A Relação simbiótica entre uma lebre e uma pantera negra - Capítulo 14
Mesmo tarde da noite, a atmosfera entre mim e Ahin continuava fria. Para ser exata, eu que estava com raiva, unilateralmente. Ahin parecia confuso porque eu nem mesmo olhava na direção dele.
<Não acredito que ele era o próximo chefe do clã!>
Ahin é um nobre mas não tem muitos criados pessoais. Ele sai por aí sozinho e tem horários consistentes para sair e voltar para o quarto. É porque panteras negras são animais que não vivem em bando?
Por essas razões, não pensei que ele tivesse um status tão alto. A distância era tão grande que nós nunca nos encontraríamos na vida mesmo se eu não tivesse sido expulsa da família Labian.
Quando escutei ele saindo do banheiro, cavei um túnel nas cobertas e me enfiei no travesseiro. Quanto tempo fazia que eu não me escondia assim?
Escutei barulhos e senti o movimento de Ahin do lado de fora.
“Dentro do território das panteras negras, quem me desobedecer é decapitado.”
Ele falou sem nenhuma emoção, mas eu tremi quando percebi o que ele queria dizer com isso.
“Meimi é sua criada e segurança pessoal, mas não fez nada para ajudar. Ela falhou em seu dever.”
Nervosa, cavei um caminho para fora do travesseiro. Botei a cabeça pra fora das cobertas. Ahin, sentado na beira da cama, tocou meu nariz com a ponta do dedo.
“Então, posso punir Meimi de acordo com o crime que cometeu?”
De jeito nenhum. Ela só tinha saído por 10 minutos para pegar um feno para que eu pudesse lanchar. Meu coração havia disparado e estava preocupada. Quando fiz que não com a cabeça, Ahin sorriu.
“Mas isso não é uma decisão que cabe a Vivi. Quem manda sou eu.”
‘Então pra que perguntou?’
Joguei esse pensamento pra fora de minha cabeça e fiquei em pé em duas patas, segurando a mão de Ahin com as patas dianteiras.
<Por favor, seja generoso.>
Meus olhos trêmulos se moveram para a espada de Ahin, que estava no sofá. Sangue seco escuro estava manchando a empunhadura.
Era fácil deduzir que durante a investigação, ele havia matado alguém. O fato de que isso era algo trivial para Ahin fazia eu me preocupar ainda mais.
Por isso, essa história de decapitação, que parecia uma ficção louca, podia muito bem ser a intenção séria dele. Imaginando ele cortando o pescoço de Meimi, chacoalhei a cabeça em desespero.
“Quando imagino que aquela cachorra podia ter te devorado, fico muito irritado.”
Ahin, que tinha parado de sorrir, murmurou.
“Estou me segurando, sabe.”
<O que, isso é se segurar?>
Como podia ser verdade? Só consegui ficar olhando pra ele, chocada, para não desmaiar.
“De qualquer modo, se quer que eu perdoe a Meimi, não deveria me dar algo em troca?”
Era como pedir um empréstimo com o pescoço de Meimi como garantia. Eu, que estava infeliz, o evitei quando ele me olhou nos olhos. Olhando para a parede, ouvi um silêncio desconfortavelmente longo.
“Aqui vai: não chore em nenhum outro lugar.”
<Como assim?>
Fiquei nervosa com o pedido inesperado, então voltei a olhar para ele. Ele tinha dito que eu só ia viver se chorasse.
Parando pra pensar, logo depois que pulei da varanda, Ahin havia sussurrado “Não chore”. E agora, o que estava falando?
“Só chore quando eu ordenar, e só na minha frente.”
<Quê!?>
Como esperado, esse predador estava além da compreensão racional. Eu dei um suspiro pesado, mas ele estendeu o dedo mindinho como se fosse selar uma promessa.
Descarado, Ahin estava sorrindo. Como não estava em posição de me rebelar, estiquei a pata dianteira para o dedinho com o coração pesado.
“Ah, e mais uma coisa.”
<O que, agora?!>
“É melhor combinarmos um sinal para usar no futuro se você estiver em perigo. Para que eu possa entender o que Vivi está comunicando.”
Me sentia estranha. Ninguém nunca havia pensado nisso e eu nunca esperava que pensassem. Ninguém se importava em me entender.
“Vamos decidir agora.”
Ahin pegou minha pata dianteira esquerda com o dedo indicador.
“Levante a pata esquerda se estiver em alguma emergência. Ok?”
Com a outra mão, ele levantou minha pata dianteira direita. Agora ambas minhas patas estavam no ar. Um momento de agonia se seguiu.
“Quando quiser me chamar, levante a pata dianteira direita. O resto, expresse como achar melhor.”
Ele falou numa voz debochada. Depois, Ahin, abaixou minhas patas com um sorriso.
“Agora, vamos praticar. Quando há perigo…?”
<Quer que eu faça agora?>
Quando o olhei aborrecida, ele acariciou meu queixo. Levantei a pata esquerda relutantemente, olhando pra baixo
“Quando for pra me chamar…?”
Ahin assentiu satisfeito quando levantei a pata direita em seguida. Ele gostou tanto disso? Me olhando com os olhos alegres, ele acariciou meu queixo de novo como recompensa.
“Sim, muito bem.”
Ele respondeu como se estivesse orgulhoso por eu ter entendido. Mas naqueles olhos vermelhos, eu não enxergava a afeição de um dono por seu pet. Me sentindo estranha, encarei Ahin sem expressão.
