A Relação simbiótica entre uma lebre e uma pantera negra - Capítulo 24
“Não abra a porta da carruagem até que eu tenha resolvido tudo por aqui. Também nem pense em abrir a janela.”
“Como…?”
Era uma ordem estranha. Evelyn, que fez uma expressão confusa por um instante, logo respondeu.
“Como desejar, meu Lorde.”
Mais flechas voaram na direção da carruagem. De repente, me lembrei do dia no qual Ahin tinha chegado em casa ferido pelo ataque de um homem-besta lobo. Quando olhei nervosamente para ele, Ahin, que estava cortando as flechas no ar com sua espada, sorriu.
“Vivi, fique tranquila aí dentro e não vá bater em Evelyn.”
Não era hora de fazer brincadeiras assim! A porta da carruagem se fechou de sopetão. Evelyn ficou com os braços estirados, comigo dentro de suas mãos.
“Senhorita Coelha, isso acontece o tempo todo, então não precisa se preocupar. Tudo vai acabar logo que ele fizer creck, slash, blosh.”
O que é isso? Creck, slash, blosh?! A explicação foi omitida. O fato dele ter falado onomatopeias em voz alta me fez me sentir mais preocupada.
“Com licença…”
Um dos cavaleiros que estava sentado na carruagem abriu a boca com cuidado.
“Ataques de lobos e assassinos são comuns para o Lorde Ahin. Quando ele usa seus feromônios, consegue lidar com eles com facilidade, então nós nos retiramos. Os feromônios dele são tão fortes que nós também acabaríamos afetados.”
Então era por isso que eles estão aqui, sentados. Quando assenti com a cabeça agradecendo a explicação, a outra cavaleira complementou.
“Ele se preocupa com a nossa vida, mesmo que sejamos meros escoltas. O Lorde Ahin é muito generoso.”
Quanto mais eu escutava, mais eu sentia que todos estavam deixando todo o trabalho para Ahin. Será que eles escolheram ser seus escoltas porque eram preguiçosos? Olhando para eles com suspeitas, ouviu Evelyn dizer.
“Senhorita Coelha, enquanto a batalha não termina, pode ficar tranquila e tirar um cochilo.”
Não acreditava que ele disse isso no meio de uma batalha sangrenta. No momento em que me concentrei em escutar os sons que vinham de fora, as janelas foram estraçalhadas por uma flecha que voou para dentro. A carruagem velha não tinha uma estrutura muito forte.
“Argh!”
Ao mesmo tempo que escutava o grito de alguém, o barulho “chang”, “chang”, de lâminas se chocando ficou bem alto. Era um barulho assustador. Olhei para cima, surpresa. Tinha um cheiro forte no ar.
<…Feromônios?!>
Senti o odor vindo da janela quebrada e imediatamente tapei o nariz com as patas. Não tinha mais o luxo de poder tentar assistir a batalha lá fora.
E se meu corpo absorvesse esses feromônios? Podia acabar me transformando em humana bem aqui, na carruagem. Fiquei pálida só de imaginar a possibilidade.
<Não pode acontecer…>
Ahin, Evelyn, e os cavaleiros. Se eles vissem eu me transformando, não teria ideia do que poderia acontecer. Além disso, no passado, Ahin havia dito que seria problemático se eu fosse humana.
“Senhorita Coelha, o que há de errado?”
Vendo eu prendendo a respiração desesperadamente, Evelyn fez uma expressão confusa.
“Ah, deve ter se assustado pela janela quebrada. Mas não se preocupe, logo logo terminará.”
“Não podemos fazer nada já que o vidro se rompeu, mas… Senhor Evelyn, o Lorde Ahin não tinha ordenado que não abríssemos a janela?”
“Primeiro, vamos selar tanto como for possível. Pegue esses tecidos e fechem.”
Os cavaleiros, tampando a moldura com tecidos improvisados, pareciam curiosos sobre a ordem. Evelyn franziu a testa.
“Ainda assim… Mesmo que ele esteja preocupado com o efeito de seus feromônios sobre os nossos corpos, uma quantidade tão pequena não faria muita diferença.”
