olhos e tom de voz eram tão intimidadores quanto os de Ahin, ele não parecia tão mau assim. Na noite do baile, quando ele me viu na forma humana, tentei me esconder dele, e quando ele virou leão, fugi por instinto. Mas ele continuava me seguindo. No caminho para cá, ele teve consideração de me carregar numa posição que não me trouxesse desconforto. Me perguntava se Ahin tinha percebido a natureza gentil de Rune. Balançando os joelhos, falei numa voz calma.
“…Provavelmente, ele só vai ficar esperando que eu volte.”
“Bem, fazer isso seria bem a cara dele.”
Rune não negou o que eu falei.
“Mas provavelmente vai ficar chateado. Você acabou de ter sua identidade como mulher-besta exposta. E agora, por uma coisa que ele fez, está passando por um estresse…”
Os olhos dele pousaram no meu pescoço, onde ainda podia se ver a marca de mordida. Rapidamente, usei o cabelo para tapá-la.
“E é por isso que… Não acha que está tudo bem se ele se ferrar um pouco?”
É claro, eu concordava que ele merecia isso um pouco, mas estava ficando nervosa. Quanto mais tempo ele passava comigo, mais perguntas fazia Rune. Ele estava observando meu comportamento desajeitado. Me perguntou porque minhas pernas tremiam quando me viu tentando andar. Era impossível responder sem revelar toda minha história de vida.
“Deixou o cabelo crescer tanto assim para se esconder atrás dele?”
Ele perguntou, vendo eu me enrolar nas mechas para escapar do olhar dele. Eu não tinha ideia sobre o que ele estava pensando por trás dos olhos de peixe morto. Comecei a roer as unhas. Ainda estava nervosa sobre ficar na forma humana, mas e se eu tivesse um ataque de feromônios e voltasse a ser coelha estando longe de Ahin…?
‘E se algum cachorro selvagem me encontrar na rua…!’
Comecei a me sentir enjoada só de imaginar e segurei a barriga. Talvez se eu fingisse que estava passando mal, ele me levasse de volta mais rápido?
“Ughh…”
Gemendo como se fosse morrer, me joguei deitada no sofá.
“Posso ver que seus olhos estão abertos. E quem desmaia com uma expressão tão serena? Você é péssima atriz.”
“…Predador maldoso.”
“Eu estou escutando.”
Fechei a boca e me sentei, constrangida. Nessas horas, tinha que manter a calma.
***
Após sair da loja de roupas, Rune me carregou até um restaurante luxuoso. Após ser colocada sentada numa cadeira, respirei fundo e olhei ao meu redor.
‘…O que está acontecendo?’
A toalha de mesa era macia e brilhante, e a mesa em si tinha tanta comida que parecia que ia desabar. Tantas coisas estavam acontecendo pela primeira vez em um único dia que fiquei com falta de ar.
Para acrescentar, uma blusa de cetim, calças quadriculadas e meias brancas com sapatos pretos. Era minha primeira vez usando roupas de verdade, mexi nervosa na fita em torno do meu colarinho e no chapéu sobre minha cabeça.
“Lorde Rune… O que aconteceu com seu cabelo??”
O queixo de Restin, que estava sentado do outro lado da mesa, desabou.
“Ah, é um novo penteado que está na moda esses dias.”
“A moda é parecer que foi atingido por um tufão?!”
O cabelo de Rune, que normalmente era ondulado, estava uma bagunça. Provavelmente foi porque eu o puxei bastante na casa da médica. Percebi que o canto da boca dele também estava cortado. Me senti culpada.
“Essa é a tal coelha que tem cheiro de pão assado?”
Restin perguntou, trêmulo, a Rune.
‘Que história de pão é essa?’
“Ela também tem cheiro de manteiga.”
“A única coisa que posso sentir são os feromônios do Lorde Ahin.”
“Grace deve ter coberto ela com o cheiro dele de propósito.”
“Acho que sim…”
Um silêncio seguiu. Então, de repente, Restin parecia que ia desmaiar.
“Ela… é aquela…!? Ela era uma mulher-besta?”
