A Relação simbiótica entre uma lebre e uma pantera negra - Capítulo 120
Tinha amanhecido na mansão Grace. Parado na frente do quarto de Valence, Evelyn suspirou baixinho.
Desde a noite em que saiu correndo do próprio quarto, o novo local onde Ahin passou a dormir diariamente era no corredor bem na frente do “quarto de Vivi”.
“Bom dia, Senhor Evelyn…”
Yuan, que estava do lado de fora da porta, ficou observando o secretário. Era porque ele tinha um pressentimento de que o outro tentaria fazer algo estranho.
E, como esperado, Evelyn se agachou e se aproximou de Ahin, que ainda estava dormindo. Sem hesitar, ele pegou o diadema com orelhas de coelho e colocou na cabeça do jovem mestre.
Os cavaleiros de Valence, surpreendidos, deram três passos para trás.
‘Melhor nos afastarmos… Sabe-se lá como ele pode reagir.’
Até mesmo na casa Grace, onde haviam muitos lunáticos, não tinha nada de bom em se associar com Evelyn, que era, de longe, um dos piores.
“Lorde Ahin, acorde.”
“…O que é esse lixo na minha cabeça?”
“São orelhas de coelho. Se o senhor mudar de clã e se tornar uma lebre, creio que a Senhorita Coelha irá mudar de atitude.”
“Nesse caso, está bem. Vou usá-las.”
Ahin, tendo acabado de despertar, parecia satisfeito, e arrumou o diadema em sua cabeça. Então, enquanto trocava de roupa, ele olhou para o corredor. Ali estava Quinn, de braços cruzados, em sua forma humana. O que significava que havia uma mensagem que ele só poderia trazer com suas próprias palavras.
Ahin encarou Quinn devagar. Ele sempre usava blusas e calças simples quando se humanizava. Mas hoje, estava arrumado, até mesmo usando uma gravata. O cabelo azul, que sempre era amarrado de qualquer jeito, também estava penteado.
Enquanto Ahin esperava, Quinn, que olhava o diadema como se fosse ofensivo, hesitou antes de falar.
“…Vim dizer que minha próxima viagem vai ser mais demorada que o normal.”
Quinn não ficava muito tempo na mansão Grace desde que tinha chegado. Entre uma missão e outra, ele ficava fora o tempo todo, e, no passado, tinha chegado a passar três meses fora, sem retornar. Mas, como no fim ele sempre voltava ao seu “ninho”, Ahin não se importava muito. Ele perguntou.
“Para onde vai?”
“Você nunca perguntou isso antes.”
Quinn, irritado, jogou um pedaço de papel em Ahin. O apanhando com as mãos, ele ergueu as sobrancelhas.
“O que é isso?”
Quinn, já tendo tido o que precisava dizer, escalou a janela sem responder. Ahin falou em voz baixa para o homem-besta águia.
“Não morra.”
“…Sim.”
“Não vá para a cadeia por roubar morangos.”
Quinn, lançando-lhe um olhar maligno como resposta, voltou a sua forma de águia.
“Crawwww!”
Após sobrevoar a mansão, Quinn começou a bater as asas da direção do território dos porcos. Ahin, que observou o pássaro desaparecer por entre as nuvens, tocou no bilhete dobrado que tinha recebido.
Teria sido escrito pelo próprio Quinn? Ahin jogou o bilhete no ar e o pegou com a mão. Após repetir esse ato por várias vezes, ele franziu a testa.
A não ser que a personalidade da águia tivesse mudado, essa atitude de agora era muito suspeita. Mostrar tanta consideração, e até mesmo vir se despedir… A cabeça de Ahin começou a rodar enquanto ele encarava os cavaleiros de Valence, que permaneciam afastados. O comandante destes, sentindo o olhar fixo, parecia nervoso.
‘…É um pouco estranho que minha mãe coloque seus cavaleiros pessoais para escoltar uma coelha bebê.’
Como muitas anomalias estavam ocorrendo por lá esses dias, ele não tinha percebido. Também havia o fato de que o médico esquilo abria a porta todas as vezes que Ahin batia para perguntar informações, nunca o mandando embora por estar no meio de algum tratamento.
‘E também…’
Finalmente, ele percebeu algo que tinha deixado passar todos esses dias. Olhando para Evelyn, perguntou.
“Onde está Ash?”
“Como?”
“Não a vejo faz um tempo.”
“Ela deve estar seguindo sua rotina normal… Não?”
“Você quem falou, por que está me perguntando?”
Estando distraído, Evelyn começou a notar que algo não se encaixava, coçando o queixo. De fato, era estranho. Ash não iria ficar tranquila enquanto Vivi estivesse doente. Ela ficaria de vigília na frente do quarto, igual a Ahin.