Podia ser verdade para eles, mas para mim… Fiquei nervosa ao perceber que os feromônios já tinham tomado todo o interior da carruagem. Meu coração disparou. Comecei a sufocar.
Tentei ao máximo manter o nariz tapado, mas não aguentei e respirei. Ia acabar morrendo se continuasse assim.
“Senhorita Coelha?”
Senti náusea no instante que respirei. E uma dor que a essa altura já me era familiar.
‘Não, essa não…!”
Sentindo que ia acontecer, levantei a cabeça e encontrei o olhar de Ash, que estava me observando ansiosa. Por alguns segundos, ficamos encarando uma à outra. E de repente.
“Senhorita Ash!”
Evelyn gritou de surpresa. Ash, que me tomou das mãos de Evelyn com a boca, pulou para fora da carruagem. O cenário começou a mudar ao meu redor. Minha visão borrada mal registrava a grama e as árvores verdes.
Consegui sentir um cheiro metálico que não sabia de onde vinha. Prendi a respiração novamente e tentei me concentrar no momento em que a transformação ia acontecer.
‘Eu… quero vomitar…’
Além disso, sentia minhas entranhas se revirando por causa de Ash, que estava correndo enquanto me carregava em sua boca.
Logo, parei de sentir o sol quente em mim, sendo substituído por uma sombra fresca. Minhas patas tocaram algo, e esfregando os olhos, percebi que era o chão. Minha vista continuava nublada. O efeito dos feromônios estava claro. Mas na primeira vez, senti dor, e na segunda, não senti nenhuma. Dessa vez, dor novamente. Essas transformações eram tão confusas quanto instáveis.
Ash, que estava ao meu lado, me lambeu gentilmente.
‘…Onde estamos?’
Poderia ser perigoso nos afastarmos demais da carruagem. Mas ainda era melhor do que virar humana bem ali.
No meio de minha dor, olhei ao redor. A luz entrava pelas frestas do teto de uma barraca cheia de feno.
Seria um depósito abandonado? Abaixando a cabeça para o chão novamente, respirei pesadamente.
“Aquele cara é um monstro…. Hein? O que é isso aqui?”
Uma voz desconhecida ressoou na barraca.
“Essa criatura é um homem-besta?”
“São leves, mas consigo sentir feromônios.”
Uma sombra caiu em mim quando dois homens entraram. Ash, que ficou na minha frente, deu um rosnado ameaçador que eu nunca tinha escutado antes. Olhei para os homens, mal conseguindo me manter em pé com as patas trêmulas.
Os olhos eram marrom-claro. A cor que a maioria dos membros do clã dos lobos possuía. Eles deviam pertencer ao bando de homens-besta lobos que atacou a carruagem e deviam ter fugido de Ahin. Percebendo que eu tinha que sair dali, estirei a pata dianteira para Ash.
“A coelha não consegue nem se manter de pé.”
Como se fosse interessante observar a mim e a Ash, os homens lobos comentaram.
“Vamos matar as duas de uma vez. São um incômodo. Melhor fazer isso antes que aquele louco nos encontre.”
“Sim… Ele estava cortando o braço deles enquanto ria como um maníaco.”
“Espere, e o Damian?”
“Ele está morto.”
O homem, cuspindo sangue, puxou uma espada. Pude ouvir o som do metal batendo contra a parede no espaço apertado. Olhei preocupada para Ash, que parecia prestes a saltar neles. Se eles são do clã dos lobos, podem ter feromônios de ataque. Uma pantera negra comum não teria nenhuma chance.
<Ash….>
Assim que o homem se moveu, Ash pulou em cima dele.
“Argh!”
Ele deu um golpe com a espada que por pouco não acertou o pescoço de Ash. Em seguida, ele soltou feromônios misteriosos na direção dela. Pude sentir que deviam ser poderosos.
“Está me atrapalhando demais.”
Logo em seguida, Ash cambaleou, incapaz de se manter em pé. Logo a espada do homem cortou o ar próximo a perna de Ash.
