A Relação simbiótica entre uma lebre e uma pantera negra - Capítulo 122
O sol estava ficando cada vez mais quente. Ahin tirou o paletó, abriu as abotoaduras da camisa e rolou as mangas até o cotovelo.
Se sentindo melhor, ele andou lentamente pelo caminho tranquilo, onde não havia ninguém. Belas árvores estavam plantadas rodeando a estrada que levava ao coelhário.
Fazia tempo que ele não sentia o cheiro fresco de grama, em vez do de feromônios e de sangue. Pensando assim, Ahin ergueu o olhar.
Uma torre de relógio branca, que não combinava muito com o aspecto natural da área, estava ali. O tempo que ele tinha passado com Vivi estava gravado nele. Mas tudo o que restava agora eram memórias.
Tic, toc.
Ahin abriu seu relógio de bolso. Ele fechou a tampa e voltou a abri-la algumas vezes, sentindo a brisa. Fazia um ano e meio que Vivi tinha desaparecido. E, portanto, fazia um ano e meio que ele não a via.
Os ponteiros do relógio continuavam a se mover, e as estações do ano continuavam a mudar, mas o tempo de Ahin tinha ficado congelado naquele mesmo dia com Vivi.
Quando ele acordava de manhã, tinha o hábito de procurá-la na cama, e, por não gostar do quarto frio e vazio, criou a rotina de passar as noites em claro trabalhando no seu gabinete. O medo de que ela pudesse não voltar nunca mais estava o levando para uma encruzilhada.
Evelyn tinha desenvolvido o hábito de costurar durante a noite.
“Barra, o que acha do meu trabalho?”
“Grr…”
“Ei, não a morda! É a substituta da Senhorita Coelha.”
Depois de muitas noites, uma boneca de coelha branca tinha nascido pelas mãos de Evelyn e sido colocada na cama de Ahin.
Olhando a boneca como se fosse um pano de chão, Ahin apenas encarou Evelyn, sem dizer nada. Parecia muito com o boneco de coelho que ele sempre carregava quando era pequeno.
De uma maneira ou de outra, Ahin tinha voltado para o quarto e tentado dormir. Portanto, Evelyn considerou que o plano tinha sido um sucesso.
A guerra que tinha começado pouco depois com clã dos lobos levou Ahin a pensar que Vivi não estava retornando devido ao perigo das batalhas. Ele repetia isso para si mesmo, mas nunca parou de procurá-la. Ele simplesmente não conseguia parar.
Valence parecia tê-la escondido mais a fundo ainda, como se fosse para zombar dele. Territórios dos Bois, dos Cervos, dos Cavalos, dos Bodes. Toda vez que ele pensava ter encontrado algum rastro, Vivi desaparecia como fumaça.
Essa situação, na qual ele não a encontrava por um fio de cabelo, continuou até a guerra terminar. Cerca de um ano depois, o território das panteras negras já estava estabilizado. E Vivi não havia retornado.
Só então ele percebeu que estava em negação. Ela não tinha retornado, mas não por truques de Valence ou devido à guerra. Era simplesmente uma decisão da própria Vivi.
Ela parecia assustada e indefesa à primeira vista, mas sempre tentava resolver seus problemas por si mesma. Por isso, ele sabia que ela não ficaria com mágoa dele por tê-la ferido, e que iria superar o trauma obtido naquela noite eventualmente.
Mas ainda assim, ele não conseguia parar de procurá-la. Porque sua ansiedade nunca o deixava esquecer.
A relação entre a coelha bebê e o pantera negra que a recolheu era tão frágil que podia se romper a qualquer momento. Mas um ano e meio de espera era demais. Ele tinha que encontrá-la de qualquer jeito.
Seja qual fosse a razão, por amor, obsessão, ou para implorar aos pés dela, ele sentia que só poderia seguir vivendo se pudesse se livrar dessa ansiedade. Só então seu relógio poderia voltar a andar.
Blem. Blem.
A torre do relógio começou a soar indicando a mudança de horário. Só então Ahin percebeu que tinha ficado parado pensando por muito tempo, e colocou o relógio de volta no bolso.
Nesse momento, passos ressoaram atrás dele. A pessoa que estava caminhando naquela direção se congelou ao ver Ahin. O som do vento balançando os galhos preencheu o silêncio.
O aluno da Academia parou para ver de longe o rosto de Ahin, seus cabelos prateados ondulando, e seus olhos vermelhos brilhando ao sol. O escudo da família Grace estava presente na espada que ele trazia em sua cintura, provando a identidade de Ahin.
