A Relação simbiótica entre uma lebre e uma pantera negra - Capítulo 13
A voz que me chamou era descontraída e casual, totalmente sem noção da situação urgente na qual eu me encontrava. Nunca pensei que chegaria o dia no qual eu ficaria feliz em escutar aquela voz.
<Ahin!>
Fiquei emocionada. Quando olhei para baixo, da varanda, vi duas pessoas iluminadas pelas lamparinas. Era uma distância de uns três metros. Apesar de estar no primeiro andar, parecia muito mais distante.
Junto a Ahin, embaixo da varanda, estava aquele homem-besta leão que parecia ter uma péssima relação com Ahin. Meimi havia me dito que o nome dele era Rune Manionz, do clã dos leões.
<Esse leão ainda estava por aqui?>
Não era hora de pensar nisso. A loba hesitou quando viu quem estava lá embaixo. Encarando os dois, eu acenei com a pata dianteira implorando por ajuda.
<Tem um lobo aqui!! Um lobo de verdade, salivando!>
Apesar do meu grito interno desesperado, Ahin apenas acenou alegre, dizendo “oi”.
“Lorde Manionz, acene de volta também.”
“….?”
“Não é falta de educação não responder a um cumprimento?”
“Não diga absurdos.”
<Não é nada disso!!>
Frustrada, eu fiquei de pé em duas patas e acenei freneticamente. No entanto, Ahin e Rune apenas levantaram as sobrancelhas, como se não tivessem ideia do que eu queria dizer.
“O que ela está tentando nos falar?”
“…? Como é que eu vou saber?”
“É por isso que leões não servem para nada.”
“Como é?”
Para piorar, eles estavam tendo uma briga inútil. Estava perdida. Os olhos da loba, que tinha hesitado até escutar a conversa deles, faíscaram. Ela lambeu os lábios e se aproximou despreocupada.
<Essa não, aí vem ela.>
Não conseguia imaginar nenhuma maneira de evitar ser mastigada com meu corpo trêmulo. Infelizmente, os dois não conseguiam entender a situação nem um pouco, ainda discutindo sobre o que o aceno significava.
<Suas bestas malvadas!>
O som dos passos da loba ficava cada vez mais próximo. A queda era tão grande que ficava tonta só de imaginar, mas não pude hesitar. Depois de evitar garras que vieram em minha direção por muito pouco, me joguei no ar.
“Como uma coelha pode acenar cumprimentando?”
“Ela é uma coelha gênia e…. Vivi!!”
Não apenas Ahin, mas Rune também arregalou os olhos. Nos reflexos dos olhos deles, uma coelha caindo no ar estava refletida.
Ahin estirou os braços.
<Ahhhhhhhh!>
Quanto mais perto chegava do chão, mais rápido eu caia. Aterrorizada, eu logo me vi deitada em algo. Sem conseguir me endireitar, soquei e chutei e então ouvi.
“Vivi, pare um minuto.”
Quando escutei a voz familiar, a superfície na qual eu estava deitada ficou clara.
<…Cabelo?>
Assim que o cabelo prateado tomou foco em minha visão, comecei a me acalmar. Parei de me mexer e analisei a situação.
Eu tinha caído bem na testa de Ahin, bagunçado todo o seu cabelo e arranhado seu rosto. Esquece o lobo, poderia morrer essa noite nas mãos de um pantera negra.
“Vivi.”
Ahin, que me removeu de sua cara, estava bravo.
“Por que pulou assim do nada? Resolveu se dedicar a esportes radicais?”
Por que sempre fala as coisas mais absurdas? Pendurada pela pele do pescoço, queria chutá-lo com as patas traseiras se pudesse. Talvez não seja a única a pensar isso, pois ao fazer contato visual com Rune, ele tinha uma expressão chocada.
“Lorde Grace, não sente um odor estranho?”
Rune de repente olhou para a varanda. Ahin seguiu o seu olhar e seus olhos vermelhos logo se estreitaram.
“Lobo.”
Assim que ele acabou de falar, pude ouvir um uivo de dor da loba lá de cima.
