A Relação simbiótica entre uma lebre e uma pantera negra - Capítulo 34
Rune, que saiu de um beco escuro, esfregou as têmporas. Estava aliviado por finalmente ter voltado a ser humano com o passar do tempo, mas ainda sentia vergonha e raiva circulando por todo seu corpo.
Ele, que nunca saia de casa sem estar vestido com elegância, estava usando uma roupa amassada que havia sido recolhida do chão. Ele teria sido tachado como o pervertido do século ao sair por aí nu, se não fosse por Restin, que apareceu carregando as tais roupas.
“Aquele pantera maldito…”
Ahin Grace. Ele repetia o nome com um olhar de ódio. Graças ao seu último golpe emocional, um gosto amargo estava em sua boca.
“Lorde Rune, como conseguiu voltar à forma humana?”
“Por puro espírito de luta e pela força do ódio.”
Restin deu um passo para trás. Rune, que tirou sua gravata e a colocou no bolso, murmurou lentamente.
“É o tipo de droga que força os feromônios a se ativarem. É por isso que meus feromônios começaram a emitir uma defesa para repelir a droga. ”
“Esse tipo de…!”
“Drogas a parte, aquela coelha …”
“Está falando sobre o animal de estimação do Lorde Ahin?”
“Hmm, às vezes ela emite um cheiro estranho.”
Deveria dizer que era um cheiro doce, que atraía? Especialmente depois que ela havia ingerido a droga, o cheiro ficou mais forte instantaneamente.
“Os coelhos são animais que vivem no mato, então acho que eles não exalam um cheiro muito forte, meu Lorde”.
“Não, não foi isso que eu quis dizer. O cheiro é como… cheiro de manteiga?”
Rune, que não sabia explicar, lambeu os lábios. Uma coisa era certa: Ahin Grace estava escondendo os feromônios da coelha, a cobrindo com o seu próprio cheiro.
“Ela tem cheiro de pão recém-assado.”
A expressão de Restin ficou séria. Pedindo licença, ele se aproximou e tocou a testa de Rune.
“Não está com febre. Por que, então, está dizendo uma coisa tão estranha como faria o senhor Evelyn? “
“Ei, isso não é demais?”
Rune friamente empurrou Restin pelo ombro. Dando um passo para trás pelo recuo, Restin falou.
“Acho que o Lorde se esqueceu, mas estamos atualmente em paz com a família Grace. Se a aliança cair em vão devido a um atrito com o Lorde Ahin … ”
A irmã mais velha de Rune, a herdeira do clã dos leões e da família Manionz, era astuta e tão brava quanto um touro furioso. Ela tinha sido a pessoa que enviou a delegação do clã dos leões ao território das panteras negras, e se a aliança fosse destruída por motivos ridículos… Restin cobriu o rosto com as mãos.
“Tenho tanto medo dela. Tenho certeza que ela é o tipo de pessoa que dá um tapa primeiro e depois pergunta o que aconteceu. “
“Então, você está com tanto medo de levar um tapa na cara? Você sabe como ela lida com leões tão fracos que ela nem pode usar? “
“Se o Lorde fosse fraco, o prédio não estaria nessa condição.”
Restin apontou para o prédio abandonado. Estava quase em escombros depois de sofrer a raiva de Rune. Sem poder falar nada quanto a isso, Rune mudou de assunto visivelmente.
“De qualquer forma, é minha hipótese, mas a coelha pode ter uma habilidade única.”
“Claro, eu entendo. Ela é a rainha dos coelhos.”
“Como é?”
“Bem, ela é a chefe de todos os coelhos selvagens.”
Rune chacoalhou a cabeça, imaginando Vivi reinando sobre centenas de coelhos em um campo aberto.
“Quem te disse essa coisa maluca?”
“O senhor Evelyn.”
“Basta ignorar tudo que ele diz, porque tudo são absurdos que não valem a pena escutar.”
Rune, ainda maldizendo, se virou na direção oposta do prédio.
“Lorde Rune! Para onde está indo? Precisamos coletar as drogas que restaram no local…!”