O dedo dele estava apontando para mim.
“Espera… O tempo todo ela era uma mulher-besta?”
“Restin, não precisa perguntar a mesma coisa duas vezes. E você demorou demais pra entender.”
“Não acredito, como ela pode ser uma mulher-besta, ainda por cima adulta?! E ela tinha a forma de um coelho bebê, também!!”
Quanto mais ele falava, mais eu entendia a personalidade do secretário de Rune. Ele era muito rude, falando assim de uma pessoa que estava bem na sua frente. Eu empurrei o dedo de Restin, que continuava apontando para mim.
“Ei, não me toque!”
Surpresa com o grito dele, retirei minha mão. O que diabos eu tinha feito? Restin parecia ter uma impressão terrível de mim, desde o princípio.
“Ignore ele, só é tímido. Vamos comer.”
Rune gesticulou para a comida que estava à nossa frente. Cozidos, carnes e saladas. Me senti afobada porque nunca tinha comido nada daquilo. E tinha observado os outros, mas não sabia se conseguiria ter boas maneiras à mesa. Era mais uma coisa que eu podia fazer errado e gerar mais perguntas.
“Não vai comer? Se está preocupada por ter inalado a droga, foi uma quantidade pequena, então pode comer sem preocupação.”
Não era nada disso. Eu chacoalhei a cabeça. E olhei pela janela. O sol já estava se pondo e o céu estava vermelho. E se eu voltasse para a casa e não tivesse mais ninguém ali? Por causa desse pensamento, continuava olhando pra fora por mais que tentasse me acalmar.
‘Quero voltar…’
Fechei a boca e olhei para os meus sapatos pretos. Nesse momento, sem precisar da ajuda de ninguém, poderia abrir a porta, e poderia me mover. Tinha dois braços e duas pernas que podiam me levar para onde eu quisesse. Saindo da casa até uma loja de roupas, e agora, um restaurante, eu tinha visto tudo com meus próprios olhos. Me levantei e olhei para Rune.
“Rune, eu vou voltar.”
“Que grosseria, chamando o Lorde sem usar honoríficos…!”
Usando minha coragem, bati na mesa com força. Os ombros de Restin se encolheram. Então falei em voz baixa.
“Covarde.”
“O-o quê!??”
Com medo das consequências, eu girei e me dirigi até a saída. Andava como um bezerro recém nascido. O garçom segurou a porta aberta para mim. Quando saí do restaurante, as ruas estavam já iluminadas pelas lamparinas vermelhas novamente. Parei no meio do caminho.
‘Aqui viramos à direita… e aqui…’
De repente, meu corpo foi erguido e meus pés deixaram o chão.
“Eu te levo.”
Rune, que estava me carregando, tinha a mesma expressão neutra de sempre. Mas os olhos dourados tinham um brilho gentil.
“Está brava? Perdão por te trazer aqui contra sua vontade.”
Se ele não tivesse pedido desculpas, ia puxar o cabelo dele outra vez. Mas não tive coragem e só o olhei rapidamente.
“Mas sério, porque você anda como pato? Tem algum problema nas pernas?”
Ele perguntou, mas eu não respondi nada. A razão foi porque senti que, sem perceber, estava liberando feromônios. O machucado na boca de Rune foi gradualmente desaparecendo. À medida que as ondas de feromônios o atingiram, todos os pequenos machucados se curaram e ele ficou intacto.
“…Algo está estranho, você está usando feromônios?”
Rune, que não tinha entendido como seus ferimentos estavam sendo curados, perguntou.
“Por que não fala nada?”
Quando, sem perceber, levei meu polegar até a boca de Rune, ele parou de falar. Os olhos dourados estavam arregalados, mas ele não parecia que ia morder minha mão.
‘Então eu realmente tenho poderes curativos…’
Quando retirei o dedo, o machucado debaixo tinha sumido por completo. Uma pequena mancha de sangue tinha ficado em meu dedo, mas a pele dele estava intacta.
Somente então percebi que ele estava me encarando com os olhos arregalados e o rosto vermelho.
Tradução: Nopa.
Revisão: Holic.