A Relação simbiótica entre uma lebre e uma pantera negra - Capítulo 33
O ar úmido do armário fazia com que o tecido grudasse em minha pele. Em vez de sentir calor, minha pele estava fria com uma sensação de perigo.
“Você estava falando muito bem da última vez, por que agora não diz nada?”
O tempo passava e o som da respiração dele me deixava mais nervosa. Ele perguntou porque eu não estava falando. O que eu deveria dizer?
“…Ahin.”
Ele arregalou os olhos, e assim que encarei os olhos vermelhos, minha coragem evaporou.
“Não tem nada a me dizer?”
A voz gentil dele ressoou no armário. Está tudo bem, disse a mim mesma.
“Vivi fez algo de errado?”
Tuk. A cabeça dele bateu na porta do armário quando começou a rir.
“Se não, por que está me encarando assim?”
Ah, não tinha ideia de como estava minha expressão, então puxei o tecido para tapar meu rosto.
“…Então é assim que parece para você.”
‘Hm?’
Sem saber o que responder, coloquei um olho para fora. A única vez que tinha conseguido me ver no espelho na forma humana tinha sido na noite do baile, e não me lembrava da minha própria aparência porque estava muito distraída.
“Deixando isso de lado…”
“Hein?”
“Gostaria que me avisasse da próxima vez que for se transformar. Se sentir que vai acontecer, faça uma dança para me alertar.”
Como eu poderia saber que ia acontecer!? Falar era fácil. Abri a boca para contestar, mas Ahin falou primeiro.
“Pense em como eu me sinto. Como seria se Ash, do nada, virasse uma humana?”
Pensei nisso. Ash era uma pantera negra bem musculosa e delgada… Se ela, do nada, virasse uma mulher humana…”
“Vivi ficaria surpreendida.”
“E?”
“E depois, envergonhada…”
“É como eu me sinto agora.”
Ahin pegou uma mecha de cabelo branco em seus dedos.
“Uma coelha violenta de repente vira humana.”
Eu não era violenta! Engoli o que queria falar e fiquei calada. Ele estava certo, seria mais fácil se combinássemos um sinal de comunicação para situações assim.
“Certo, então, da próxima vez, você vai dançar.”
Mas, por que esse, dentre todos os sinais possíveis!? Por um momento, quase perdi a cabeça, mas me segurei e levantei o rosto.
Tok. Nesse momento, algo tocou o topo da minha cabeça. Era a mão de Ahin, que me protegeu de bater com força no teto do armário. Engoli em seco, me lembrando que estávamos em um armário apertado. Percebi que, por reflexo, minhas mãos estavam tocando o peito de Ahin.
‘Perto demais…’
Meus olhos se moveram de seu peito à gravata e ao pescoço, se parando em seu rosto. A expressão era seu sorriso habitual. Mas me parecia diferente, e senti calafrios. Assim que meus olhos foram para os lábios dele, eles se abriram.
“Vivi, você está me olhando com olhos pervertidos.”
“…Não fiz nada disso!”
“Mentira.”
“Não estou mentindo!!”
Eu chacoalhei a cabeça, negando. O rosto de Ahin estava com uma expressão desconfiada.
“Mesmo?”
“Claro!”
De repente, ouvi o som de passos se aproximando. Por reflexo, tapei a boca de Ahin com as mãos e prestei atenção ao som. Os olhos vermelhos se arregalaram. Uma voz soou no corredor.
“Encontramos um intruso aqui!”
“Quem?”
“Não sei os detalhes, vamos para a entrada!”
O som de passos desapareceu. Um intruso, seria Evelyn, que veio nos procurar? Girei o pescoço e olhei para Ahin, que estava imóvil.
Com as minhas mãos sobre sua boca, ele só estava piscando, surpreso. Um silêncio se seguiu. Então percebi uma maciez na palma de minhas mãos e as retirei, apressada.
‘Ai, meu Deus!’