Mas, como se nada tivesse acontecido, Ash acordava no mesmo horário, saia, e retornava ao quarto de Evelyn na hora de dormir. Nesses momentos, ela mostrava uma atitude obediente.
“Talvez…?”
Enquanto o secretário começou a ter suspeitas, Ahin saltou pela mesma janela pela qual Quinn tinha voado e desapareceu de repente.
“Lorde Ahin, para onde vai?”
Olhando para fora, Evelyn notou que os cavaleiros ficaram tensos como estátuas de pedra.
“…O Lorde Ahin lembrou de tirar o diadema de coelho antes de sair?”
“Não.”
“Há chances de eu ser decapitado mais tarde. Como vocês, cavaleiros, ousaram me obrigar a pregar uma peça dessas em meu mestre? Espero que estejam prontos para se responsabilizar por isso.”
“Ah, sim… perdão, como disse?!”
Deixando os cavaleiros para trás, ele começou a correr na mesma direção na qual Ahin tinha desaparecido.
***
“Onde está Ash?”
Toda vez que Ahin fazia essa pergunta, os criados apontavam para o portão principal da mansão. O jardineiro até mesmo relatou que ela tinha estado parada na frente do portão o dia todo, fazia vários dias.
Após correr sem parar, Ahin avistou o portão dourado. Notando sua presença, Meimi virou para olhá-lo. A sua respiração formava nuvens de vapor, demonstrando como estava frio.
“Olá, Lorde Ahin.”
Meimi, cortês como sempre, se curvou, segurando sua capa preta. Os olhos de Ahin se fixaram em suas mãos, que ela tinha pousado no colo graciosamente. Elas estavam vermelhas, uma prova de que estava no frio há um tempo.
Ash, ignorando por completo seu anterior mestre, apenas encarava o céu. Vivi poderia aparecer a qualquer momento, vinda de cima, em outra cesta, ou trazida por uma carruagem, acenando com a pata pela janela, ou até mesmo a pé. Por isso, ela não podia se distrair nem por um minuto.
Ela também estava tomando cuidado para se manter saudável por Vivi, que ficaria chateada se soubesse que Ash tinha ficado doente enquanto a esperava. Essa era a única razão pela qual ela voltava ao quarto de Evelyn todas as noites, para dormir em um lugar aquecido.
“…Haha…”
Ahin riu sozinho ao deduzir que Vivi não estava, de fato, no quarto de Valence. Ela tinha sido removida da mansão em algum momento.
Valence parecia estar muito determinada em ocultar esse fato, já que tinha levado tanto tempo para Ahin descobrir a verdade.
Ele relaxou o punho, que estava a apertando com força. Dentro de sua mão ainda estava o bilhete que Quinn tinha entregado. Ele abriu o papel como se estivesse possuído.
[Estarei ao seu lado em breve.]
O bilhete que ele mesmo tinha escrito estava estampado com uma marca de pata de coelho, feita com tinta. Ele não precisava pensar para adivinhar quem era o remetente.
‘Quando foi que…?’
Apesar de os olhos vermelhos, encarando o bilhete, parecerem frios, seu interior estava borbulhando com milhares de emoções, como um vulcão prestes a explodir.
Logo, algo caiu no ombro de Ahin. Um floco de neve. Outro caiu em cima do bilhete, o ensopando. Ahin levantou a cabeça, devagar.
A neve, branca e macia, assim como Vivi, continuou caindo em seu rosto. Ahin nunca tinha pensado na neve como algo romântico. Mas, lembrando de uma certa coelha que gostava de preparar gestos românticos, ele se pegou dando um significado desnecessário à geada.
“Evelyn.”
“Sim?”
Antes que ele percebesse, Evelyn, que tinha estado atrás dele, se aproximou.
“Encontre-a.”
“…Sim, meu Lorde.”
O objeto da frase foi omitido, mas não havia necessidade de perguntar.
No inverno daquele mesmo ano, as invasões territoriais do clã dos lobos iniciaram um conflito que virou uma verdadeira guerra.
Vivi não estaria ao lado de Ahin tão cedo.
***
A Academia Belhelm, onde Lillian Fayant era o 82º diretor, tinha o tamanho equivalente à metade de uma cidade.
O local era conhecido como a única instituição de ensino na qual herbívoros e predadores estudavam juntos, além de aceitar ambos nobres e plebeus como estudantes.
Alan Fredian, que tinha ficado em segundo lugar nos exames entre todos os novatos deste ano e tinha uma auto-estima bastante elevada, estava de mau humor.
‘Quem diabos é ela?’
Ele era o segundo filho da família Fredian, um membro do clã das panteras negras, e um jovem ambicioso, que sonhava em um dia ser o secretário principal de Ahin Grace, o futuro líder do clã das panteras negras.
