A Relação simbiótica entre uma lebre e uma pantera negra - Capítulo 19
Minha preocupação aumentou. Olhando para o teto, que parecia mais alto que de costume, suspirei pesadamente.
“Alguns homens-besta coelhos cruzaram a fronteira para verificar se você tinha sobrevivido. Oh, mas eu matei todos, então não sei muita coisa além disso.”
O que tinha acontecido com a loba ainda estava em minha cabeça. Como ele podia falar palavras tão horríveis com um sorriso refrescante?
“Pensei que os homens-besta coelhos iam ser bonitos, mas tinha mais homens barbados do que eu esperava.”
Era complicado entender o que passava pela cabeça dele. Afinal, era difícil acreditar que ele não sabia de muita coisa, pois parecia ter certeza que eu era uma mulher-besta e que ainda não havia me humanizado.
Mas não parecia saber sobre a minha família. Em geral, os nobres têm dezenas de filhos, e todos aqueles que não são aptos à sucessão são abandonados com facilidade. Um filho único, como Ahin, era muito raro.
‘Os homens-besta coelhos que cruzaram a fronteira… provavelmente foram enviados pelos meus pais.’
Afinal, os cavaleiros que foram mortos por Ahin no dia em que cheguei ao território das panteras negras nunca retornaram. Eles devem ter enviado outras pessoas para averiguar se eu realmente tinha morrido.
Me senti amarga quando percebi isso. Como Ahin reagiria se eu contasse a ele os detalhes de como tinha sido abandonada?
“Eu gosto de Vivi porque ela é uma coelha.”
A frase que Ahin murmurou de repente foi espontânea, mas fez meu coração disparar. Parecia indicar para mim que eu seria odiada se fosse uma mulher-besta, mas se fosse uma coelha normal estaria tudo bem.
Mas deixando isso de lado, os murmúrios de Ahin, que continuava falando para si mesmo, eram o maior problema.
“Se fosse humana, seria complicado.”
Quando o olhei, surpresa, Ahin deu um sorriso angelical, como se não tivesse dito nada demais.
Normalmente, eu ignoraria como parte da loucura desse pantera negra, mas agora as coisas eram diferentes. Eu tinha virado humana e voltado a ser coelha.
<Se Vivi fosse humana, seria complicado?>
Ele estava dizendo que se apegou imensamente ao seu pet coelho? Seja qual for a razão, foi uma frase muito embaraçosa.
<Ele não quer que Vivi se humanize?>
Se pudesse, gostaria de olhar dentro da cabeça de Ahin por um momento. Além disso, o fato de que Rune sabia que eu tinha virado humana só aumentava minha ansiedade.
***
“Bebê.”
Escutei Valence me chamar durante a hora do chá enquanto olhava para o nada, distraída.
“Seus feromônios estão uma bagunça.”
Ela tomou seu chá preto com um sorriso. Até então sem prestar atenção, olhei para o meu corpo rapidamente.
Estava perdida em pensamentos, então não estive praticando como concentrar minha energia. Decidi voltar a praticar com diligência, erguendo o punho, e Valence alisou minhas costas como se estivesse orgulhosa.
“Seu cheiro me acalma.”
<Meu cheiro?>
Levando isso em conta, podia ser essa a razão pela qual ela me convidava para o chá com tanta frequência. Mas que cheiro era esse? Infelizmente, era impossível cheirar os seus próprios feromônios.
“Seus feromônios são muito bons.”
Será mesmo? Cheirei minhas patas dianteiras, mas não senti nada. Feromônio. Tudo que tem acontecido comigo ultimamente tem relação com essa palavra.
***
“Senhorita Coelha, cuidado para não tropeçar em nenhuma pedra.”
Meimi gritou preocupada no caminho de volta, após o chá. Virei a cabeça e vi que ela estava bem distante.
<Venha mais rápido!!>
Vamos, Meimi! Me virei após fazer um gesto para que ela se apressasse e voltei a correr.
Meimi tinha suas próprias regras. Dar um passeio significava ir até o jardim, ler era na biblioteca, e exercício só era feito no campo de treinamento.
Ela não parecia querer correr espontaneamente, apesar de eu estar acelerando tanto como conseguia.
