A Relação simbiótica entre uma lebre e uma pantera negra - Capítulo 36
Ahin agarrou Ash pelos bigodes. Após puxá-los ao máximo, os soltou de uma só vez.
“Você sabia de tudo, sobre como ela se transformava em humana, verdade?”
Ash não entendia o que ele estava falando, mas, sentindo a tensão no ar, ela pulou em cima da cama. Parecia que, ao ouvir a voz brava de Ahin, ela tinha ficado ainda mais rebelde. Ash, que se acomodou ao lado de Vivi como se fosse uma gata, empurrou Ahin com a cauda. Ele foi movido e sentado de volta na cadeira.
Encostado no assento e olhando para o teto, Ahin lambeu os lábios. O momento no qual Vivi tinha olhado para ele com um olhar desesperado tinha sido mais satisfatório do que ele tinha imaginado.
“Ash.”
Ash abriu apenas um olho, parecendo totalmente desinteressada nele. Vendo isso, ele deu um sorriso seco.
“Eu nunca vi uma coelha tão estranha quanto a Vivi.”
Surpresa, Ash segurou o lençol com a boca e cobriu Vivi completamente, escondendo-a de Ahin. Vivi, com o cobertor tapando sua cabeça, fez sons como se não conseguisse respirar, mas continuou dormindo.
Por trás do riso de Ahin, ele se sentia com uma aura escura. Era uma sensação de um predador.
***
Eu sonhei. Uma memória tênue de quando era criança. Minha mãe estava sorrindo, dizendo que eu tinha feromônios incríveis. Ela me segurava nas mãos e dizia:
“Vivi, meu bebê. Você será uma criança amada por todos. Se apresse e se humanize.”
Quando minha mãe rodopiou, me levantando alto, eu me senti muito feliz em ver seu rosto sorridente lá de cima.
<Mal posso esperar para virar humana, mãe.>
Estirando a pata dianteira para ela, eu sorri, ansiosa pela transformação que aconteceria um dia.
Quando abri os olhos, enxerguei algo branco em minha visão enevoada. Piscando devagar, eu respirei fundo. Certamente tinha voltado a forma de coelha a essa altura.
Fiquei desapontada. Não queria ser jogada fora de novo… Queria viver minha própria vida…. Abri bem os olhos e chutei um lençol branco que cobria meu corpo inteiro. Só queria ser humana…!
“Ah…!”
Então percebi que o que eu tinha enxergado era o lençol, que cobria minha cabeça. Olhando para baixo, enxerguei uma camisola desconhecida. E dedos dos pés saindo pela barra desta.
“Pés…”
Cinco dedos se mexeram quando eu os comandei. Mechas de cabelo branco rodeavam minha visão. Depois de tocar nos meus olhos, nariz e boca, resolvi sair da cama na velocidade da luz.
“Calma, Vivi.”
Precisava ir devagar. Primeiro botaria uma perna no chão, e colocaria peso nela devagar… Eu era a mulher-besta que sobreviveu nas sombras do território das panteras negras apenas graças ao meu julgamento rápido e esperteza. Iria conseguir resolver isso!
Inquieta e sem coragem de tentar andar, fiquei tocando a minha cabeça. Não acreditava que minhas orelhas estavam nas laterais da minha cabeça. Claramente, era um corpo humano.
‘Por que ainda não voltei….?’
Enquanto remexia meus braços e pernas por muito tempo, uma porta se abriu e a médica apareceu.
“Não é bom se alongar tão bruscamente logo após acordar. Além disso, você dormiu por dois dias.”
Dois dias!??
“Sente dor em algum lugar?”
Ela se aproximou com um sorriso gentil.
“Oh, o seu acompanhante saiu ainda pouco. Ele foi comprar roupas para você. Não pode ficar de camisola o tempo todo, certo? Tem uma loja aqui perto, então ele deve voltar logo.”