O estudante, que parecia ter visto um fantasma, tapou a boca com as mãos. Mas não conseguiu parar antes de exclamar em voz alta.
“Ahin Grace..!!”
“Quê?”
Ahin girou e encarou o rapaz que tinha gritado seu nome. Como tinha olhos vermelhos, devia ser do clã das panteras negras. Considerando os feromônios que ele podia sentir, que não eram maus, devia ser um nobre, mas ele não se lembrava daquele rosto.
Uma coisa era certa – as bochechas coradas e olhos brilhantes do rapaz continham uma admiração óbvia.
“Como é seu nome?”
“Al… Aulong…!!”
“Aulong? Que nome esquisito.”
Alan Fredian, que tinha mordido a língua de nervosismo, parecia frustrado. Ele tinha perdido a chance de se apresentar direito para a pessoa que admirou por tanto tempo. Seus olhos tremeram.
Ahin, que não se importava nem um pouco com os sentimentos de Alan, tocou no ombro do estudante.
“Aulong, se seguir essa estrada, verá uma carruagem do lado de fora do portão. O cocheiro é um gorila.”
Alan tentou responder algo, mas Ahin o ignorou por completo e continuou falando.
“Vá até ele e diga que eu mandei alugar um quarto numa hospedaria próxima à Academia. Não creio que o meu avô vá me dar um lugar pra dormir.”
“…”
“Sua resposta?”
“Ah… Sim, sim, senhor!”
Alan saiu correndo na direção da carruagem. Quando Ahin o observou tropeçar nos próprios pés e cair de cara no chão, pensou que tinha escolhido um verdadeiro inútil para a tarefa.
***
Somente o som dos coelhos mastigando feno preenchia o silêncio.
<Ele já se foi?>
Vivi sorriu quando percebeu que seu perseguidor não tinha a reconhecido e foi embora. Para ela, que tinha se humanizado definitivamente há relativamente pouco tempo, não era nada demais voltar à sua forma de lebre para se esconder de Alan.
<Obrigada, amigos.>
Ela acenou com as patas para os outros coelhos, que tinham a ajudado a se esconder, os acariciando com orgulho.
Quanto esforço ela tinha feito para obter esses aliados dentro dessa Academia… Ela ia ao coelhário três vezes por dia para dar feno e cumprimentá-los.
Primeiro, tinha pedido ao Vovô que obtivesse feno de ótima qualidade. Com isso, já tinha ganhado o coração de todos os coelhos dali. Na verdade, o fato de que ela tinha sido ignorada pela maioria dos coelhos no território das lebres era provavelmente porque seus feromônios estavam escondidos pelo cheiro de Ahin.
E, bizarramente, tinha sido o pantera que tinha obtido todo o amor dos coelhos dali, porque ele estava envolvido pelos feromônios dela.
Saindo da baia, ela deu um passo quando escutou barulhos vindos da entrada.
<Qual é o problema dele? Alan voltou de novo?>
Assim que ela percebeu que podia ser descoberta, seu corpo foi erguido no ar. Antes que pudesse pensar, ela sentiu um aroma familiar.
<…Como…??>
Os olhos trêmulos passaram do colete azul-marinho para os olhos vermelhos.
<Como você está aqui?>
Por que Ahin estava na Academia, e, mais especificamente, no coelhário? Seria um sonho? No entanto, sua respiração, que estava presa, ainda entrecortada pela perseguição de Alan, mostrava que era real.
Assim que ela percebeu que Ahin era real, começou a lutar, mas era difícil escapar na forma de lebre. E quanto mais ela lutava, mais seu coração doía.
“Ei, se acalme.”
Os lábios vermelhos se abriram, e a voz grave que ela queria ouvir apareceu.
“Você se parece muito com ela.”
Ahin, a segurando com ambas as mãos, a olhou com olhos transparentes.
“Você é maior, no entanto… Uma lebre adulta. E mais gorda.”
Ele deve estar falando de mim mesma. Ainda assim, que rude! Quando estava quase perdendo a paciência, pisquei ao perceber.
Não me diga que ele não me reconheceu…. e está me tratando como se fosse uma lebre normal, e não uma mulher-besta?
<Não pode ser… A não ser que ele não saiba que passei por minha humanização definitiva.>
Fiquei chocada ao perceber o quão meticulosa tinha sido a Senhora Valence. Por um ano e meio, ela me ocultou perfeitamente. Parecia que nem mesmo essa notícia tinha chegado até Ahin.
