A Relação simbiótica entre uma lebre e uma pantera negra - Capítulo 2
Um leve odor medicinal fez cócegas em meu nariz. Ainda aturdida, senti alguém colocando meu corpo de ponta-cabeça com um toque cuidadoso.
Checaram minha boca e minhas patas dianteiras. À medida que ia me despertando mais, escutei uma voz que não reconheci.
“Bem, parece que ela somente desmaiou por causa de um choque mental. Os batimentos estão perfeitamente normais, assim como todo o resto.”
Oh. Aparentemente, estava passando por um exame médico naquele momento. O toque do médico foi tão delicado e cuidadoso que meus músculos estavam relaxados.
Aproveitei para fingir que estava dormindo, já que minhas pálpebras ainda estavam pesadas.
“Não tem nada de errado com a saúde dela, Senhor Evelyn, não se preocupe.”
“Que ótimo. Seria um problema se o Lorde comesse uma coelha doente.”
Quem ele estava chamando de coelha doente?
Enquanto prestava atenção nas palavras rudes, consegui identificar na hora o dono da segunda voz.
Devia ser o homem de cabelos pretos que me fez desmaiar quando me declarou um lanche emergencial.
Queria me levantar imediatamente e chutá-lo só de raiva, mas continuei fingindo dormir, convencida pelos genes covardes em meu corpo.
Pouco depois, a voz do homem chamado Evelyn voltou a soar.
“Tem certeza que não há nenhum problema? Pense um segundo. Ela parece ser um homem-besta, mas está na forma de coelho. Mais cedo, notei que ela parece entender o que estamos dizendo, então não deve ser um animal comum.”
“Bem, no momento, não consigo sentir nenhum feromônio, e já se passou metade de um dia desde que o Senhor Ahin a trouxe. Homens-besta não conseguem desfazer suas humanizações por tanto tempo assim. Se ela fosse um homem-besta, já teria voltado à forma humana à essa altura.”
“E quais são as chances de ela ser um homem-besta que não passou ainda pela primeira transformação?”
“Isso é impossível. A primeira transformação sempre ocorre antes dos 3 anos de idade. Uma coelha tão ativa como ela não pode ser tão jovem assim.”
Céus, não percebi que eles tinham essa dúvida sobre minha identidade até escutar essa conversa sem querer. Eles não sabiam.
Obviamente, o segredo era mantido dentro dos portões da mansão Labian, então acho que fazia sentido que ninguém imaginar algo assim.
Se eu comunicar a eles que sou um homem-besta, vão me deixar ir embora?
<Mas….>
Quanto mais eu pensava, mais ansiosa ficava.
Escutei que há muitos estudiosos no Território das panteras negras. Se eles descobrirem que há um homem-besta que completou a maioridade e não passou ainda pela primeira transformação, poderia acabar virando cobaia dos experimentos deles.
Cheguei à conclusão que era melhor ficar quieta.
“Bem, no fim das contas, parece que ela é apenas um coelho filhote normal.”
O médico que me observava fingir dormir perguntou com cautela.
“O… o Lorde Ahin realmente a trouxe aqui para comê-la?”
“Não sei, mas é o que suponho.”
Que base ele tinha para chegar a essa conclusão? Era difícil saber quando esse Evelyn estava brincando e quando estava falando sério.
Ele devia ao menos mudar o tom de voz ou algo assim.
Quanto mais pensava no assunto, menos fazia sentido que esse Ahin, o dono desse quarto tão luxuoso, me traria aqui para me usar como lanche.
O médico respondeu preocupado, como se concordasse comigo.
“Ah, bem… então, Senhor Evelyn, acabei o tratamento, então vou me retirar.”
<Espera, não me deixe sozinha com esse cara esquisito!>
O som da porta fechando engoliu meu choro interno desesperado.
O silêncio prevaleceu.
Estava ficando difícil fingir dormir. No entanto, não podia me levantar porque senti Evelyn se aproximando, mesmo com os olhos fechados.
“Senhorita Coelha.”
Então, escutei um sussurro e um hálito quente em minha orelha.