Os olhos pretos dela eram gentis, e ela se apresentou como uma mulher-besta capivara e uma médica competente.
Como ainda não conseguia andar direito em duas pernas, ela me ajudou a ir até o banheiro, a me lavar e me deu uma comida que não era feno, a qual eu comi pela primeira vez na vida. Aquela sopa era tão deliciosa que me perguntei se poderia voltar ao feno.
“Suas pernas ainda não tem força? Talvez seja melhor ver um especialista…”
A médica, escovando meu cabelo, perguntou ansiosa. Sentada na cama , eu remexi os pés.
“Eu só devo estar cansada…”
O cansaço era só uma desculpa. Eu deveria ter sido capaz de andar… Como coelha eu sempre fui bem rápida. Suspirando internamente, eu olhei para a médica com o canto do olho. Só então percebi que ela deveria ter uma idade próxima a da Senhora Valence, só que havia um detalhe…
‘Ela não os tem.’
Quando ela sorria, não haviam caninos afiados, únicos dos predadores. O corpo dela também era mais arredondado, semelhante ao meu. Era a primeira vez que eu via um homem-besta herbívoro que não fosse do clã das lebres, e senti um forte senso de camaradagem. Todo herbívoro basicamente tinha o instinto de sentir medo e hostilidade em relação aos predadores. Como ela sobreviveu no Qatar, onde havia predadores de várias espécies?
Além do mais, ela não me parecia uma plebeia. Ela tinha um certo tom aristocrático, apesar de meio disfarçado. Sentada na cadeira, ela parecia a senhora de uma mansão, e não uma médica numa pequena casa.
“Bateram na minha porta no meio da noite, e me perguntei quem era… com essa questão das drogas e tudo mais. Mas nunca esperava uma pantera negra. E ainda por cima um maluco.”
Descobri que as capivaras eram muito amigáveis e falantes. Sem me dar tempo pra responder, ela continuou falando.
“Esses predadores carregam uma ferocidade dentro de si. É como se sempre buscassem conflito, ao contrário de nós, que buscamos conforto. Eles são cruéis e violentos. É sua natureza.”
Assenti para ela.
“Para começar, a maneira de pensar desses predadores é estranha. Para simplificar, é assim.”
Ela fez círculos com o indicador em torno da cabeça, como se dissesse “eles são todos completamente loucos.” Eu não pude discordar de nada, então assenti, séria.
“Você está totalmente correta.”
“Não estou? Os felinos são todos desse jeito. Ah, mas apreciaria se pudesse manter em segredo que eu falei isso. Eles são assustadores.”
Ela tinha falado mal deles, mas era uma herbívora com tolerância maior aos perigos. Ainda assim, devia ter se sentido relutante, inclusive pela espada que Ahin sempre carregava. A médica se levantou da cadeira, dizendo que estava na hora de se encontrar com o vendedor de ervas medicinais que passava de porta em porta.
“Ele é um homem ocupado, então se não abro, ele vai embora em segundos.”
Deixada sozinha, eu chequei o estado dos feromônios em meu corpo. Julgando pelo fato que estavam calmos como um lago, talvez os feromônios de Ahin tenham mesmo funcionado. Logo antes de adormecer, eu estava me sentindo muito conflitada. Sem perceber, toquei nos meus lábios… e logo em seguida me atirei no travesseiro.
“Devo estar louca…!”
Teria sido melhor que ele tivesse me mordido no pescoço… Aquele predador maldoso não tinha ideia do que estava passando pela minha cabeça. Chutando e socando na cama, me sentei, toda descabelada. Ia me enterrar no travesseiro como fazia como coelha, mas com esse corpo enorme, acabaria só com a cabeça escondida e a bunda pra fora. Se alguém entrasse, iria rir de mim.