Dizem que os homens-besta que passam por dificuldades ficam mais fortes.
<Espero que esse provérbio se aplique a Vivi.>
Só posso esperar pra ver.
***
Fiquei acordada e esperei até bem tarde, então cavei um caminho para fora das cobertas com cuidado.
Uma sombra cobria o belo rosto de Ahin. Agitei a pata na frente de seus olhos e toquei o seu nariz de leve, mas ele não se mexeu.
<Está mesmo dormindo?>
Escutei o som de sua respiração constante e profunda. Se está acordado, avise de uma vez. Esperei só para garantir, mas ele não se moveu mesmo após eu o encarar por um longo tempo.
<…Certo, ele está dormindo.>
Parada na frente da cara dele, me lembrei da situação horrível de algumas horas atrás.
Eu estava sendo perseguida por um lobo que babava. A aparição da loba foi uma oportunidade para que eu parasse e refletisse sobre como a minha vida estava em risco constante.
Eu quase tinha esquecido porque estava vivendo confortavelmente. Mas é impossível para um coelho filhote sobreviver num mundo cheio de predadores. Mesmo na cadeia alimentar, estou na base da pirâmide, então não sei como sobrevivi até agora.
Além disso, essa é a mansão da chefe do clã dos panteras negras, o local onde os predadores se juntam para reuniões. Para aumentar minhas chances de sobrevivência, eu precisava me humanizar o mais rápido possível, ou ao menos conseguir fugir para um território de herbívoros.
Os cabelos prateados se derramavam sobre o travesseiro branco. Ahin tinha separado o trabalho do dia que não tinha podido completar e caído no sono. O olhei e refleti. Há algum tempo, Ahin havia mordido meu pescoço e naquela madrugada, eu havia enxergado minha pata como uma mão humana, com dedos.
Se aquela mão realmente era minha, a chave deve ter sido ou os caninos dele ou os feromônios. Lembrar daquela cena me recordou da dor estranha que senti.
Depois de engolir em seco, me aproximei de Ahin ainda mais. A tensão aumentou. Nervosa, estiquei minha pata dianteira. Com muito cuidado.
<Por favor, não se mova, senhor pantera negra.>
Minha pata trêmula tocou os lábios de Ahin e a puxei de volta. Queria correr só por ter chegado a isso, mas sacudi a cabeça e me controlei.
Já estava com vontade de chorar. Se eu fugir, tudo estará acabado. Reuni coragem e estiquei novamente a pata.
<Vivi conseguirá.>
Dessa vez, obtive sucesso em colocar a pata entre os lábios de Ahin.
<Isso.>
Agora, só precisava que ele me mordesse, que nem da última vez. Controlando o medo, movi a pata levemente. Toquei em dentes afiados.
<Hein?>
Minha expressão, que estava esperançosa, decaiu rapidamente. Por que sinto que os lábios dele estão se apertando em volta da minha pata? Quando movi a cabeça, tremendo, enxerguei olhos vermelhos entreabertos.
<Oh, meu deus!!>
Com meu grito silencioso, tentei puxar a pata de volta, mas os lábios que a prendiam não deram sinais de afrouxamento.
<Me desculpe por ter te acordado, então, por favor…>
Enquanto implorava com os olhos, Ahin emitiu sons como se quisesse responder. No entanto, com minha pata na boca, ele não conseguia falar, o que parecia frustrá-lo. Ele franziu a testa.
<É só me soltar e vai poder falar, vamos!>
Eventualmente comecei a empurrar a bochecha dele com a pata traseira, mas Ahin não soltava, com os lábios fechados. Que teimoso. Ele começou a sugar minha pata mais a fundo em sua boca.
Comecei a suar frio e meu instinto de fuga gritou. Minha pata ia sendo gradualmente engolida e sentia uma língua e dentes afiados.
<Não!!>
Chocada pela textura que nunca tinha sentido antes, fiquei em pânico.
Foi a terceira vez que desmaiei desde que cheguei no território das panteras negras.
***
O céu estava escurecendo. Hoje era o dia do baile da família Grace, aquele que eu tinha descoberto graças à conversa entre Rune e Meimi. Era um evento tão importante que não tinha sido alterado apesar da confusão com a invasão do clã dos lobos.
<Uau!>
Eu exclamei olhando do terraço do quarto de Ahin. Pude ver carruagens decoradas passando através das barras, e percebi que essa realmente era a mansão da líder de um clã. Além disso, todos os homens e mulheres-besta que saltavam das carruagens estavam enfeitados com roupas chiques e extravagantes.
Olhando para a cena, de repente vi meu reflexo no vidro da janela. Um coelho bebê com pelo branco, no tamanho de um punho humano.
<Não importa.>
Não gosto de me ver no espelho, mas não estou desanimada. Fazia muito tempo que eu não me comparava com os outros homens-besta, que já tinham se humanizado. Há muitos anos, meu maior sonho era me transformar em humana, mas isso estava no passado. Tinha medo de continuar pensando nisso mesmo agora. Devia usar meu tempo pensando em outra coisa.
Mas será que conseguiria? Essas emoções que tinha guardado começaram a surgir de novo.
“Senhorita Coelha.”
Escutei passos de duas pessoas se aproximando. Do meu lado, refletidos na janela, estavam não apenas Meimi, mas também um homem-besta que eu nunca tinha visto, ao seu lado.
Tradução: Nopa.
Revisão: Holic.