A Relação simbiótica entre uma lebre e uma pantera negra - Capítulo 32
“Senhor Evelyn, a cada dia que passa, o senhor se torna mais ardiloso.”
“Está me elogiando~?”
O cavaleiro que olhava os dois secretários caminhando à sua frente estava perdido em seus pensamentos. Assim como os outros, ele pensava na coelha como um animal normal, apesar de misterioso. Mas, quando ele abriu a porta da barraca, estava certo do que tinha visto. A mulher nos braços do Lorde Ahin. Quanto mais ele pensava no assunto, mais estava certo de que deveria ser a mesma coelha, que na verdade era uma mulher-besta.
Se os feromônios concentrados tivessem, de algum modo, transformado a coelha em humana, o visual desarrumado da mulher podia ser explicado. A coelha, ao ser trazida adormecida à pousada, também tinha uma marca de mordida em seu pescoço. Os predadores mordiam o pescoço de suas presas como um sinal que elas já tinham dono. O Lorde era conhecido pelo seu comportamento possessivo…
“Sir?”
“….Oh, pois não!”
Escutando o chamado de Evelyn, o cavaleiro, que estava distraído, endireitou as costas apressado. Ele decidiu se focar na missão, deixando de lado sua preocupação sobre o futuro da misteriosa coelha.
***
Ao inalar essa droga, até mesmo Rune tinha perdido o controle e ficado preso na forma de leão… Comecei a estremecer. Ahin, que estava desamarrando Rune, olhou para mim, pasmo. Enquanto eu continuava a espirrar e tossir, ele olhou para a cenoura que o homem gorila havia deixado.
“Está inteira, então ela não está engasgando porque a comeu….”
<…Não tem nada a ver com a cenoura….>
Neguei com a cabeça e pisei com força no chão com minha pata ferida. Mais uma vez, não poder me expressar era muito frustrante.
‘É bom que ele entenda o sinal… para que me compreenda…’
Tossindo, usei o código que tínhamos combinado há um tempo. Levantei a pata direita para chamar Ahin, e logo, a esquerda.
“Vivi?”
<…É uma emergência.>
Quando Ahin viu minha pata esquerda erguida, largou Rune e correu direto para mim. Ele se ajoelhou no chão, e logo franziu a testa. Ele percebeu o pó cinzento espalhado no solo.
“Esse pó, você o inalou?”
Ahin, que me segurou rapidamente, abriu minha boca para examinar.
“Está sentindo dor?”
Ele continuou puxando minha bochecha enquanto perguntava. Eu mal conseguia parar de tossir. Meus olhos lacrimejavam. Nos olhos dele, que já tinham voltado a ser vermelhos, eu pude ver meu reflexo. Uma pequena bola de algodão.
“Vivi…?”
A voz dele, pressionando por uma resposta, estava carregada de emoções que eu não consegui identificar. Vendo o olhar intenso dele, hesitei.
<Parando pra pensar, não dói tanto assim…>
Minha tosse parou, e me sentia melhor. Tentei gesticular para explicar isso, mas foi em vão. Logo depois, os feromônios em meu corpo começaram a ficar descontrolados.
Era estranho. Não sentia dor, mas a sensação era semelhante à que eu tinha sentido nas vezes em que me transformei… Ahin, com uma expressão confusa, sussurrou.
“Seus feromônios estão estranhos… não me diga que está…?”
As pupilas trêmulas dele encontraram as minhas no ar. Se a droga fizer efeito… e eu virar humana aqui…
“Seria uma problema.”
Não!! Fiz um X cruzando minhas patas dianteiras. O maior problema é que eu estaria no meio do covil do inimigo, e ainda por cima, pelada.
“Lorde Manionz.”
Ahin se ergueu e encontrou um pedaço de tecido jogado no canto do depósito.
“Os planos mudaram. Esqueça a investigação da origem das drogas.”
Rune, surpreso pela notícia repentina, pulou de susto.
“Nós dois vamos fugir, então dê um jeito de sobreviver sozinho…. Não, pensando melhor, pode morrer.”
Ahin, que não aceitou um não como resposta, deixou a marca do seu pé bem no centro da cara do leão. Chutado de repente, Rune rolou no chão.
<Ai, deve ter doido…>
Mesmo que o tratasse com desprezo, isso era demais… Me perguntei como seria quando Rune voltasse à forma humana. Então, percebi que não tinha o luxo de poder ficar me preocupando com os outros.
Bang! Ahin chutou a porta do depósito antes que eu pudesse me preparar.
<Aquela porta, tão grossa…>
Assim que eu olhei vagamente para os escombros da porta destruída, os gritos dos homens ecoaram através do prédio.
“Argh!”
“Mas que diabos é você!?”
Ahin, que havia derrubado todos antes que pudessem revidar, continuou a cruzar os corredores. Balançando na mão dele, eu pressionei as têmporas com as patas dianteiras. Antes de poder me preocupar com Rune, o meu futuro incerto era o maior problema.
O lugar onde estávamos era um prédio grande e abandonado. Ahin continuou cruzando corredores, evitando entrar em confronto tanto quanto pôde. E então, senti uma pontada.
<Ugh…!>
Sem tempo para pensar, ofeguei, tentando respirar. Não doía tanto como quando fui bombardeada por feromônios, mas ainda os sentia saindo de controle dentro de mim.
Ahin, que parou de correr, entrou num quarto aleatório. Ali havia um armário estreito, e ele entrou nele comigo, fechando a porta atrás de si. O armário era pequeno para ele, que teve que se curvar. Cheirava a mofo. Uma luz pequena entrava pela fresta da porta do armário.
“Quanto tempo leva?”