Forçada a admitir isso, chacoalhei a cabeça para eliminar os pensamentos impuros. Tinha que lidar com a questão dos poderes dos feromônios primeiro. Se os de Ahin possuíam poderes de dominação, então os meus tinham poderes de cura. Precisava verificar isso. Meus punhos cerrados tremeram. Se eu tentasse usar meus feromônios, tinha medo de voltar a forma de coelha, ou ter outro ataque. Fiquei parada, só apertando e soltando os punhos. De repente, ouvi um ruído vindo da janela.
‘Será um animal selvagem?’
Ficando em pé segurando na parede como suporte, me aproximei da janela. E o segundo som que ouvi era um que eu reconhecia. A janela estava sendo arranhada.
“…Ash?”
Abri as cortinas e Ash estava do lado de fora, parada frente à janela.
“Ash, por que está aí? Alguém te expulsou!?”
Depois de deixá-la entrar, abrindo a janela, nos abraçamos e ela esfregou a cara em minhas bochechas.
“Quanto tempo você ficou lá fora, no frio…?”
Então fui interrompida por uma águia, que caiu nocauteada pela janela, ainda aberta. Eu e Ash ficamos paradas, atônitas, até que um rosto familiar surgiu do lado de fora.
“Ele não está morto, só o fiz dormir.”
“Rune Manionz…!”
“É a segunda vez que te vejo na forma humana.”
Os cabelos cor-de-rosa flutuavam com o vento.
‘Por que esse leão está aqui?’
Quando tentei fechar a janela, apressada, Rune a segurou.
“Espere. Esperei muito por uma oportunidade para me vingar daquele maldito Grace.”
Mas que diabos!? Puxei a janela com toda a força, mas ela não se moveu um centímetro.
“Grrrr….”
Ash, que tinha estado o observando, se lançou contra Rune para mordê-lo.
“Ash!”
Rune, que a evitou com facilidade, estirou a mão como se pretendesse bater também em Ash.
“Não toque nela!!”
Eu pulei em cima dele com tudo, agarrando os seus cabelos, e Rune, que não esperava isso, perdeu o equilíbrio. Então, acabei atravessando a janela e caindo do lado de fora.
“Uggh…”
Quando a poeira baixou, vi que estava próxima ao chão. Mas não sentia dor. Quando abri os olhos, vi os olhos dourados de Rune, arregalados, bem na minha frente. Um momento de silêncio seguiu.
“Com licença, Senhorita Coelha.”
“Sim?”
“Acho que está perto demais.”
Só então eu percebi que Rune tinha se colocado abaixo de mim para me proteger da queda. Tentei me levantar, apressada. Ele grunhiu de dor porque eu ainda estava puxando o cabelo dele. Ah, não. Abri a mão e larguei o cabelo rapidamente.
“Você tinha me dito que não era uma mulher-besta coelha na noite do baile, lembra?”
Ah… As coisas estavam ficando cada vez mais complicadas… Era melhor eu me calar. Enquanto tampava a boca com as mãos, ouvi um grito vindo do quintal.
“Aaah!”
Era a voz de Lile, o homem-besta cavalo que tinha nos trazido.
“Senhor Evelyn! Acorde, por favor!”
Rune, que também ouviu o grito, fez “tsk” com a língua.
“Tinha mais um rato escondido.”
“Não me diga que… Quem nocauteou Evelyn…!”
“Já falei, eles não estão mortos.”
Não sabia os detalhes, mas fiquei assustada porque a situação parecia estar piorando. Não importava o quão odioso fosse Evelyn, me preocupei com ele, pois era mais próximo de mim que Rune.
‘Seu malvado!’
Agarrei novamente o cabelo de Rune.
“Ai, isso dói…!”
“O que você fez com o Evelyn!?”
Ash, que saiu da casa, também começou a bater nele com a cauda, causando um alvoroço.
“…Coelhinha…”
O que há com esse novo apelido!? Me virei para trás enquanto batia em Rune, e vi Lile, que estava ali de pé, chorando.
Tradução: Nopa.
Revisão: Holic.