“Os cavaleiros de Ahin podem fazer isso. Estou ocupado.”
Sem perder um segundo, Rune começou a correr para algum lugar.
“Preciso encontrar e destruir um certo pantera.”
Alguns segundos depois, o grito que Restin soltou ao entender que Rune falava de Ahin, “Não, Lorde Rune! Por favoooor!” ressoou na noite de Qatar.
***
Meu corpo chacoalhava com o galopar do cavalo. Sentia dor… A dor envolvia todo meu corpo, ao ponto que não conseguia pensar direito. Estava me esforçando ao máximo para não ficar inconsciente.
Percebendo que minha vida podia estar em risco, senti que o mundo era muito injusto. Com um corpo de coelho bebê, como aguentei até hoje? Todos os dias na família Labian, sentia como se estivesse caminhando sobre um gelo fino que poderia rachar a qualquer momento. Tinha que me esconder quando escutava passos, fingir que não estava vendo nada, escutando nada, que não existia.
Às vezes, os criados esqueciam de me alimentar e quase morria de fome. Quando saía, tinha que tomar cuidado com águias e outras aves de rapina, e um pequeno erro cometido por alguém, como derrubar uma xícara de chá ou outro objeto, era uma ameaça que podia até mesmo me matar.
Eventualmente, fui abandonada naquela cesta, e mesmo após chegar numa terra de predadores, fiz o que pude para sobreviver. Então, me transformei em humana e de novo em coelha, e agora sentia tanta dor que parecia que ia morrer.
Talvez eu realmente fosse amaldiçoada e Deus me odiasse. No cúmulo do desespero, nem mesmo conseguia chorar. Sem fôlego, olhei para Ahin com o canto do olho. A imagem dele estava borrada. O cabelo prateado, atingido pelo vento noturno, flutuava.
Ahin era meu oposto. Fisicamente e mentalmente. Não seria um engano dizer que já nascemos diferentes. Comparado a mim, que nem conseguia abrir uma porta, ele tinha poder para escapar de uma prisão com facilidade. E ao contrário de mim, que fui abandonada por minha família, ele era o herdeiro do território das panteras negras.
Não era para nos termos conhecido. Se eu tivesse ficado na mansão Labian, nunca teria conseguido me transformar em humana. Provavelmente viveria minha vida inteira sem conhecê-lo. Na verdade, a aparição dele em minha vida era tão pouco realista que parecia uma ilusão.
Usando todas as minhas forças, estiquei a mão e toquei a bochecha de Ahin. O toque me mostrou que ele era real, o que me fez sentir um pouco melhor.
“Sabe de uma coisa, Ahin…”
Era natural para quem estava no topo da cadeia alimentar reinar sobre os outros, e eu invejava a facilidade com a qual ele fazia isso. Ele nunca iria entender como alguém na base da cadeia se sentia.
“Por que você me recolheu?”
Minha voz saiu fraca. Ao mesmo tempo, comecei a escorregar do cavalo, mas Ahin me puxou de volta e fixou seu queixo sobre minha cabeça.
“Para te usar como lanche de emergência.”
Sim, era a resposta que daria um predador malvado. A raiva subiu à minha cabeça.
“De todas as maneiras, não faria diferença…”
Como assim não faria diferença? Toda vez que ele falava, um eco de sua garganta ressonava sobre minha cabeça, que estava encostada nela.
“Se eu não tivesse te recolhido, você teria sido comida pelo bando de Ash.”
A verdade me atingiu como um martelo. Ouvi que panteras negras raramente andavam em grupos, mas que haviam grupos controlados patrulhando a floresta na fronteira. Então eles eram o bando de Ash. E além disso, o que ele falou… era algo que eu preferiria nunca saber.
O cavalo acelerou mais o seu galope. Continuei tentando me manter consciente, mas pude ouvir uma voz, mais grave que o habitual.
“Não desmaie, é perigoso.”
Gostaria de poder fazer isso, mas não tinha controle. Mordendo os lábios, senti meus olhos se fechando. Quando estava quase perdendo a consciência, algo tocou o meu pescoço.
