A Relação simbiótica entre uma lebre e uma pantera negra - Capítulo 23
Foi uma pergunta bem genérica. Enquanto Rune apoiava a mão no queixo, observou a expressão de Ahin. Não dava para identificar uma única emoção naquele rosto, que estava tão tranquilo que poderia ser considerado inofensivo.
‘Isso pode ser um problema.’
Os olhos dourados se viraram para baixo, refletindo sobre a questão. No dia do baile, Rune havia encontrado Vivi, escondida debaixo de uma mesa.
Tudo havia sido muito estranho. Desde a aparência bagunçada dela até seus olhos violeta. No momento em que Ahin apareceu, ela voltou à forma de coelho em um piscar de olhos. Era impossível negar que se tratava da mesma pessoa.
E, para aumentar ainda mais as suspeitas, a coelha o havia chutado para calar sua boca. Ela parecia desesperada. Julgando por essas ações, parecia que ela queria esconder o fato de que podia se humanizar. Talvez Ahin Grace seja o alvo da coelha. E ele não tenha ideia.
‘Mas, um cara tão esperto?’
As hipóteses de Rune, tendo chegado até aí, de repente pareceram absurdas. Era difícil de acreditar. Engolindo as várias perguntas que surgiam dentro de si, ele respondeu em voz baixa.
“….Não aconteceu nada.”
Foi uma resposta bem curta levando em conta o tempo que demorou. Ahin o escutou e deu um sorriso maligno. Ele não esperava de qualquer modo receber a informação que buscava.
Depois dessa breve troca de palavras, os dois homens-besta passaram a olhar para frente, ignorando um ao outro. Ahin, que se relaxou na cadeira outra vez, murmurou.
“Bem, o que eu esperaria de um leão preguiçoso.”
“Melhor que um pantera paranoico.”
“Não fale comigo.”
“Está me chamando para brigar…?”
Devido à tensão crescente, todos os olhos da sala de reuniões se voltaram para os dois.
Isso era esperado. Estavam surpresos de a reunião do dia ter durado tanto tempo sem nenhuma briga até então. Por isso, não foi surpresa vê-los rosnar.
Evelyn, notando os olhares de todos, se colocou entre as cadeiras de Ahin e Rune.
“Por favor, Lordes, pensem sobre onde estamos. Os territórios já estão em uma aliança pacífica, só os dois ficam brigando como gato e rato.”
Os olhares se voltaram a Evelyn, impressionados por sua coragem. Eram as palavras que todos queriam dizer. Ahin e Rune abriram suas bocas e falaram em perfeita sincronia.
“Evelyn, cale a boca.”
“Sim, Lordes.”
Com mais uma palavra, ele realmente poderia ser executado. Evelyn, percebendo a situação, deu dois passos para trás em um instante. Ele foi o primeiro a lutar e cair.
***
Ultimamente, Ahin tem passado mais tempo comigo. Exceto na hora de acordar e de dormir, eu passava todo meu tempo apenas com Meimi, mas esses dias, ele vinha sempre que estava livre. Isso era muito suspeito.
<Ash, acorde. Ahin pode aparecer a qualquer momento!>
Chacoalhei Ash enquanto Meimi ficava de guarda distante, no campo de treinamento. A empurrei com toda a força das minhas patas, mas ela apenas rolou dormindo, com um ronronar feliz.
<Não é hora de ficar rolando, Ash!>
Apesar de me sentir mal por isso, estava usando Ash como cobaia nos meus treinos de feromônios. Quando eu os lançava nela, começava a cambalear como se estivesse bêbada e dormia em seguida. Neste momento, estávamos nessa fase, e ela não mostrava sinais de acordar. Acabei desistindo de acordá-la e me sentei com um suspiro. Talvez por ser um animal normal, ela não tinha nenhum mecanismo de defesa contra os feromônios.
<Será que estou realmente conseguindo controlar meus feromônios?>
Apesar do processo complicado, podia tirar duas conclusões dos eventos recentes. A primeira era que eu me transformaria em humana quando absorvesse muitos feromônios de um predador, e a segunda, que meus feromônios tinham o poder de fazer os outros dormirem. A primeira hipótese ainda não estava comprovada, mas a segunda, sim. Como prova, Ash estava dormindo profundamente diante de meus olhos.