“Seu cheiro me acalma.”
Estava ficando louca. Não podia ignorar essas palavras da Senhora Valence. Ela era a líder do clã das panteras negras, e era muito poderosa.
“Lorde Ahin, o número de horas que tem dormido parece estar aumentando esses dias.”
“Não tenho vontade de levantar quando durmo ao lado de Vivi.”
“Mas o Lorde não fica na cama até tarde somente nos dias que tem treinamento matinal?”
“Oh, é mesmo?”
Também tinha ouvido uma conversa assim entre Ahin e Evelyn. Parando pra pensar, Ahin parecia estranhamente decidido a dormir na mesma cama que eu, desde o primeiro dia. Talvez tenha algo a ver com os feromônios?
[Alguns dizem que a humanização pode se atrasar quando os feromônios são poderosos demais.]
Eu havia lido isso naquele livro. Se por um acaso… esse for meu caso…
A hipótese já não parecia tão absurda, pois eu tinha me humanizado ontem, o que até então parecia impossível.
Logo, cheguei no campo de treinamento da mansão, o lugar que procurava. Parei derrapando e sinalizei para Meimi.
<Meimi, você espera aqui.>
Se ela notasse meus feromônios, poderia trazer problemas.
Me afastei mais um pouco até Meimi ficar pequena no horizonte.
Não tinha nada nem ninguém ao redor, mas Meimi, sempre vigilante, retirou uma adaga do bolso do avental.
<Ela é confiável…>
Me concentrei na energia que sentia dentro de mim.
Feromônios traziam habilidades especiais, além de carregar cheiros. No entanto, isso não se aplicava a todos os homens-besta. A diferença no poder da habilidade vinha da linhagem, e a maioria das pessoas não tinha habilidade nenhuma. E assim se formou a sociedade de castas do Continente, com os homens-besta mais poderosos no comando.
Resumindo, era muito provável que eu tivesse alguma habilidade, considerando a linhagem nobre da família Labian.
<Será que posso descobrir qual é…?>
Naquele momento, havia esticado a pata e enxergado uma mão humana. Talvez não fosse tarde demais para alcançar uma humanização definitiva de alguma maneira.
Parando pra pensar, quando absorvi os feromônios de Ahin e daquela mulher-besta raposa, senti os feromônios de meu corpo se remexendo antes de começar a sentir dor.
De pé nas patas traseiras, estiquei as dianteiras para o céu. Então devagar, concentrei minha mente em liberar os feromônios através das patas.
Então, um feromônio tão poderoso como eu nunca tinha sentido antes de vir para o território das panteras negras, surgiu.
***
Ahin e Evelyn, retornando da cidade, desceram da carruagem. Ahin se lembrou do que tinha acontecido na noite anterior.
Ele havia levado a coelha como sua acompanhante ao baile de propósito, esperando que os rumores se espalhassem. Não sabia se sua mãe tinha notado suas intenções, mas tinha recebido muita atenção por causa dos comentários de Valence enquanto ele segurava a coelha. Por isso, a probabilidade que a família de Vivi escutasse sobre isso, sem ter que mandar mais homens cruzarem a fronteira, era alta.
Apesar de não ter ideia de quem era a família de Vivi, sendo possível que fossem nobres reclusos ou que morassem num lugar isolado, seria difícil que as fofocas não chegassem a eles a essa altura.
“Lorde Ahin, estou chateado porque está guardando muitos segredos ultimamente.”
Olhando para Ahin, que ergueu o canto da boca, Evelyn continuou.
“O Lorde não me conta nada, especialmente sobre a coelha. É de partir o coração.”
Na verdade, Ahin não tinha mencionado nada em particular sobre a coelha. Algo que Evelyn achou positivo, principalmente agora que sabiam que ela se tratava de uma mulher-besta de 18 anos de idade que ainda nem mesmo havia se humanizado.
“Evelyn, seu coração realmente dói?”
Ahin se virou e Evelyn estava fazendo uma pose. Ele tinha as mãos em volta do coração como se estivesse sofrendo um infarto. Um modelo de servo leal com uma expressão neutra no rosto. Na verdade, muitos dos funcionários dos Grace estavam sendo enganados por aquela cara.
“Claro, é um exagero.”