Se ele conseguisse chamar a atenção do diretor, Lillian, talvez pudesse quebrar o estigma de ser o segundo filho, com o qual ninguém se importava. Desde que ele tinha começado seus estudos, sempre era o primeiro lugar em todas as avaliações.
No entanto, uma certa mulher-besta lebre de origens desconhecidas havia entrado na Academia há 6 meses, colocando em risco todos os objetivos de Alan.
A lebre, que tinha surgido do nada como um meteoro, tinha roubado o seu primeiro lugar em todos os testes desde então, e havia rumores de que ela era a preferida do Diretor Lillian.
O Diretor tentava disfarçar, mas os cantos da sua boca se curvavam num sorriso toda vez que ele via a tal lebre, o que provava que tudo era verdade.
Ela não era do clã dos chimpanzés, para justificar uma inteligência superior, e nem mesmo tinha sua identidade confirmada, pois ninguém sabia se era plebeia ou nobre, e muito menos a qual família pertencia.
Tudo que ela tinha era um rosto bonito e uma mochila estranha, que sempre carregava consigo. Alan não sabia o porquê, mas ela o irritava muito.
‘A primeira vista, parece um mistério insignificante, mas…’
Ele começou a observá-la, para garantir, e detectou muitos pontos suspeitos. Em primeiro lugar, ele não conseguia sentir os feromônios dela em absoluto. Existiam casos de homens-besta especialmente poderosos, que eram capazes de ocultar por completo seus próprios feromônios, mas não podia ser o caso dessa lebre. Os rumores diziam que seus poderes apenas faziam os outros dormir, o que não era nada demais.
A segunda coisa suspeita era que ela ia à biblioteca da Academia todos os dias, e, quando ele perguntou à bibliotecária que livros a lebre havia estado lendo, todos eram sobre predadores. Entre eles, havia até mesmo livros com ilustrações de predadores, os quais não continham uma única palavra.
Talvez ela estivesse criando algum plano contra os homens-besta carnívoros? Uma outra dúvida começou a surgir na cabeça de Alan. Ela não tinha uma identidade confirmada, e portanto, suas roupas deviam ser humildes. No entanto, a lebre usava um uniforme da Academia especialmente customizado para ela, o qual fazia com que até mesmo os alunos nobres ficassem com inveja.
A roupa era o uniforme comum, mas adornado com joias que eram tão belas e caras que nem mesmo apareceriam em leilões normais. Graças a isso, haviam rumores de que ela era uma nobre de altíssimo ranking, ocultando sua identidade de propósito.
Mas, não importava o quanto Alan tentava cavar para obter informações, o filho da Professora Janna a seguia aonde ela fosse. A habilidade de ler a energia dos outros afastava todos que tivessem alguma intenção má, pois ele os descobria imediatamente. Era conveniente demais.
“Aquela mulher-besta lebre… Você escutou um rumor de que o Diretor tem intenções de casá-la com o neto dele?”
Dois estudantes do clã dos tigres estavam conversando.
“Pare de dizer absurdos. Está dizendo que uma mulher-besta lebre irá se casar com o líder do clã das panteras negras?”
“Bem, tem fofocas que dizem que o tal Ahin Grace se apaixonou por uma dançarina lebre no passado…”
“Sua cabeça é oca assim porque fica acreditando nesse tipo de rumor rídiculo.”
Os dois homens-besta tigres ficaram tendo essa conversa sem sentido. Alan Fredian, os encarando com pena, ficou escutando.
“Craaaw.”
A estranha águia que ele sempre via voando pelo céu, seja por onde fosse que a tal lebre estivesse, estava por ali. Isso significava que…
“Alan, olhe ali. A lebre.”
O colega do clã dos tigres apontou para o meio dos arbustos. Logo, o mato começou a se mexer e uma cabeça branca apareceu. Era ela, com seus olhos lilás claro.
Após olhar ao redor e não ver ninguém, ela começou a andar na ponta dos pés, depois de lutar para tirar as folhas presas no seu cabelo e uniforme.
Então, ela viu um estudante do clã dos guepardos andando por perto. Imediatamente, ela mergulhou outra vez no arbusto.
“Ela é uma pessoa ou é um coelho real disfarçado? Sempre se esconde desse jeito.”
“Você não viu o que aconteceu quando ela encontrou um homem-besta urso lá no auditório?”
Os dois tigres continuaram murmurando, a menosprezando. Pensando o oposto, Alan Fredian estreitou os olhos, com suas suspeitas crescendo.
“Nunca se sabe… talvez ela esteja fingindo ser covarde para esconder seus planos malignos.”
Comparado com seu rosto delicado, essa lebre tinha olhos misteriosos, como se desejasse ter todos os predadores do mundo aos seus pés.
Alan Fredian rangeu os dentes.
Tradução: Nopa.
Revisão: Holic.
Lucien
Ahhhh teremos arco da escola para a vivi superar seu trauma!