<Ash, está na hora de levantar.>
A chacoalhei novamente,
<Ash, você precisa acordar!>
Desde o começo, Ahin havia sido estranhamente insistente em que eu dormisse em sua cama. Creio que ele devia ter uma ideia sobre o efeito dos meus feromônios, quando me levou para sua casa naquela cesta.
De qualquer maneira, essa prática para controlar os feromônios era perigosa. Pressenti que era melhor não ser descoberta por ele.
“Ash está morta?”
<Por que diabos ela morreria?!>
Arregalei os olhos e tentei não perder a cabeça perante essa pergunta absurda. Ahin se agachou, tendo saído sabe-se lá de onde.
“Você está se dando melhor com Ash do que eu imaginei.”
O cabelo prateado cintilava ao sol. Eu estirei as patas para proteger Ash e o encarei com um olhar de desaprovação. O predador malvado que havia exilado Ash para o quarto de Evelyn como punição por ter me tirado da cama.
“Você nunca me protegeu desse jeito.”
Me irritei com a voz falsamente magoada. Resmunguei para Ahin, que fingia ser frágil, abraçando o próprio corpo. Por que não se livra dos seus músculos antes de tentar uma dessas?
“Ash.”
Ash, que acordou, se aproximou de Ahin e esfregou a cabeça contra suas pernas, o cumprimentando. A encarei e fiquei com ciúmes.
<Ash, você está do lado de quem, afinal?>
É óbvio que é do lado de Ahin, porque ele era uma pantera negra. A cauda balançando como um catavento era a prova disso.
Ela só me acompanhava por dever. Estive me iludindo. Isso era tudo.
“Vamos, Vivi.”
<Para onde?>
Ainda não era hora do almoço. Além disso, Ahin parecia estar vestido para sair, com um terno arrumado. Lembrando que na última vez que ele me levou para fora, fomos ao templo, me senti ansiosa.
“Não vamos ao templo, então não se preocupe.”
Ahin, que de algum modo leu minha mente, falou.
“Vivi, hoje você irá me ajudar.”
Do que ele estava falando? Procurei uma explicação, mas Ahin apenas sorriu com seus olhos vermelhos.
Sem mais palavras, fui carregada, com Ash nos seguindo, em direção ao portão principal.
***
Sentada em uma almofada sobre o banco da carruagem, olhei ao redor. Ao contrário da última vez, onde a carruagem era toda decorada, desta vez estávamos em uma carruagem humilde com paredes enferrujadas.
“Senhorita Coelha.”
Olhando o interior velho da carruagem, fiz cara de quem tinha chupado limão azedo ao fazer contato visual com Evelyn. O que ele queria, agora?
Evelyn, irritante como sempre, estirou os braços, o que eu nunca esperaria.
“Já faz tanto tempo desde que saiu da mansão, deve estar assustada. Aqui, eu a abraçarei para te dar conforto.”
Paf.
A mão de Evelyn foi estapeada pela pata de Ash, que estava sentada no chão da carruagem. Evelyn, com a mão toda vermelha, murmurou.
“Senhorita Ash, como é cruel.”
Argh. Eu e Ash reviramos os olhos ao mesmo tempo. O fato dele usar honoríficos mesmo com animais o tornava ainda mais detestável.
“Mesmo com este Evelyn te dando petiscos todas as noites, ainda me faz isto…”
Apesar da tentativa de chantagem, Ash o ignorou e me olhou com uma cara de “fiz um bom trabalho, certo?”
A afaguei com a pata dianteira.
“A propósito, Lorde Ahin. Essa viagem não vai ser um pouco perigosa? Estamos a caminho da fronteira, e até mesmo disfarçados.”
Fronteira? Disfarce?
Não entendi direito, mas só de ouvir essas palavras, meus pelos se arrepiaram. Ahin me segurou e começou a rolar meu corpo na almofada.
Rola rola.