Eu toquei na boca da besta! Se ele a tivesse aberto, os caninos podiam ter me arranhado. Estremeci olhando minhas mãos. E ouvi outras vozes.
“São 4 pessoas e um leão louco, estão fazendo a maior bagunça!”
“Como é!?”
Os barulhos do lado de fora continuavam. Puxei a mão de Ahin, olhando nervosa para a porta do armário.
[Nós]
Comecei a escrever com o dedo na palma de sua mão.
[Precisamos sair daqui.]
Não gostava desse lugar. O ar era estranho e úmido, os prédios, iluminados pelas lamparinas vermelhas, e os homens-besta eram hostis. Não havia nenhuma segurança. Ahin, rindo silenciosamente, puxou a minha mão. Senti cócegas enquanto ele escrevia.
[Para onde iremos?]
Fiquei atônita e puxei a mão dele. Óbvio que iríamos voltar para… então me detive.
“…”
O dedo preparado para escrever a palavra “casa” ficou imóvil. Eu podia mesmo descrever a mansão da família Grace como minha casa? Olhei cuidadosamente para Ahin.
“Gosto de Vivi porque ela é uma coelha.”
O que aconteceria se eu nunca voltasse à forma de coelha? As perguntas que eu tinha enterrado estavam entaladas em minha garganta.
“Se você fosse humana, seria complicado.”
Enquanto continuava segurando a palma dele, sem me mover, Ahin inclinou a cabeça e me olhou.
“O que foi?”
Estranhamente, eu tinha esquecido como falar. Meus lábios não se moviam. E se ele falasse que não precisa mais de mim? Eu seria jogada fora uma segunda vez? Não conseguia parar de pensar nisso.
“…Vivi?”
Não havia tempo para isso. Apesar de saber que a prioridade era sair daquele lugar, não conseguia controlar meus sentimentos.
“O cheiro está forte.”
Ahin, franzindo a testa, tocou minha bochecha.
“Seus feromônios.”
Os feromônios, antes que eu percebesse, estavam saindo de meu corpo como ondas. Minhas mãos e pés estavam tremendo e me sentia sem fôlego. Comecei a sentir náusea e tapei a boca com a mão.
“Vivi!!”
Sentia frio. Era semelhante ao que tinha sentido na barraca, quando perdi o controle sobre os meus feromônios. Ahin parecia estar gritando algo, mas eu não conseguia entender.
***
O frio ressentimento que se apilhava de leve finalmente havia corroído seu coração.
‘Quando eu voltar a ser humano, Ahin Grace, vou te destruir.’
Determinado, Rune descontou sua raiva no prédio e nos homens que estavam ali, rugindo como se risse maniacamente.
“Esse leão está louco!”
“Argh, meus pés!”
A entrada do prédio estava coberta de tochas, pessoas e confusão. Os feromônios dos homens não tinham efeito sobre ele, e estavam sendo perseguidos por Rune. O grupo de Evelyn, que havia seguido Ahin até o prédio do grêmio, observava solenemente.
“Argh!”
“Saiam do meu caminho!!”
Não havia necessidade deles interferirem. Como explicar a cena na qual um leão e vários homens pareciam brincar de pega-pega? O fato de que o leão não era um animal normal, mas sim o filho da líder de um território, complicava ainda mais as suas mentes. Restin, cujos olhos tremiam sem parar, gritou.
“Lorde Rune, pare com isso!”
Foi uma tentativa desesperada de um secretário de proteger a dignidade de seu mestre. Evelyn, ignorando ambos o leão e Restin, instruiu os cavaleiros.
“Capturem alguém e o interroguem sobre as drogas.”
“Sim, senhor!”
Evelyn, evitando os homens-besta, que fugiam desesperados, levantou a cabeça. Ele viu algo que fez seus olhos vermelhos se franzirem.
Era o Lorde Ahin, carregando o que parecia ser uma trouxa de tecido, pendurado de uma janela no terceiro andar do prédio.
“Lorde…?”