“Os seus olhos fechados estão se movendo. Se não se levantar, pode acabar na mesa como aperitivo. Prefere ser grelhada ou colocada em uma sopa?”
Me levantei em um salto com os olhos tremendo. Predadores diabólicos! A partir de hoje, declararei que odeio o clã das panteras negras mais que qualquer outro.
Evelyn, que estava sentado com as pernas cruzadas ao lado da almofada na qual eu estava, tinha uma expressão risonha. Ele estava usando uma linguagem formal comigo.
Pra que ser educado agora? Incapaz de perdoá-lo ou me livrar do mau-humor, eu o encarei com raiva e me preparei para chutar caso fosse necessário.
Evelyn, que havia levado as mãos ao peito, ao perceber minha pose, primeiro ficou sem palavras.
“Perdão por demorar a me apresentar. Sou Evelyn Rudd, o secretário pessoal e braço direito do Lorde Ahin, que trouxe a Senhorita Coelha aqui para a mansão.
Ao receber as apresentações educadas dele, fiquei bem conflitada.
Na verdade, como ele poderia saber se a nossa comunicação seria possível ou não…? Mas vendo a maneira como ele se apresentou, Evelyn parecia ter partido da premissa que eu podia compreender palavras.
“Deve haver alguma razão profunda para o Lorde Ahin ter resgatado a Senhorita Coelha. Pensando nas probabilidades, pensei que poderia ser algum tipo de animal divino que consegue entender a linguagem dos homens-besta. Mas você parece um coelho normal.”
“…”
“Só um coelho normal.”
Ele não precisava falar duas vezes que eu parecia um coelho qualquer. O rosto dele estava tão sério e fiquei cada vez mais irritada até mesmo com a palavra mais simples.
Uma coisa boa é que parece que não serei comida nem ferida por enquanto. A propósito…
<Por que essa pantera negra chamada Ahin me trouxe pra cá?>
Como dizem, falou no diabo… assim que pensei isso, ouvi um som do lado de fora da porta. O som da armadura de cavaleiros saudando era assustador por alguma razão.
Pouco depois, a porta se abriu e o homem de cabelos prateados entrou. Os movimentos despreocupados dele faziam que parecesse um predador que tinha a presa já encurralada.
Evelyn, que após um segundo de surpresa me carregou cuidadosamente, se levantou e fez uma mesura.
“Bem-vindo.”
“Evelyn, o que faz aqui?’
“Vim para ajudar a coelha. O senhor me mandou.”
“Ah, é.”
Os olhos vermelhos rolaram devagar para mim, que estava presa nos braços de Evelyn.
Como assim, “ah, é”? Dado o momento que ele demorou para responder, é óbvio que ele tinha se esquecido.
Não perguntem nada pra mim.
Mas Evelyn tomou a dianteira e perguntou.
“Lorde Ahin, por que o senhor…?”
“Encontrei ela na floresta, perto da fronteira com o Território das lebres. Tinha uns homens que haviam invadido nossa área. Você verificou se ela é um homem-besta…?
“O médico disse que é impossível.”
“Mesmo?”
Os olhos de Ahin se fixaram em mim novamente enquanto ele escutava a explicação e desfazia o nó de sua gravata.
Ao contrário das caras e bocas de Evelyn, ele era inexpressivo. Era impossível saber o que estava pensando.
“Bem, não importa se ela é um homem-besta ou não.”
“Posso perguntar o porquê, senhor?”
“Vou comê-la amanhã de qualquer modo.”
Surpreendida por isso, estremeci e olhei para Evelyn.
“Deve haver uma razão profunda.”
Que diabos…!
Evelyn, que olhou de volta para mim, com o rosto sério, assentiu.
“Se quiser comê-la no café da manhã, posso mandar que iniciem o preparo imediatamente.”
<Ei, ei!!>
Em poucos segundos, decaí de animal divino à comida. Ele fingiu ser educado comigo e tudo. Não se podia confiar em ninguém nesse mundo.
“Ah, já está bem tarde.”
Evelyn, que me colocou de volta na cama, andou até a varanda e fechou as cortinas. A cortina vermelha ocultou completamente o céu noturno.