Logo Meimi apareceu, correndo e se debruçando na varanda. A sua expressão apática de sempre tinha se quebrado.
“Senhorita Coelha!!”
O olhar de Meimi logo me encontrou na mão de Ahin.
O suspiro de alívio que ela deu se perdeu no ar da noite.
<Meimi…!>
Assim que vi Meimi, senti que estava segura novamente. Agora que meu corpo estava relaxado, senti que ia chorar. Nesse momento, Ahin se aproximou de minhas orelhas e murmurou.
“Não chore agora.”
Antes ele me mandava chorar mais…!
No entanto, os olhos franzidos dele pareciam conter algum tipo de aviso, então mordi os lábios e engoli as lágrimas.
***
De acordo com a explicação de Evelyn, a pessoa que me atacou era uma mestiça do clã das panteras negras e dos lobos.
É por isso que os olhos dela eram vermelhos, ela tinha sangue de pantera misturado. E para piorar, ela escolheu se suicidar imediatamente após ser atacada por Meimi.
Foi confirmado que ela havia se infiltrado na mansão através da contratação temporária de novos criados, e logo houve uma confusão quando todos os novos contratados foram forçados a se transformar em suas formas animais para provar que realmente eram panteras negras.
Realmente, a relação entre o clã das panteras negras e dos lobos era muito complicada. Era inimaginável conceber algum mestiço se infiltrando no território das lebres. E por que ela me atacou? Será que estava morrendo de fome, ou porque sou o “lanche de Ahin” ela ficou curiosa pelo sabor?
Além disso, a escolha extrema que ela havia feito, se matando, era algo tão fora do mundo no qual eu vivia, que parecia uma mentira. Eu tinha muitas perguntas rodando em minha cabeça.
Mas minha concentração foi quebrada por uma mão que se aproximava, tentando me tocar.
<Se manda!>
Quando afastei a mão com um tabefe, ela retrocedeu. Isso já tinha acontecido dez vezes.
Enquanto Evelyn e Ahin estavam inspecionando os criados, eu e Meimi ficamos esperando no escritório. No entanto, havia um problema, e ele se chamava Rune, o leão, que, por alguma razão, estava lá também e havia se sentado no sofá ao meu lado.
<O que esse predador está fazendo aqui…?>
Me lembrei da voz de Ahin enquanto a mão do leão, que não desistia, se aproximou uma vez mais.
“Se eu sentir cheiro de leão em você uma vez mais, eu vou….”
Naquele momento, eu havia estremecido.
Mais uma vez, afastei a mão de Rune com um tapa.
“Isso dói.”
De tanto eu dar tapas nele, parece que tinha se ferido. Evitei os olhos dourados, únicos do clã dos leões. Ele se virou para Meimi, que estava parada, alisando sua mão avermelhada.
“Ei, ela é uma mulher-besta que está na forma animal momentaneamente, correto?”
“A Senhorita Coelha é um coelho normal.”
Meimi o cortou de uma vez. No entanto, o fato de que eu era da raça dos homens-besta e não estava humanizada era correto, então fiquei bem surpreendida.
Ele sentiu meus feromônios, assim como Valence? Se sim, ele devia ser muito poderoso.
“Eu não acredito.”
Rune, que não desistia de tentar interrogar Meimi, falou novamente. A confiança dele era tanta que fiquei irritada.
“Sinto muito, mas ela é um animal normal.”
“Como assim, animal normal? Ouvi rumores que ela entende tudo que dizemos.”
“É um animal levemente especial.”
Ela não podia responder sem falar “animal”? Meimi parecia muito determinada.
“Está dizendo que ela é um animal de estimação? Daquele pantera negra?”
Rune desdenhou, me encarando com seus olhos dourados. Ao contrário da expressão debochada que Ahin sempre trazia, Rune parecia tranquilo, porém afiado. Dava para sentir vagamente a indolência de um leão.
“Posso realmente aceitar a ideia de que aquele pantera negra enlouqueceu?”