“Eu sabia.”
Ahin, que sentiu vontade de cortar-lhe o pescoço, colocou a mão na espada.
“Cuidado com a boca.”
“Sim.”
Por fim, a atmosfera tornou-se pacífica. Ahin, que ergueu as sobrancelhas uma vez para Evelyn, continuou andando.
Alguns minutos depois, eles viram Meimi à postos, com as mãos juntas educadamente. Ahin estava certo de que era hora do passeio de Vivi.
“Meimi?”
“Boa tarde, Lorde Ahin.”
No momento em que Ahin se aproximou, ela se curvou profundamente. Quando ele olhou em volta, uma bola de algodão branco no meio do campo de treinamento estava se movendo energeticamente.
Ahin e Evelyn, que encaravam Vivi com olhos franzidos, pareciam desconfiados.
“Meimi, eu disse para você evitar trazê-la para lugares desertos da mansão enquanto o leão ainda está hospedado aqui.”
“Eu sinto muito. Mas a Senhorita Coelha insistiu em vir aqui de qualquer maneira.”
Por que um coelho estaria usando o campo de treinamento? Mais uma vez, os olhos dos três se voltaram para Vivi. Ela parecia muito séria, como se estivesse se concentrando em algo.
Eles continuaram assistindo e Vivi, que logo ficou em pé nas patas traseiras, jogou as dianteiras para o alto.
“O que ela está fazendo?”
Com a pergunta de Ahin, Meimi abriu e fechou a boca hesitantemente. Na verdade, ela estava assistindo por mais de uma hora, mas ainda não sabia o que ela estava fazendo.
“Eu acho que sei. É definitivamente um treinamento.”
“Treinamento?”
Ahin e Meimi reagiram à fala de Evelyn, que veio do nada.
“Eu levei muitos chutes da Senhorita Coelho, e a precisão, velocidade e ângulo deles eram perfeitos demais.”
Recordando a noite passada, ele tocou a própria bochecha.
“Na verdade, o Lorde Manionz também nem conseguiu falar após ser chutado por ela ontem.”
Ela definitivamente havia chutado os lábios de Rune com força o suficiente para prejudicá-lo. Ahin e Meimi, que sabiam que tudo não poderia passar de um dos absurdos de Evelyn, olharam para o campo de treinamento novamente.
Whoosh, whoosh. Ela parecia realmente estar treinando. Como se para confirmar a teoria de Evelyn, começou a rodar para trás no ar.
“Evelyn, que gesto é esse?”
“É uma cambalhota.”
Meimi, que estava olhando com desconfiança, baixou os olhos ao perceber algo se aproximando por baixo. Havia um animal preto familiar a seus pés.
“Ash?”
Uma das panteras negras de Ahin, uma fêmea brilhante e trabalhadora. A expressão de Meimi mudou com o aparecimento de Ash.
Tinha certeza de que Ash morava na fronteira da floresta com o território das lebres, então por que estaria ali, dentro da mansão? Ahin, que percebeu tal pergunta, inclinou-se e acariciou a cabeça de Ash.
“Quando Vivi foge, é difícil pegá-la.”
Em um instante, ele lembrou da coelha cruzando o salão de baile como um raio. Vivi, em particular, era extremamente rápida, então era muito difícil persegui-la em forma humana.
Ahin havia se sentido frustrado naquele momento. Mas desfazer a sua humanização para persegui-la seria um incômodo, então ele trouxe Ash para vigiá-la e acompanhá-la.
“Ash.”
Ao ouvir o chamado, a pantera negra ronronou, expressando obediência. Ahin, que tocou o pescoço dela, apontou para Vivi no campo de treinamento.
“De agora em diante, esse coelho é o seu mestre.”
Mestre. Os olhos de Ash, que entendiam o significado da palavra, simplesmente ficaram em Vivi, que estava rolando no chão. A cauda preta tremulou no ar, concordando.
“Você nunca pode machucá-la.”
Ahin, que ordenou em voz lenta, liberou os seus feromônios com precisão. Ash, que os inalou, levantou-se em resposta. Não demorou muito para ouvir os passos leves de Ash, que se dirigiu para Vivi.
Tradução: Nopa.
Revisão: Holic.