<Pare com isso!!>
Com o cambalear da carruagem, fiquei tonta rapidamente e mordi o dedo dele.
“Não posso deixar Vivi pra trás na mansão. Esses dias, ela tem estado infestada de leões.”
Era uma resposta incompreensível. Ahin fingiu estar ferido pelo dedo mordido.
“…Lorde.”
Ao contrário de mim, que não tinha entendido, Evelyn parecia ter reagido com indignação à explicação.
“Ontem, o senhor passou o dia seguindo a Senhorita Coelha também. Isso é uma doença.”
Era verdade que Ahin tem me seguido ultimamente. Toda vez que ia sair para um passeio, ele aparecia dizendo “Vivi, eu vou junto”. Ele até está participando da hora do chá que tenho com Valence. Ele me segue até a biblioteca levando sua própria papelada.
Para quem olha de fora, poderia parecer que ele era um predador obcecado com uma coelha. Às vezes até mesmo eu acreditava nisso.
“O que você quer dizer, Evelyn?”
“Talvez o senhor tenha pegado algum tipo de febre dos coelhos.”
“Pare de falar absurdos e se cale.”
“Sim, Lorde.”
Evelyn, que fechou a boca, pegou uns papéis e começou a folhear.
“As drogas que estão sendo distribuídas nesta região são provavelmente drogas experimentais, porque os sintomas que provocam são muito variados. Seria mais rápido se pudéssemos apreender as drogas e as analisar diretamente.”
“Há provas que a fonte está no território dos lobos?”
“Ainda é uma hipótese. Não temos provas. Mas se conseguirmos capturar um traficante, será fácil interrogá-los.”
“Já que vamos em pessoa, capture um para mim.”
Drogas? Traficante? Escutando a conversa sem expressão, alternei o olhar entre Ahin e Evelyn. Os dois, mais eu e Ash, indo para um lugar tão perigoso? Só tinha 4 cavaleiros escoltando do lado de fora da carruagem.
“Definitivamente, essa droga é produzida com feromônios. O efeito parece estimular os feromônios de quem toma.”
“Provavelmente, e essa região teve uma epidemia ano passado, o que facilitou a entrada das drogas.”
Quanto mais eu ouvia, menos eu queria me envolver com a história. Me sentindo como se estivesse escutando contos de um país distante, de repente me lembrei das palavras de Ahin.
“Vivi, hoje você irá me ajudar.”
Um caso envolvendo drogas perigosas. O que um coelho bebê poderia fazer? Olhei para Ahin, que estava olhando para fora da janela. Seu olhar era frio.
“Já andamos bastante.”
Quando o humor de Ahin mudou, Evelyn parou de falar e também olhou na mesma direção.
“Acho que estamos chegando no local. Talvez possamos encontrar quem está produzindo as drogas.”
Antes que eu pudesse entender, a carruagem parou. Ahin, que estirou a mão rapidamente, me segurou antes que eu caísse com o impacto da freada brusca.
Eu não tinha me preparado, então se Ahin não tivesse me pegado, teria caído no chão da carruagem.
‘O que aconteceu?’
Tentei acalmar meu coração disparado e olhei ao redor.
“Lorde Ahin!”
A porta da carruagem abriu de repente e ouvi muito barulho vindo de fora. Um dos cavaleiros que acompanhava a carruagem à cavalo parecia preocupado.
“Estamos sendo atacados pelo clã dos lobos!”
“Percebi. Quantos?”
Ahin, que me entregou para Evelyn calmamente, puxou sua espada.
“É difícil de dizer, há muitos que estão se ocultando.”
Um ataque dos homens-besta lobos. Comparados a mim, que estava azul de medo, os outros pareciam tranquilos. Como se essa situação extrema fosse normal.
Dois dos cavaleiros entraram na carruagem. Enquanto isso, Ahin desceu e falou para Evelyn.
“Evelyn. Tome conta dela.”
Em seguida, várias flechas foram disparadas contra Ahin, que bateu a porta e desviou rapidamente.
Segurando a espada, ele lambeu os lábios lentamente.
Tradução: Nopa.
Revisão: Holic.