Por isso, o fato de que minha forma original tinha mudado da coelha bebê para uma lebre adulta era desconhecido para ele.
<Não, impossível…>
Ainda assim, mesmo que eu tivesse aprendido a ocultar meus feromônios, se fosse Ahin, ele os reconheceria, mesmo que de leve. No dia em que nos conhecemos, ele cheirou minha nuca de imediato, dizendo sentir um odor suspeito. E nesse momento, eu nunca nem tinha me humanizado…
“Será que todos os coelhos são parecidos?”
Olhei para ele. De verdade, não tinha me reconhecido. Parecia que eu tinha sido acertada com um martelo. Se Ahin não tinha sentido nenhum feromônio fluindo do meu corpo, significava que, naquele momento, o meu poder e controle era igual ao dele, ou até mesmo superior.
<Não acredito…>
Enquanto meus olhos tremiam, virei para os coelhos que se afastavam do intruso, se grudando na cerca. Parece que os membros do coelhário confirmavam o terror que representava Ahin.
“Por que você está chorando?”
Ele aproximou o rosto, inclinando a cabeça para um lado, e perguntou. Chocada, percebi que lágrimas saíam de meus olhos. Era por isso que a imagem de Ahin estava meio distorcida…
“Você deve estar ferida, ou doente.”
Sem hesitar um segundo, Ahin segurou minha pata dianteira com uma mão. Surpresa pela sensação de formigamento, a puxei de volta com toda a força. Aparentemente, quando voltei à minha forma verdadeira para escapar de Alan, na floresta, me cortei em algum galho sem perceber. Ahin franziu a testa e olhou ao redor.
“Não tem nenhum encarregado nesse coelhário?”
<A encarregada sou eu…>
Originalmente, haviam professores que cuidavam dos coelhos, mas já que eu vinha aqui tão frequentemente, eles começaram a deixar de vir e eu ganhei o posto tacitamente.
Ahin, após olhar ao redor, começou a caminhar me carregando nos braços.
<Ei, para onde vai?!>
Não parecia que estava indo para a cozinha da Academia, então deduzi que ia para a enfermaria. Tentei lutar para escapar, mas foi inútil devido à força que ele pôs nas mãos.
“Fique quieta, ou te levo para a cozinha da Academia.”
<…Você não mudou nadinha.>
Inesperadamente, Ahin me segurava com muito cuidado. Levantei a cabeça para olhá-lo. Ao contrário de minhas preocupações, não senti medo. Os olhos de Ahin, seu toque… e mesmo os seus caninos. Era estranho.
Talvez não estivesse demonstrando medo por estar em forma de lebre? Mas uma coisa era certa. Meu coração estava disparado, mas não pelo medo, e sim pela emoção do reencontro.
Se eu soubesse que seria assim, teria ido até Ahin antes. Apesar do arrependimento, não conseguia tirar os olhos dele.
O Ahin que eu encontrei depois de um ano e meio parecia o mesmo, mas estava diferente. Seu rosto maravilhoso estava igual, mas pude ver que tinha terminado de cruzar a linha entre rapaz e homem adulto. Graças a isso, o sorriso dele, que antes parecia angelical, agora dava uma impressão mais selvagem.
Os ombros também parecem mais largos… As palmas de suas mãos estavam mais grossas e cheias de calos, como para servir de prova da disputa com o clã dos lobos.
Estava orgulhosa por ele ter crescido tanto. Ao ver esse Ahin não-familiar, me pareceu que tinha sido eu a que não tinha mudado.
“O que foi?”
Ele não sabia que era eu, e pensava abraçar uma lebre aleatória do coelhário. O olhei nos olhos. Se ele pensava que eu era um animal, mesmo que encarasse seu rosto diretamente, ele não iria dizer que eu estava flertando, verdade?
“Minha nossa. Seu olhar é mais perigoso que uma pantera negra.”
Controlando minha vontade de lançar um olhar mortal para ele, pisquei sem expressão, como se fosse um coelho normal.
Talvez tivesse sido uma coisa boa. Reencontrar Ahin nessa situação, fugindo de Alan… A reunião não seria emocionante se acontecesse enquanto eu rolava no feno para fugir de um outro predador.
Pensei que poderia apenas continuar fingindo ser um coelho por agora, então somente me deitei nos braços de Ahin e esfreguei a testa neles. Senti um cheiro do qual estava com muita saudade. Tinha sentido tanta falta dele.
Tradução: Nopa.
Revisão: Holic.