“Se desmaiar, vou te morder.”
Então percebi que o que tinha me tocado eram os caninos de Ahin. Como assim vai me morder!? Eu me remexi e me contorci, mas os dentes me perseguiram.
‘Ele realmente é louco…’
Não podia nem mesmo gritar, então esbugalhei os olhos. E comecei uma luta contra mim mesma para não desmaiar, a qualquer custo.
***
O lugar onde o cavalo finalmente parou era uma pequena casa em uma rua tranquila. Bam, Bam. Ahin bateu na porta e gritou.
“Quem é essa pessoa tão rude, derrubando minha porta no meio da noite..!?”
A médica, que saiu da casa levantando a voz, se petrificou.
“Oh, pantera negra…”
Hesitando, ela olhou para Ash, que estava enrolada em suas pernas, e começou a suar frio.
“Venham, podem entrar…”
As portas da casa ficaram abertas após eles entrarem. A ação estranha parecia ser um ato de auto-proteção contra os predadores.
Dentro da casa, uma lareira queimava, iluminando tudo. Fui colocada em uma cama, onde me remexi com dor. Não tinha nenhum sinal de que a dor iria diminuir.
“Ela inalou uma droga estranha, e está mal.”
A mão da médica, que havia levantado o tecido com o qual eu estava coberta, parou. Um olhar de perplexidade passou por seus olhos pretos ao ver que eu não vestia nada por baixo.
“Senhor, pode se virar para o outro lado? Preciso remover esse tecido.”
Ahin se virou sem falar nada. A médica, que esperou até que ele ficasse de cara para a parede, afastou Ash quando ela se aproximou da cama.
“Xô, xô!”
Ela foi até uma maleta e retirou instrumentos médicos.
“Em que momento ela inalou a droga? Ah, responda sem virar para esse lado.”
“Faz duas horas.”
A médica começou a me examinar. O estetoscópio frio em minha pele desnuda me fez ter calafrios.
“É estranho… Não vejo sintomas de reação à droga. Você já tomou drogas semelhantes antes? Seu corpo deve ter alguma resistência a elas.”
‘Resistência?’
Não podia ser. Uma coelha que só come feno não podia desenvolver resistência a drogas. Consegui negar com a cabeça enquanto segurava a barra da roupa da médica.
“Bem, a maioria das pessoas, quando tomam as drogas que circulam em Qatar, ficam com feromônios descontrolados e pele acinzentada, mas você… Além da ausência dos sintomas comuns, não há qualquer sinal da droga ter afetado seu organismo.”
Ela inclinou a cabeça enquanto moía ervas com a outra mão.
“Foi uma quantidade minúscula, então talvez por isso não haja reação. Os seus feromônios estão instáveis, mas creio que isso tem mais a ver com eles em si do que com drogas.”
Escutar essas explicações me fez sentir como se fosse a história de uma outra pessoa. A médica pegou um cobertor e me cobriu por completo.
“Doutora, ela está bem?”
Ahin, que parou de olhar a parede, sentou na beirada da cama. Ele limpou o suor da minha testa com as costas da mão.
“Se não é reação à droga, então…?”
“O que ela precisa é tomar um estabilizador de feromônios, e não nada para desintoxicar o organismo.”
A médica abriu uma gaveta e retirou uma pequena garrafa.
“Às vezes, essa reação aparece quando um homem-besta não consegue controlar seus próprios feromônios.”
Girando a tampa, ela olhou para Ahin com uma expressão de desaprovação.
“Na minha opinião, os feromônios dela foram ativados pelo estímulo da droga, e o corpo dela não consegue lidar com eles.”
“E então?”
“No entanto, estabilizadores de feromônios não fazem bem ao corpo a longo prazo. Recomendo que observe o progresso dela e só administre o remédio em último caso.”
Parecia algo sério. Mas não queria mais sentir essa dor… Me contorci e estirei a mão para a garrafa de remédio que a médica segurava.
Tradução: Nopa.
Revisão: Holic.