“Vou me retirar. Descanse bem, meu Lorde.”
<Não vá embora assim. Pare aí, Evelyn!>
Gritei por dentro do alto da cama, mas as costas do traidor ficavam cada vez mais distantes.
Tive calafrios no instante em que a porta se fechou completamente.
Sentia um olhar cravado em mim, e instintivamente senti perigo.
Virando a cabeça devagar, vi Ahin, que, sem nenhuma expressão, fez contato visual comigo. Nesse momento, a cena terrível que eu havia visto mais cedo cruzou minha mente.
“Argh!”
“Ugh!”
O cheiro de sangue na floresta.
As cabeças dos dois cavaleiros rolando no chão. Só pensar naquilo me fez ficar enjoada.
<E vou ficar sozinha num quarto com o pantera negra que fez tudo isso?>
Meu futuro era tão escuro quanto a noite por trás daquelas cortinas.
***
No meio da madrugada. Me esgueirei para fora do cobertor, com sucesso.
Olhei para trás.
Felizmente, ele não havia feito nada, apenas se jogando na cama e caindo no sono como se tivesse esquecido que eu também estava ali.
Ele parecia ter muito frio, pois havia se enrolado todo no cobertor, deixando apenas o rosto de fora.
<Ele é tão bonito.>
Ouvi falar que os predadores todos possuíam uma aparência imponente, mas vendo em pessoa, era realmente verdade.
Ele realmente havia falado sério quando disse que ia me comer? Ao vê-lo dormindo, parecia improvável que dissesse palavras tão rudes.
O rosto relaxado dele parecia calmo e gentil. No entanto, se abrisse os olhos, não sei por que, mas tinha certeza que voltaria a sentir calafrios.
Para falar a verdade, também me sentia ameaçada pelos caninos que apareciam toda vez que ele falava ou ria.
Bastava olhar para um canino e meu corpo se congelava de imediato. Soltei um suspiro leve.
Ainda olhando para o rosto de Ahin na luz da lamparina, comecei a olhar o quarto. Examinei por muito tempo, mas não havia nenhum buraco pelo qual eu pudesse escapar.
Mas pra começar, estou no meio do Território das Panteras Negras.
Mesmo que conseguisse sair daqui em segurança, minhas chances de sobrevivência ficariam ainda menores.
Na verdade, escutei as criadas falando que homens-besta predadores costumam comer homens-besta herbívoros para manter a disciplina no continente.
“Temos que deixá-la mais adentro ou podem surgir problemas. Fomos ordenados a deixá-la morrer na mão das panteras negras.”
De repente, perdi as forças quando me lembrei do que tinha acontecido. Eu já tinha sido abandonada pela minha família.
Nem mesmo tinha para onde voltar.
“Ela está amaldiçoada!”
“Pobre menina, Deus a abandonou!”
O templo havia dito que eu estava amaldiçoada, mas eu não sabia bem.
Não achava que só por não ter conseguido me transformar seria amaldiçoada. De qualquer modo, falaram em maldição, e eu era a ovelha negra.
Era claro que planejaram que eu morresse no Território vizinho.
O que fazer agora? Estava frustrada porque não conseguiria sobreviver sozinha.
Mesmo que conseguisse não ser assassinada, o futuro era sombrio para uma coelhinha que não conseguiria aguentar nem um leve golpe de um humano.
Pulando no travesseiro, cheguei mais perto do rosto de Ahin.
Se não fossem pelas mãos desse homem na floresta, eu provavelmente teria sido devorada pelos animais normais dali. Ele hoje havia sido meu benfeitor, mas, amanhã…
Era uma relação muito instável, pois ele viraria meu inimigo se tentasse me comer.
<…Até o momento, acho que só tenho a agradecer.>
A pele de Ahin, que estava logo abaixo do meu nariz, ela perfeita, sem nenhuma mancha sequer.
No momento em que estiquei a pata dianteira para expressar minha gratidão, os olhos dele se abriram.
Tradutora: Nopa.
Revisão: Holic.
ABlossom
Obrigada pela tradução 🥰🥰🥰🥰