Na última vez, ele tinha dito a Ahin que ele estava louco. No entanto, acho que como ele era alguém de posição muito elevada, seria normal hesitar sobre tal declaração.
Eu não posso falar nada a ele, de qualquer modo. Rune, com os olhos cheios de perguntas, encontrou meus olhos.
“Por que aquele lobo foi atrás de você? Bem, é verdade que você deve ter um bom sabor, mas…”
Aparentemente, esses predadores sempre pensam primeiro no próprio apetite. Como podem falar absurdos tão cruéis desse jeito?
Eu não ligo para ele, e Rune não liga para meus sentimentos. Estamos quites.
“Talvez esse acontecimento faça com que os Grace adiem o baile.”
“Os convites já foram enviados, então a não ser que haja algum tipo de emergência extrema, seguiremos como planejado.”
“Oh, que saco. Então não posso voltar para o meu território?”
Quando Meimi respondeu, ele pareceu irritado e se enterrou no sofá.
“Se não puder voltar logo, vou acabar morrendo de tédio.”
Ele não parava de se lamentar.
<Baile?>
Foi então que entendi porque o número de criados havia aumentado e a mansão parecia tão movimentada. Os Labians também costumavam contratar empregados temporários quando organizavam grandes festas. Apesar de que eu nunca tive a permissão para participar, me perguntei como seria aqui, uma mansão que era duas vezes o tamanho da mansão Labian.
<Quantos nobres serão convidados?>
Eu nem conseguia imaginar. Enquanto pensava absorta no assunto, dei uma olhada para Rune.
“Você deve ter ficado assustada. Mas na verdade não é incomum que pessoas de outros clãs se infiltrem nas casas dos chefes de clãs.”
A expressão entediada de Rune tinha um ar de riso. Ele tinha um tom sarcástico, como se estivesse falando de algo que não importasse muito.
“Aqui não é um bom lugar pra uma herbívora morar.”
“Lorde Manionz.”
Preocupada comigo, que ainda não tinha me recuperado da perseguição pela loba, Meimi interrompeu as palavras de Rune. Eu ainda não estava totalmente livre do medo, mas agora estava preocupada por uma razão diferente.
“Não é incomum que pessoas de outros clãs se infiltrem nas casas dos chefes de clãs.”
Oh, não consigo acreditar. Deitei com as patas sobre a cabeça. A família Grace. Valence Grace. Ahin Grace. Me lembrei de uma conversa entre as criadas da família Labian que tinha escutado há muito tempo.
“Ouvi falar que houve um massacre. Um grupo do clã das hienas passou pelo nosso território. Se alguém entrar na floresta, cruza a fronteira para as terras da família Grace. E parece que eles resolveram pegar um atalho e foram para lá.”
“Oh, céus, sabia que essa floresta é cheia de cadáveres? Essa família Grace é muito perigosa. Como podemos sobreviver nesse mundo de predadores?”
Elas costumavam fofocar sobre predadores, mais frequentemente sobre o clã das panteras negras e dos leões devido à proximidade dos territórios. Finalmente eu percebi de onde vinha a sensação de déjà vu que eu senti quando escutei o nome completo de Valence. Ela era a chefe do clã das panteras negras!!
Como não existia família real, o chefe do clã comandava todas as panteras negras. Uma mansão enorme, com muitos anexos e riqueza. Terras tão extensas que não se enxergava o fim. E se Valence era a chefe, isso quer dizer que o filho dela, Ahin, seria o próximo chefe…
O chefe do clã das panteras negras.
Precisava me acalmar, me acalmar… Mas não conseguia parar de rolar no sofá.
“O que aconteceu com ela?”
“Senhorita Coelha?”
Vozes surpresas ressoavam, mas eu não escutei nada. Agora eu conseguia entender a atitude e arrogância de Ahin, que agia como se fosse o dono do mundo.
Enquanto rolava pra cá e pra lá, acabei caindo do sofá. E minha visão ficou escura, tanto quanto o pêlo de uma pantera negra.
Tradução: Nopa.
Revisão: Holic.