“Graaaa!”
Com um grito de dor, o sangue de Ash se espalhou pelo chão.
<Não!!!>
Eu não sabia o que fazer nessa situação. Por ser tão fraca, não podia fazer nada. Odiei a mim mesma, não tendo escolha a não ser ficar olhando a cena deitada.
<Ash….>
Mesmo ferida, ela se manteve firme bloqueando o caminho até mim. O cheiro dos feromônios e do sangue invadiram meu nariz e fizeram minha boca ter um gosto amargo.
<Por favor…!>
Ignorando a dor, me foquei em fazer com que os feromônios fluíssem do meu corpo. Não sabia se funcionaria como nas vezes em que pratiquei com Ash.
<Por favor, por favor!>
Enquanto isso, a espada rasgou a cintura de Ash. O sangue jorrou com um som horrível.
“Com mais uma eu… Ugh, o que é isso?”
Nesse momento, os dois homens-lobo pararam.
“O quê…?”
Eles tocaram as cabeças, como se estivessem tontos. Talvez meus feromônios estivessem funcionando. Me esforcei para concentrar tanto feromônio quanto consegui.
“Argh!”
Ash, aproveitando a distração, mordeu um dos homens no pescoço. Duas, três vezes, as presas dela afundaram no pescoço dele.
Logo, o homem-besta lobo, cujos olhos haviam se revirado, caiu morto. Ash agilmente correu para o outro homem. Ele, que não tinha conseguido se recuperar, também caiu ao chão, com os caninos de Ash cravados em seu pescoço.
“Nnng, argh!”
Um gemido ressoou. Ash não parou de atacar. Como resultado, logo as mãos e pés trêmulos pararam de se mover.
Os olhos de Ash, que observava os homens mortos, logo se voltaram para mim. O sangue, vestígio da batalha, não tinha parado de escorrer. Ash, se aproximando de mim com passos precários, caiu no chão com um estrondo.
<…Ash…!!>
Me arrastei no chão no meio da dor para alcançá-la. Mal conseguia me mover, mas tinha que chegar até ela.
O sangue de seu ferimento empapava o chão. A cena na qual eu não queria acreditar ia se aproximando cada vez mais.
E então, olhei para baixo e vi longos fios de cabelo branco. O que tinha entrado em contato com o ferimento era uma mão humana, que agora estava coberta de sangue quente.
‘…Por que agora? A transformação se completou.”
E o que devia fazer? Sentia como se a vida de Ash estivesse prestes a se esvair. Abracei o seu pescoço e alisei Ash com as mãos tremendo. Pude senti-la lamber minhas bochechas encharcadas de lágrimas. Ela estava à beira da morte, e se preocupava comigo?
“A-Ash… Ash….”
As lágrimas que eu mal conseguia segurar desceram como uma enchente. Agarrando o pescoço de Ash, chacoalhei a cabeça com força. Em vez de ficar e chorar, devia buscar ajuda de Ahin ou Evelyn.
Nesse momento, escutei a porta abrir.
‘Não pode ser….’
A luz do sol entrou na barraca e uma sombra alta apareceu.
Ainda abraçando Ash, virei a cabeça. Havia muitas chances de ser um outro homem-besta lobo que veio após ouvir os gritos dos companheiros.
Nervosa, arregalei os olhos. Porque o que se refletiu na luz do sol foi um cabelo prateado.
‘Ahin.’
Nossos olhares se encontraram. Tick, tick, tick, foi como se o tempo tivesse parado.
Os olhos vermelhos de Ahin, que me olhou sem expressão, se afastaram. Ele fechou a porta. Quando o ar de fora foi bloqueado, os feromônios misturados com o sangue entraram em meu nariz.
Os olhos de Ahin, segurando a maçaneta, se voltaram para mim novamente. Um silêncio ensurdecedor seguiu.
Após um tempo, a voz dele ressoou, mais grave que o habitual.
“…Vivi.”
Tradução: Nopa.
Revisão: Holic.