Ahin me levantou e me aproximou de seu rosto. Ainda não tinha adaptado minha visão à escuridão.
<Como assim quanto tempo…?>
Encurvei os ombros para mostrar que não tinha entendido.
“Os feromônios não causam sua humanização? Estou perguntando quanto tempo isso leva. Seus feromônios estão descontrolados agora mesmo.”
Assim que ouvi a pergunta, entendi porque Ahin havia evitado lutar com os meliantes tanto quanto tinha conseguido. Era porque sabia que eu viraria humana se absorvesse feromônios. Como esperava, ele sabia muitos detalhes. Mas até onde ele sabia?
Enquanto engolia em seco, Ahin tocou no meu nariz.
“Me responde de uma vez… Não podemos ficar aqui dentro pra sempre.”
<A resposta…>
Olhei para baixo, vendo Ahin encurvado numa posição desconfortável e em clara agonia. O tempo que levava era aleatório, e dessa vez não tinha absorvido feromônios, e sim inalado uma droga estranha. Não sabia nem mesmo se iria me transformar ou não. Apesar de não conseguir controlar os feromônios, me sentia bem. Tentei expressar isso com movimentos das patas, mas Ahin me olhava com uma expressão atônita.
“…Não tenho a menor ideia do que está dizendo.”
Queria que ele soubesse ler mentes. Dei um suspiro pesado, e de repente, Ahin levou o dedo indicador à sua boca.
“Shhh.”
PAF. A porta do quarto se abriu com força.
“Quê!? Todos escaparam, até mesmo o leão!?”
“Ferrou, se o líder do grêmio descobrir, vai ficar furioso!”
As vozes dos homens que nos procuravam ecoavam pelo corredor. Pelo que tinha escutado, parecia que Rune tinha escapado em segurança, mas não podia me sentir aliviada. Porque eles estavam no mesmo quarto que nós. E agora? Rapidamente entrei na mão de Ahin e apurei os ouvidos.
Passos fortes. O som do sapato de alguém ecoava. Apesar da situação urgente, Ahin estava sorrindo enquanto olhava minha cara, enterrada dentre seus dedos.
<Não é hora de ficar rindo!>
Senti os passos cada vez mais próximos, e o feixe de luz que entrava pela porta escureceu. Estávamos perdidos. No momento em que pensei isso, vi o rosto da pessoa que abriu a porta do armário. Era o homem que parecia um gorila, que me deu a cenoura após me colocar no depósito. Ahin novamente levou o seu dedo indicador aos lábios.
“Gorila, shhh.”
Ele estragou qualquer chance que tínhamos ao chamá-lo de gorila! Ainda bem que eu era fisicamente incapaz de gritar. Olhando entre um e outro, juntei as patas dianteiras num sinal de súplica.
<Por favor….>
O homem, com os olhos visivelmente tremendo, ficou parado enquanto uma voz no corredor falava “não esqueçam, assim que encontrá-los, matem-nos de uma vez.” Ele estremeceu e fechou a porta do armário novamente, e a escuridão caiu.
“Lile, e você? Achou algo?”
“…Não tinha nada ali. Vamos ver no andar de baixo.”
“Não checamos o quintal.”
Eles se afastaram, e logo não pude mais escutar seus passos. Ahin sussurrou para mim, que ainda estava sem fôlego.
“Aquele gorila virou seu amigo? Não combinam nem um pouco.”
Não sabia nada sobre isso. Além do mais, deviamos ficar muito gratos àquele homem-besta. E só porque ele fisicamente parecia com um gorila na sua forma humana, isso não queria dizer que ele necessariamente era um gorila…
“Entendo. Um gorila e uma coelha…”
Ele ficou falando sozinho, sem nem refletir sobre gratidão por um único segundo. Além do mais, a combinação de uma coelha e um pantera negra era mais estranha ainda.
<Vamos sair daqui antes que venha mais alguém.>
Dei um toque no dedo de Ahin e apontei para a porta com a pata dianteira. Ele sorriu e assentiu.
“Sim, vamos sair desse lugar… Vivi?”
Nesse momento, me encolhi. Os feromônios, que estavam se movendo devagar, de repente pareciam que iam explodir. Minha visão alternou entre luz e escuridão e mal pude enxergar Ahin, que pegava o tecido que tinha trazido do depósito e que havia pendurado no ombro.
“Ugh….!”
Senti uma forte tontura e ofeguei para respirar. Agarrei meu pescoço.
‘Acabei de ouvir minha própria voz…?’
Não conseguia entender direito a situação. Quando abaixei o olhar, fiz contato visual com Ahin. Pisquei sem expressão, e comecei a perceber. Estava o enxergando de um ponto mais alto que o de sempre, e sentia o calor de seu corpo através do meu.
‘…Por quê?’
Eu tinha me humanizado como reação à droga?
Badum, badum.
Meus olhos correram todo o espaço dentro do armário. Era a primeira vez que eu tinha me transformado na frente de outra pessoa, e não conseguia esconder minha vergonha. E tinha sido Ahin, de todas as pessoas!
Ele pousou o tecido ao redor de meus ombros, fazendo com que nossos corpos quase se tocassem. Mesmo após se afastar, o espaço estreito nos manteve a centímetros. Os segundos passavam como se fossem anos. Queria que ele falasse algo, mas Ahin apenas me encarava em silêncio.
Os olhos vermelhos pareciam densos. Era o olhar de um predador faminto para sua presa. Não conseguia ver direito por causa da escuridão do lugar. O que eu fazia? Deveria sorrir? Lambendo os lábios secos, dei um sorriso constrangido.
“….Oi.”
Tradução: Nopa.
Revisão: Holic.