Ele não podia imaginar o que poderia ser essa trouxa. Ele perguntou a Ash, que estava ao seu lado.
“Senhorita Ash, o que será aquilo?”
Antes que ele pudesse resolver o enigma, Ahin pulou da janela, aterrissando suavemente. Quando Evelyn o viu, pensou que ele parecia um ladrão. Ahin se levantou e remexeu na trouxa de tecido.
“Lorde Ahin.”
Evelyn, que se aproximou, ficou atônito. O tecido não era uma trouxa, mas sim uma mulher, enrolada no tecido. E ela, ainda por cima, parecia doente, com o rosto franzido de dor e a respiração em fôlegos curtos.
“…Quem é essa?”
Ahin olhou para Vivi. A respiração dela fazia cócegas em seu pescoço. Ela estava pálida e era tão leve que ele mal sentia seu peso. As pesquisas tinham mostrado que a droga alterava os feromônios de quem a tinha ingerido. Vivi era tão frágil que só com aquela quantidade, sua vida podia estar em perigo. Parecia ser um ataque como o da última vez, na barraca, mas ele não tinha certeza.
“Evelyn, você trouxe uma carruagem? Ou cavalos?”
Ahin questionou com uma expressão calma, porém, sem sorrir.
“Tentamos vir aqui discretamente, sem que nos percebessem, Lorde.”
Evelyn respondeu educadamente. Sua experiência na carreira lhe dizia que seu mestre estava de péssimo humor e que poderia precisar se ajoelhar para sobreviver, o que ele faria.
Ahin olhou para a entrada do prédio. Tudo estava um caos. Os olhos vermelhos se fixaram em um dos homens, que tinha acabado de sair correndo pela porta.
O homem-besta que tinha ajudado a Vivi. Sem hesitar, Ahin se colocou na frente de Lile, que parou de correr.
“Me leve até o médico mais próximo daqui.”
“Você…”
Os olhos cor de bronze de Lile tremeram quando viu Vivi, respirando pesadamente. A coelha que estava ali havia desaparecido, e essa pessoa estava em seu lugar. Os longos cabelos brancos escapavam pelas frestas do tecido.
“Lile, o que está fazendo, por que não nos ajuda-Ahhhh!”
Ash, saltando, mordeu a garganta de um homem que tinha corrido na direção de Vivi. Dando um passo para frente, Ahin apontou para Lile e liberou uma pequena quantidade de seus feromônios.
“Não temos tempo.”
“…”
Os feromônios, que pareciam acrescentar um peso em seu corpo, atingiram Lile. Ele tentou se defender com os próprios feromônios, mas perdeu imediatamente. Era como se estivesse afundando em um pântano, com uma sensação de impotência.
Lile de repente sentiu que precisava se ajoelhar perante o homem à sua frente. Se não, ele tinha o pressentimento que seria morto imediatamente. Ele ativou um feromônio em seu corpo, que começou a brilhar e logo se transformou em um cavalo branco. O cavalo se aproximou e se abaixou, oferecendo-se como montaria, sem resistir.
“Evelyn, nos siga à pé.”
Ahin, segurando Vivi com um braço, subiu no cavalo sem dificuldade. O cavalo galopou velozmente, deixando o prédio para trás em uma nuvem de poeira.
“O que diabos acabou de acontecer nesses poucos minutos…”
Evelyn murmurou, espanando a poeira que o cavalo havia jogado sobre ele.
“Senhorita Ash, vamos correr.”
No lugar onde Ash estava não havia nada. Quando ele virou a cabeça, ela já estava seguindo o cavalo, a uma grande distância.
“…Como vou alcançar um cavalo com pernas humanas?”
Era impossível. Evelyn suspirou e voltou à sua forma original pela primeira vez em muitos anos. O pantera negra, que surgiu em uma raio de luz, ficou parado uns momentos. Então, após segurar com cuidado as roupas que haviam caído no chão com sua boca, ele começou a correr.
Tradução: Nopa.
Revisão: Holic.